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Exposição “À Beira da Metamorfose”

A exposição “À Beira da Metamorfose”, no Instituto de Arte da UNESP, apresentou obras do artista Diogo Nógue, entre 02 e 12 de maio. A mostra, que explorou a intersecção entre identidade negra e simbolismo, destacou o corpo e suas interações. A abertura teve a participação de diversas personalidades da arte e cultura.

Encanto: Artevivência da Afro-diáspora

Exposição “Encanto: Artevivência da Afro-Diáspora” Celebrando a Herança Cultural Africana na Arte Contemporânea

A mostra reúne pinturas, objetos, esculturas de 7 artistas, sendo três nascidos em Suzano e 4 da grande São Paulo. Em contextos com as grandes mostras do ano como as “Dos Brasis”, “Mãos – 35 anos da mão afro-brasileira” e a “35ª Bienal de São Paulo”.

Investigando diferentes técnicas incluindo pinturas a óleo, acrílica, giz pastel e até impressões digitais em materiais não convencionais como azulejo e banner. As obras mostram uma variedades de pensamentos, passando por abstracionismo, realismo, apropriação, aplicação de crochê, costura, e colagem de objetos

No meio de outubro, fui chamado para fazer uma exposição em Suzano, cidade onde nasci e lecionei no ensino fundamental por seis anos. O convite veio pelos anos que convivi e estive em conversa com a secretaria de cultura e discussões com os artistas locais.

Com a oportunidade se fazer uma curadoria, ou uma individual, escolhi a primeira opção e aproveitei os cursos e contatos artísticos que fui desenvolvendo ao longo do ano para compor a mostra.

Aline Baliberdin – Katia Souza – Ailarrubi – Diogo Nógue – Beré Magalhães – Daniel Ramos – Elidayana Alexandrino – Bruno Marcitelli

A primeira curadoria

Foi muito interessante pensar o papel da curadoria e exercitar uma proposta de pensamento sobre arte utilizando o trabalho de colegas contemporâneos para ilustrar esse pensamento.

Como artista independente, fui meu próprio curador em diferentes montagens das minhas individuais. E sem duvida, é mais simples desenhar a linha de discurso dos nossos próprios trabalhos. Com a tarefa de buscar artistas que se assemelhassem ao questionamento que ando formulando sobre o que é a arte no contexto atual e como ser um artista negro, escolhi um dos pontos que mais me instigam atualmente. A relação da construção de pensamento da realidade a partir da experiência da diáspora e a busca pelas filosofias epistêmicas africanas que resistiram nesse território.

Nesta minha hipótese, uma das formas de apagamento e dominação das populações negras, foi a negação de seu intelecto e suas construções de realidade, que se davam muito pela relação animista com elementos da natureza. Uma dessas vertentes está sem duvida nas relações sagradas e espirituais que regem o trato com a natureza, objetos fetiche.

Outro resquício dessa epistemologia é a formação de rodas. estar em roda é um ensinamento ancestral que chegou até nós em várias manifestações.

E a terceira é a relação com o alimento e a troca com a terra, essa conversa com o território.

A validação da realidade pela comunidade

Uma outra linha de pensamento que trago para essa mostra é a percepção que enquanto pessoa negra vivendo em uma realidade racista, a minha existência foi moldada para a vida de outras pessoas, negando a minha. A sociedade ensina a pessoas negras que elas tem um lugar determinado, fora do caminho das pessoas brancas, apenas a servindo. E que neste mundo somos inferiores, sem alma, não humanos, e o apagamento da nossa existência se deu por meio da religião católica, das pseudociências racistas e pela usurpação da autoria e criação de tecnologias negras.

Esse processo cria para nós uma realidade paralela, onde existe um véu separando nosso mundo do mundo dos brancos. Em alguns momentos e em alguns países esse véu se tornou uma barreira real, como o apartheid norte americano e Sul africano. Ou as periferias e favelas aqui no Brasil.

Dessas reflexões, criei o texto de parede para a mostra, que vocês podem ler abaixo.

Encanto: Artevivência da Afro-diáspora

A escritora Conceição Evaristo, para definir sua vasta e rica produção literária, vai cunhar o termo “Escrevivência” que define como: “não é a escrita de si, porque esta se esgota no próprio sujeito. Ela carrega a vivência da coletividade.”

