Categoria: Afrofuturismo
Artista afro-brasileiro Inaugura Museu e Centro Cultural
Inauguração do Museu Baobá Ancestral: Um marco na valorização da arte e cultura negra e indígena no Brasil
É com grande orgulho que anunciamos a inauguração do Museu Baobá Ancestral, o maior museu de arte da América Latina dedicado à exibição de obras de artistas da diáspora africana e indígenas brasileiros. O prédio alta tecnologia no coração da cidade, está ligado por portais as periferias, quilombos e comunidades tradicionais. Este museu é um centro cultural e de formação de artistas, além de ser um espaço para pesquisas epistemológicas africanas.
O Museu Baobá Ancestral é uma iniciativa que visa promover a preservação e a valorização da cultura negra e indígena no Brasil, reunindo obras de artistas que exploram as raízes culturais dessas comunidades e suas conexões com outras culturas ao redor do mundo. Trazendo a luz, nomes que foram rejeitados, esquecidos e apagados. Mas também celebrando aqueles que, apesar de todo racismo estrutural, conseguiram deixar seu nome, nítido na história.
Além disso, o museu possui a maior biblioteca de autores negros, oferecendo uma ampla seleção de livros, periódicos e documentos que retratam a história e a cultura da diáspora africana no Brasil e em outros lugares do mundo.
O prédio que abriga o Museu Baobá Ancestral possui uma arquitetura única, concebida por engenheiros e arquitetos negros que buscaram refletir a estética e a tradição das culturas africanas e indígenas em sua construção. O resultado é um edifício imponente, que se destaca pela beleza e pelo respeito à história e às tradições desses povos.
O Museu Baobá Ancestral é um espaço de celebração da arte, da cultura e da história negra e indígena, e estamos entusiasmados por poder compartilhá-lo com toda a comunidade. Esperamos que este espaço possa inspirar e empoderar as gerações futuras, promovendo a compreensão e o diálogo intercultural.
Venha nos visitar e descobrir a riqueza e a diversidade da arte e cultura negra e indígena no Brasil e na América Latina!
O legado de Emanuel Araújo
Nosso museu não é o primeiro, nem o mais importante… Não chegaríamos até aqui sem a luta de Emanuel Araújo e o Museu Afro Brasil, e todos que lutaram com ele para manter o espaço vivo. Graças ao renomado artista e curador, que fez da sua vida uma luta para conectar suas raízes e a história da diáspora africana para as gerações futuras. Foi essa luta que nos inspirou a criar o Baobá Ancestral, um novo museu de arte com possibilidades novas, que não seriam possíveis antigamente.
Araújo acreditava que a arte é uma ferramenta poderosa para a transformação social. Queria criar um espaço que fosse mais do que um simples museu. Ele queria um lugar que fosse acolhedor e convidativo, onde as pessoas pudessem se conectar com a arte de uma forma mais pessoal e significativa. Assim fizemos o Baobá Ancestral. Projetado para ser um espaço aberto e inclusivo, onde todos são bem-vindos para explorar, aprender e se inspirar.
Valorizando seus acertos e seus méritos, dedicamos a ele o nome de uma ala do museu, e seus trabalhos mais importantes estão guardados aqui.
Os Espaços
Ao longo de todo museu, artistas convidados fizeram esculturas e retratos de nomes importantes, mas também de anônimos que simbolizam a luta e a história dos excluídos nesse território. Uma reverências aos nossos ancestrais que possibilitaram que a gente chegasse até aqui.
As grandes salas de convívio, bibliotecas, teatros, salas de jogos e espaço para esportes diversos, são também uma forma de unir e socializar nossas vitórias e conquistas. Como múltiplos que somos, com interesses diversos e de extrema excelência em qualquer área que nos dedicamos, o Baobá quer fomentar essas potencialidades. ]
Diversidade
Ficamos felizes em abrigar o legado de algumas etnias indígenas aqui, que auxiliaram e influenciaram nossa vida e resistência como aliados neste território. Mas sabemos que eles se representam muito bem e estão construindo suas próprias narrativas e resgates. Sempre que possível, nossos núcleos se conversam e colaboram nessa batalha de contar nossas vitórias, lutas e reviver nosso legado ancestral.
É muito enriquecedor, através dos estudos, perceber como através dessa troca ao longo de séculos, construímos algo único e poderoso.
As futuras mostras
Nossa maior ambição é fazer a Grande Exposição – uma mostra de arte itinerante, que viajará pelo mar levando a criação de nosso povo para todos os territórios que tiveram a diáspora forçada de nossos irmãos. E depois de volta ao continente mãe.
Porém, enquanto isso não acontece. Vamos resgatando nomes, trabalhando em nosso acervo e trazendo para nosso publico o legado desses artistas.
Servindo de palco para o artista e curador Diogo Nógue, mas também para outros curadores importantes que tem suas próprias linhas de pesquisa e trazem também nomes de artistas de diferentes épocas para somar.
Temos um cronograma de salas que estão sendo montadas para acolher as exposições desse ano. Em breve, vocês vão conhecer artistas inovadores, e mostras experimentais para problematizar, inspirar e nos mostrar.
o dia que nunca acabou
Falamos da importância da inauguração do museu neste dia 13 de maio. mas sabemos também o que o grande dia 14, o dia após a falsa abolição foi o mais longo de nossa história nesse país. E não é com um museu que fazemos o racismo acabar. Isso foi conseguido com a luta de nossos irmãos em todas as outras áreas e, também nas artes.
Agora, temos um lugar, um espaço para nós. Com o objetivo de se conectar com outros. Para despertar uma consciência, avivar as que estão a muito em luta. Um lugar de descaço.
O dia 14 está acabando, finalmente teremos nossa liberdade. E como sempre. vai ser pela luta e pelo sangue.
O Afro-surrealismo – o deslocamento do negro em um mundo branco.
“Mano… que surreal isso, não tô acreditando no que ta acontecendo!”
Primeiramente, vivendo no Brasil, essa frase é bem comum de ser dita diariamente. Não é difícil sentir a barreira da realidade dilatar diante de situações improváveis, injustas ou permitidas por regras invisíveis. Para uma pessoa negra, então? Uma camada a mais de irrealidade é adicionada em todos os campos da nossa vida. Se uma pessoa negra falar de sua realidade, tudo é afro-surrealismo.
Ou seja, nossas experiências são responsáveis por criar nossa percepção da realidade, muitas vezes nossos filtros sensoriais não são capazes de compreender situações, sensações, imagens, sons e sucessão de fatos. A compreensão do que é realidade é medida de acordo com as nossas crenças e convicções. Apesar de facilmente sermos enganados por nossos sentidos, a autoestima do ser humano e seu ego, lhe diz que a nossa mente e nossos sentidos são parâmetros confiáveis. “Eu vi com esse olhos que a terra há de comer”. “Eu não tinha bebido nada, naquele dia, estava sóbrio, pode confiar!”
Ou seja, acreditamos verdadeiramente em nossa capacidade de sentir a realidade. E essa certeza é uma ilusão em si, criada por nosso cérebro.
A arte como quebra da ilusão
Antes de mais nada, você já se perguntou quando uma ilusão te fez se dar conta da realidade?
Muitas vezes na infância, não temos a capacidade de distinguir o que pode ser ilusão ou engano dos nossos sentidos. Por isso somos tão influenciados por histórias, imagens e sensações. Afinal, indefesos em um mundo desconhecido, os monstros de baixo da cama, fantasmas, o velho do saco, a Kombi dos palhaços ou a loira do banheiro são seres vivos e possíveis para uma mente infantil. Assim como a fada do dente, coelho da pascoa e Papai Noel.
Da mesma forma que não entendemos a existência dos raios, o sol, estrelas, televisão, celular, ou um queijo; Também desconhecemos os mecanismo que podem fazer um vampiro ser ou não real.