Embora cada um de nós, individualmente, absorva o mundo de um jeito único, pelos nossos sentidos. A noção de realidade precisa ser construída no coletivo. 
Assim, vai depender do contexto de uma comunidade e a partir dos parâmetros que esse grupo estabelece para se definir o “verdadeiro”.
Vivendo neste território que chamamos atualmente de Brasil, a existência e leitura de mundo de pessoas negras e indígenas sempre foi invalidada, e ainda mais, demonizada.
Ainda hoje em nossas escolas, na mídia, e nas produções culturais lideradas pelos descendentes dos colonizadores, se aprende a ler o mundo pela perspectiva europeia e cristã. E todo conhecimento fora desse espectro é diminuído ou descartado.
Existe uma relutância em se ver e aceitar qualquer aspecto das culturas Afro, porém a que é mais ultrajada e violentada é a ligação entre a Magia/Encanto e o corpo africano. Sobrevivendo, entretanto, em meio às ciências positivistas que estampam a bandeira, às pseudociências racistas e ao racismo religioso, encontramos outras maneiras de compreender e interpretar a vida.

Em paralelo a uma realidade imposta e suturada por violências como traduz muito bem Rosana Paulino em suas obras. 
A arte consegue compartilhar singularidades e formas de apreender o mundo ao redor. Deslocando e tornando estranho o que achamos comum e verdadeiro, tirando o véu da conformidade que cobre nossa visão. 
Por muito tempo, mesmo a contragosto, as manifestações desses artistas negros foram nichadas e rebaixadas como arte ingênua, arte popular, artesanato e folclore. Mesmo pulsando com vigor na música, dança, festas e no fazer de roupas, pinturas, instrumentos e alegorias.
Mas nós, artistas negros, estamos há muito tempo lutando pelo território simbólico que a arte europeia ergueu a custa da escravização, morte dos nossos antepassados e colonização dos outros continentes. 
Nossa artevivência resiste e, através de uma arqueologia das  filosofias e tecnologias negras, nos conta dessa ligação ancestral da natureza e do mistério de caminhar no mundo.
Reconstruindo, pintando, desenhando, esculpindo, cantando e performando nosso lugar no mundo. Rasgamos o véu que nos separa dessa realidade que nos apaga. Em comunidade (en)cantamos “nós existimos e somos importantes”. 

Artistas Convidados

Participam da mostra os artistas Ailarrubi – utiliza a pintura em tela como uma forma de buscar a permanência das imagens que a tradição europeia criou, porém utilizando a mitologia de terreiro e até jogos de búzios para produzir suas imagens. Beré Magalhães também utiliza a mitologia africana, porém busca uma abordagem do expressionismo abstrato, arte naif e a abstração para compor seus desenhos e pinturas. Daniel Ramos por outro lado, utiliza aplicação de bordado, colagens de objetos como búzios, fotografias e outros tecidos no corpo de suas pinturas. Elidayana Alexandrino investiga o autorretrato, a composição com a fotografia e pintura digital explorando repetição da imagem e espelhamentos, buscando composições inusitadas e a impressão dessas imagens em azulejos, resgatando e re-imaginando a tradição de contar histórias nas cerâmicas portuguesas, mas dessa vez com sua própria história, sendo protagonista. Já May Agontinmé promove uma restauração ancestral, se apropriando de objetos e imagens de santos e entidades que foram sincretizadas entre o catolicismo a umbanda e candomblé e traz para a superfície com o crochê e colagens de tecidos as imagens de orixás negros.

Todos eles com alguma investigação da relação da negritude com a ancestralidade e busca do mágico, do encanto e da mitologia de povos, fon, Youruba e Bantu. Buscando também uma exploração da própria identidade diante disso e buscando a chave das potências.

Além disso a abertura contou com Katia Souza – Terapeuta naturalista vegana, massoterapeuta, guardiã da medicina placentária, alquimista, Doula, Parteira, Capoeirista, cozinheira, e oficineira. Levando o alimento como parte desse conhecimento ancestral, e também como energia vital que nos trouxe até aqui. Foi parte essencial na abertura e celebração desse momento.

Reivindicando o sagrado espaço da arte para todas as nossas potências. também tivemos a música de artistas da diáspora tocando durante o evento.