Portanto, para mim, é ao entrar em contato com a ilusão, que vamos criando parâmetros para mediar a realidade. E além de ir nos tornando menos ignorantes quanto aos mistérios do mundo. Também vamos tomando conhecimento da falibilidade dos nossos sentidos e como nosso cérebro os traduz.
Ou seja, a arte é um grande fator na quebra da ilusão; Ironicamente, ela faz isso justamente criando simulacros e experiências de realidades, ou percepções de realidades dos outros. Muitas vezes tentei despertar meu chacra, elevar meu KI, despertar meu poder de voar – por influência de desenhos animados; Rezava a noite ante de dormir temendo deus e o inferno; tentava mover objetos com a mente, ou me comunicar por telepatia…
A quebra
Ao falhar em produzir um Hadouken eu aprendi que existe um limite claro entre a imaginação, a ficção dos desenhos animados e o mundo a minha volta. Assim como minha vó vasculhar o banheiro junto comigo em busca do fantasma da loira, me fez enfrentar o meus medos acendendo a luz,
Uma história que ilustra bem essa ideia é a anedota contada sobre a primeira exibição da filmagem de um trem em movimento: Muitas pessoas na plateia saiam correndo da sala, pensando que iam ser atropeladas pelo trem. Mesmo que na época, um vídeo não poderia reproduzir a realidade em cores, sons e texturas, o simples reconhecimento de um objeto veloz indo em sua direção pode fazer seu cérebro acreditar que a cena faz parte do real.
Em suma, através de pinturas, músicas, filmes ou o simples ato de ouvir uma história nos coloca em contato com a percepção do mundo visto, sentido e relatado por um outro alguém. Nesse momento, através da identificação, ou pela descoberta de algo novo, a nossa própria realidade muda. Sendo assim, é nesse eterno embate entre nossa crença de realidade e a realidade além de nós, que podemos quebrar algumas das ilusões que nos rodea.
O Surreal de Octávio Araújo e como me influenciou
Primeiramente, não consigo dizer qual fascínio me veio primeiro em relação a arte. O poder do realismo – Apreender o mundo como ele no desenho, capturar imagens e grava-las no papel? Reproduzir criações artísticas de objetos, estampas e livros? Ou o fantasioso e surreal – Animais encantados, superpoderes, passagens para outros mundos, parar o tempo, voltar ao passado?
A pintura acima, de Octávio Araújo, foi uma das primeiras obra de arte que me deixou fascinado e com vontade de pintar e desenhar. Desde que a descobri no livro “A mão Livre” de Philip Hallawell quando tinha 10, 11 anos, tudo mudou para mim. Primeiramente, podemos ver um pouco deslocado do centro, um retrato rasgado, mostrando apenas uma silhueta de um acadêmico, Sua imagem descolada cai sobre um chão de madeira pegando fogo, ladeado de pão, escorpião, rato e um caixa de fosforo. O Fundo da imagem reúne elementos arquitetônicos a imagem de uma mulher como uma musa clássica, ao longe uma paisagem.
Identificação
A primeira coisa que me impressionou foi a técnica da pintura, cores, texturas e representações ultrarrealistas da natureza, objetos e animais. Depois a imagem fantasiosa, metalinguística de pintar uma pintura, as tonalidades de um “dia perfeito”. Por último, lembro até hoje de notar a caixa de fósforos da marca “pinheiro” e o reconhecimento de algo do meu universo presente naquela imagem que pensei ser de longe (no tempo, e no espaço), explodiu minha mente. A partir desse encontro, eu não queria dominar as técnicas de desenho para reproduzir o mundo como ele era, mas sim como eu o sentia. Criando a partir dos elementos da realidade, um novo mundo.
Foi alguns anos depois que descobri que Octávio era um artista negro e brasileiro, ao ver seu retrato na Pinacoteca de São Paulo. E então, com acesso a internet, consegui fazer uma pesquisa mais profunda sobre seus trabalhos, sua vida e fui ainda mais influenciado por sua arte. Até mesmo tentei achar algum contato dele, ao saber que ainda estava vivo na época. Porém não consegui esse encontro.
Foi a partir de Octávio que fui apresentado ao conceito de imagem surreal. Inspirado em suas litografias estudava o desenho em preto e branco com grafite. Assim como Araújo a representação de pessoas brancas como o padrão do meu universo visual ficou muito marcada. Durante muito tempo não notava essa forma de dominação do racismo em meu subconsciente. Mesmo tendo uma família com consciência racial, nascer em uma sociedade em que o negro é excluído da cultura em todos os aspectos, afeta nosso subconsciente e coloca barreiras invisíveis.
o racismo em nossas mentes
Octávio estudou em escolas tradicionais no Brasil e na Europa, e certamente seus materiais de estudo e referência de artistas eram todos brancos. Se casou com uma alemã durante uma de suas moradas por Bolsas de estudos. Sua esposa se tornou sua musa em muitas de suas pinturas. Tentando se inserir no contexto de arte brasileira, talvez sentisse que para ser reconhecido pelo circuito de arte, teria que “ser três vezes melhor que um artista branco”.
Em suas temáticas explorava a mitologia grega com toques esotéricos, metafísicos, alquimistas e eruditos. Deixando escapar em poucos momentos simbolismos da cultura afro. Certamente, era muito doloroso para ele tratar de sua negritude. Ser um “artista negro” é uma escolha nos dias de hoje, porém naquela época, era uma afronta. Ao mesmo tempo que se pedia essa ousadia de grandes negros, também era a armadilha desejada para joga-los no ostracismo. Como homem negro, entendo o quando é frustrante saber que mesmo que tenha algum talento, e um bom trabalho, ainda assim a caminhada é difícil de ser vencida.
Autonegação
Eu em minha adolescência e juventude nos anos 90 e 00 tentava fugir dos estereótipos impostos aos negros por vergonha. Como se me sentisse sempre observado e sempre sendo julgado. Tinha vergonha de sentar perto de outros negros na escola, de ouvir pagode, samba e funk. Tinha medo da capoeira e do candomblé. Mesmo gostando da minha cor, dos meus traços, ainda me achava feio e indesejável. Foi uma trajetória de autoconhecimento perceber essas atitudes e desconstruir essa influência colonizadora e racista em minha vida. Imagino então que para Araújo, crescendo ainda sobre a ditadura, e o duro racismo velado daquela época foi muito mais massacrante.
A imagem da negritude tinha sido estereotipada e apropriada por pintores brancos modernistas. Portinari, por exemplo, para qual Octávio trabalhou como assistente, tinha toda sua produção baseada na representação de “Mulatos, mulatas, e índios” a brasilidade pintada por eles era negra e indígena, porém tinha que ser feita por brancos.
A arte de Heitor dos Prazeres por exemplo: Que retratava a cultura negra, tendo o negro como protagonista e narrador de sua história era nomeada como naif e vista como uma arte menor e folclórica. Enquanto os pintores negros acadêmicos dos 1800 até 1990, mesmo dominando com exímio a técnica, estudando na Europa e etc. Foram sempre renegados e sabotados, pois um negro não poderia ser melhor que um branco em uma área que eles consideravam deles.
Dito isso, e voltando ao ponto desta sessão, a arte de Octávio me intrigou também por essa ausência da negritude em suas criações. Além do domínio técnico, as composições oníricas, as representações de metalinguagem mostrando a ilusão e o deslocamento da realidade, se tornaram a base do meu trabalho.
O Surrealismo em minha arte
Como foi dito no começo, viver em uma sociedade racista enquanto pessoa negra, desloca a nossa realidade de uma forma brutal. Vivemos em um mundo de portas trancadas, barreiras invisíveis e códigos não ditos. Cada pessoa negra vai desenvolvendo estratégias para se deslocar e sobreviver nessa realidade alterada, porém não raro e inevitavelmente, batemos de cara em uma parede invisível ou caímos em um calabouço do racismo que não estávamos preparados.
O medo por ser julgado por nossas roupas, cabelo, cheiro, jeito de andar, cores, acessórios e maquiagem que usamos. Tomamos precauções de segurança como andar com as mãos a vista em lojas, não abrir a bolsa em supermercados, estar sempre com documento, abaixar o capuz ou tirar o boné quando avistamos uma viatura ou policial. São só alguns exemplos de atitudes para prevenir embates contra os brancos. Nos tornamos também ótimos analistas de feições, entonações e comportamentos. Um alarme toca no fundo de nossa consciência quando detectamos certas atitudes.
Cada pessoa responde a essas situações de maneiras diferentes, e muitos, pegos de surpresa, não sabem nem como agir.
Espelho
Assim, refletindo sobre como os artistas Salvador Dali, Magritte e De Chirico influenciaram meu trabalho e instigaram minha imaginação, cheguei a conclusão que pelo estranhamento, quebra de realidade, e o deslocamento da realidade, traduzia uma angustia que sentia sobre minha própria existência no mundo. Portanto, recortes, silhuetas, sombras, reflexos distorcidos, a falta, transparência, espaços desertos, falavam com meu inconsciente e davam forma a uma sensação que palavras não podiam traduzir.
Sendo assim. ao primeiro contato com uma pintura Surreal ou metafisica, nosso cérebro reconhece estruturas, texturas e significados, porém rapidamente tomamos consciência que as coisas estão fora do lugar, um estranhamento e uma quebra da ilusão são notadas. O que nos faz olhar novamente para imagem, e ela se revela para nós, um outro universo.
Seja pela perspectiva, volume, cores, texturas, o que nossa mente traduz como realidade é quebrado. Desta quebra o inconsciente, sentimentos e a leitura simbólica se potencializa. Cria-se uma comunicação da linha dos oráculos, ao mesmo tempo mental e mística.
Essa estratégia se encaixava muito bem com a minha timidez, falta de autoestima e sensação de não pertencimento que não sabia nomear e nem enxergar como consequência de ser negro em um mundo em que era intruso.
Tentar me expressar em enigmas, simbolismos, modos de escrita antiga (como runas), imagens com referência aos pintores surrealistas, e a representação do branco como padrão foram um caminho natural. Foi só no final da minha conclusão de curso na faculdade que comecei a refletir sobre a estética, embasamento teórico e qual seria a relação com minha negritude.
O encontro: Minha arte é Afro-surreal
Na academia aprendemos a nomear as coisas e coloca-las em linhas de pensamentos, famílias, conceitos e territórios. No meu TCC encaixei minha pesquisa na linha entre o romantismo (com uma paixão e fascínio pelo passado – que pra mim se traduzia na busca pelo legado dos meus ancestrais, saber de onde vim e quem foram os que me trouxeram aqui), as composições e temáticas Surrealistas ( a valorização do sonho, memória e teoria psicanalíticas como formas de compreender a mente humana e como se dá a criação de simbolismos) e por último o neoexpressionismo que vai trabalhar uma nova forma de pensar a construção da imagem – utilizando objetos do cotidiano, matéria, terra, vegetação e outros, para compor o corpo pictórico em grandes formatos. Como temática, um mundo de desesperança, reflexo de guerras, mortes, desigualdades. Cheio de cinzas, poeiras, e escombros. Algo muito comum para nós negros.
Como arcabouço teórico essas escolas saciaram meu orientador e também os avaliadores da banca. No entanto, para mim ainda não conseguia definir muito bem em que lugar minha arte atuaria, com quem, como, onde e para quem eu estaria falando.
Então, foi só depois da minha viagem à Inhotim em 2018 e a segunda visita a exposição de Basquiat em Belo Horizonte (episódios que discutir em textos e no video sobre a exposição O que nunca vão apagar) que comecei a construir uma direção para minha arte. Levando em conta ser um artista negro, periférico, independente, hetero, cis no Brasil atual.
Despertar
Um primeiro despertar foi o Afrofuturismo, imaginar possibilidades do povo preto para além das dificuldades do racismo, colonialismo e capitalismo. Mas também existências em que não fomos ceifados. Abriu um novo universo em minha mente. Principalmente na escrita, contar histórias que nascem de uma premissa tão forte como o afrofuturo acendeu uma chama em mim.
Do mesmo modo, essa corrente da cultura pop veio ganhando muito destaque nesta década, o que fez surgir maravilhas como o filme Pantera Negra, divisor de aguas na cultura mainstream do cinema, não só no subgênero de super-heróis. Mas que vai afetar todas as novas gerações. Que diferente de mim e do Octávio Araújo, não serão podadas pela falta de representatividade, ou falta de autoestima com a cultura africana e afro-brasileira.
O segundo despertar veio como uma bomba, após assistir a Série Atlanta – de Donald Glover. Principalmente as duas ultimas temporadas que levantaram discussões por seus roteiros enigmáticos que fugiam da realidade como conhecemos.
Eu já sou fascinado por narrativas assim. Antes de tudo, aqui na américa latina o realismo-mágico foi um movimento potente e inovador na literatura, o qual eu tenho bastante apreço.
Portanto, minha epifania veio ao procurar as discussões sobre a série e encontrar o termo Afro-Surrealismo. Principalmente pela simples adição do prefixo muda tudo e enche de significados. E ainda mais, saber que existe um movimento e um manifesto de outros criadores negros que pensam sobre essa questão e que conseguiram traduzir esse deslocamento das pessoas pretas com a realidade a nossa volta.
Me assustei, era muito obvio. Afro-surrealismo! é isso.
Então, para finalizar, deixo aqui abaixo alguns pedaços do manifesto e o link para o texto completo de D. Scot Miller traduzido por Yuri Costa
Manifesto Afro-surreal
- Vimos esses mundos desconhecidos emergirem nos trabalhos de Wifredo Lam, cujas origens afrocubanas inspiram trabalhos que falam de velhos deuses com novos rostos, e nos trabalhos de Jean-Michel Basquiat, que nos deu novos deuses com velhos rostos. Ouvimos este mundo na trompeta-ebó de Roscoe Mitchell e nas letras de MF Doom. […]
2. O Afro-Surreal pressupõe que, além deste mundo visível, há um mundo invisível lutando para se manifestar, e é nosso trabalho revelá-lo. Como os Surrealistas Africanos, Afro-Surrealistas reconhecem que a natureza (inclusive a humana) gera mais experiências surreais do que qualquer outro processo poderia produzir.
3. Afro-Surrealistas recuperam o culto ao passado. Nós revisitamos tradições com novos olhos. nos apropriamos de símbolos da escravidão no século XIX, como Kara Walker, e da colônia do século XVIII, como Yinka Shonibare. Re-apresentamos a “loucura” como visitas dos deuses e reconhecemos a possibilidade da magia. Nós assumimos as obsessões dos antepassados e incitamos o des-conforto, clareando a névoa da inconsciência coletiva enquanto este se manifesta nesses sonhos chamados de cultura.
Chega! Queremos sentir alguma coisa! Queremos chorar em público
4. Afro-Surrealistas usam o excesso como única maneira legítima de subversão, a hibridização como forma de desobediência. ´[…] Consortium expressam este extravasamento.
5. Afro-Surrealistas distorcem a realidade em favor do impacto emocional. […] Chega! Queremos sentir alguma coisa! Queremos chorar em público.
6. Afro-Surrealistas se esforçam pelo rococó: o belo, o sensual e o caprichoso. […] cuja observação sobre o corpo negro masculino se aplica à toda cultura e à toda arte: “Não existe imagem objetiva. E não há maneira de observar objetivamente a imagem em si”.
7.[…]
8. Afro-Surrealistas são ambíguos. “Será que sou preto ou branco? Será que sou hétero ou gay? Controvérsia!”
O Afro-Surrealismo rejeita a servidão silenciosa que caracteriza os papéis existentes para afrodescendentes [African Americans], descendentes de asiáticos, latinos, mulheres e pessoas queer. Apenas através da mistura, da fusão e da troca [cross-conversion] entre essas supostas classificações poderá haver esperança de libertação. O Afro-Surrealismo é intersexual, afro-asiático, afrocubano, místico, tolo e profundo
9. […]
10. […]
11. Afro-Surrealistas criam deuses sensuais para destruir belos ícones em ruínas.
Concluindo
Em suma, o afro-surreal é o agora visto pelos olhos das pessoas negras; Uma realidade paralela que vivemos sob domínio e controle da supremacia branca, que tenta usurpar todas nossas invenções e genialidades; O Afro-surreal é uma linguagem para nos comunicar com nossos em uma frequência que os brancos não entendem. Sobretudo, o prefixo Afro cria uma nova dinâmica, resgata nossa origem, nosso passado e nos desperta para nós mesmos. Não deixa dúvidas, não queremos aprovação, não queremos ser aceitos, tolerados. Antes de tudo, queremos ser, nossos e para nós mesmos.
Ser ou não ser um “artista negro”?
Na nossa sociedade racista, escolher ser um artista negro é um desafio politico. Mas o que é ser um artista preto? neste post levando esse questionamento.
Adinkra, Horus e Baobá – O novo logo
O Nascimento
Com o lançamento do novo site, resolvi renovar mais uma vez o meu logo. Dando uma atualizada nas linhas, limpando elementos, composição e adicionando símbolos e uma visão afrofuturistica do design. Gostei bastante do resultado, pois ficou mais proximo do que eu tinha imaginado em 2007.
A primeira versão tinha como objetivo fugir de um logotipo baseado em conceitos padrões do design dos 00’s (voltado para síntese, pouco elementos). Tinha em mente o acumulo de elementos e brasões de armas ou de famílias reais. Também queria algo bastante simbólico, que tivesse uma relação próxima com minha produção de arte.
Por isso, os elementos do olho ( espelho da alma) e as asas (liberdade e imaginação) já estavam presentes. Neste momento eu tinha criando um desenho carregado, cheio de pontas e manchas pois queria algo “sujo” visualmente. Porém em 2015 resolvi atualizar esses conceitos, limpando o desenho das asas, olhos e letras.
Então adicionei o conceito de escudos africanos como forma de silhueta e as formas circulares e espaço negativo por trás do logo forma ideia do infinito, o olhar ficava preso na forma e encontrava em seu centro a alma e nela o simbolo de fechadura (possibilidade de descoberta).
O novo logo
Continuando a desenvolver esses elementos já ditos acima. Decidi adicionar o Baobá (arvore sagrada, raízes ancestrais) em negativo ao centro do logo com a fechadura em seu caule, e o adinkra Ananse ntontan (criatividade e sabedoria) abaixo das asas, levando o Ankh aos olhos fortalecendo a ideia de Hórus com os olhos e suas asas, a lua, imaginação, imortalidade.
Em resumo, o novo logo reúne diferentes referências de vários grupos africanos, e busca trazer a força ancestral da criação, imaginação, vida, eternidade e força que são as marcas do povo preto no mundo. Nosso sangue rega o mundo de conhecimento, filosofia e arte!
O Renascimento
Estamos vivendo um novo momento, pois a nossa comunidade preta está estudando, retomando seu protagonismo em pesquisas, teorias e filosofias. De onde viemos, e quem somos não pode ser definido pelas normas e dogmas escolhidos pelo povo branco. Devemos a cada pedaço definir nosso território e nossa perspectiva como africanos e povo preto. E nesse caminho nada melhor que repensar nosso olhar como de um sujeito Afrofuturista – que recria e repensa o mundo de acordo com suas raízes.
Ao desenhar meu novo logo tinha isso em mente, e por esse motivo que me sinto tão contente com o resultado e pretendo usa-lo como marco pessoal para que a partir dele traga para o site esse olhar Afrofuturista.
E vocês, o que acharam?