Suzano

Apesar de não ressaltar em sua história a contribuição negra de forma efusiva, ela é muito importante para esse território, assim como as comunidades indígenas que foram invadidas, mas que deixaram suas marcas na história.

Apesar de eu ter nascido em Suzano, na época, morava na divisa entre São Paulo e Poá, o bairro chamado Cidade Kemel, por esse motivo, a maternidade de Suzano era uma das mais próximas. Minha mãe conta que o parto foi muito dificil, e que ela passou por violências pesadas, como a enfermeira dizendo que ela tinha que empurrar mais forte se não o bebe morreria, e seria culpa dela. Até mesmo subirem e apertarem sua barriga durante o trabalho de parto. Mostrando como o racismo e violência contra corpos negros atravessam todos os momentos de nossas vidas.

Uma das formas de discutir a herança africana nesse território foi com o instalação “Composição – Uruçu – Iemanjá – Adupé” que criei comprando objetos de lojas de artigos religiosos que estão na cidade, em volta do Centro de Cultura. Trazendo a circularidade novamente, as tigelas de oferendas, velas, ervas, e elementos como a água, argila, cachaça, mel e palha. As cores de Exu, Iemanjá e Nanã. Reflito sobre essa cultura e conhecimentos ancestrais que passam por baixo da realidade vigente. De uma cidade conservadora, em que os cristãos fundamentalistas protestantes dominam o pensamento de muitas famílias da região. Mas que ainda guarda muita força das matrizes africanas com terreiros e outras manifestações afro no local.

Localização: Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi –  R. Benjamin Constant, 682 
Horário: das 8h as 19h – Seg a Sab.
Entrada: Gratuita

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Mãos – 35 Anos da Mão afro-brasileira

Em 1988 a nova constituição do Brasil era promulgada, no centenário da suposta “abolição” da escravatura.

Saindo de vinte e quatro anos de regime ditatorial do golpe de 64. Um artista negro, curador e museólogo Emanuel Araújo promove a exposição “A mão afro-brasileira” no MAM para marcar o centenário da lei Aurea e principalmente, o trabalho de homens e mulheres negras que construíram este país.

Um marco icônico e histórico da diáspora africana nesse território. Emanuel mostrou, pelo viés artístico, como as mãos negras, construtoras forçadas dessa nação, resistiram e criaram uma leitura de mundo forte, inovadora, ancestral.

Reunindo artistas que, ao mesmo tempo que se alimentaram do que as diferentes etnias indígenas sabiam desta terra, desenvolveram as suas próprias. Elaborando estratégias e mecanismos de sobrevivência também com a cultura do opressor europeu. Uma delas, a ginga, permitiu transpassar por debaixo de violências e epistemicídios, uma filosofia, história, e tradições com resquícios de uma memória ancestral das nações raptadas e destruídas no continente antigo.

Registrando nomes e a produção intelectual de homens e mulheres negras que, de outra forma, seriam esquecidos e apagados da história deste território colonizado. Emanuel construiu um pedestal, um memorial, um altar para os que vieram antes de nós. Mesmo que ainda incompleta, e incapaz de reunir a grandeza de nossa gente e as diversas vidas e comunidades necessárias para cada um daqueles nomes integrar a exposição, nos deixou um legado firme para sabermos para onde seguir.

A importância dessa mostra é tamanha, que a partir dela, Emanuel criará o Museu Afro-Brasil. Recontando em seu acervo, como protagonistas de nossa história, a visão não do colonizador, genocidas que se proclamam heróis. Mas dos oprimidos, vilipendiados, roubados. Que sobre o projeto do estado brasileiro (de nos aniquilar em alguns séculos), seguiram firmes em busca da liberdade que ainda hoje não veio.

Apenas quatro gerações de afrodescendentes “livres” separavam o crime hediondo do regime escravocrata nessas terra, e mesmo assim, não vivíamos ainda enquanto cidadãos de direito nesse território. Sem terra, sem direito a educação. Com fome, nos alimentando apenas do sonho de nossos antepassados por viver, além da sobrevivência.

Mesmo diante de condições mais que inapropriadas, em diversas áreas, o protagonismo de nossas mãos propôs na pratica e na teoria, a construção de um pais de todos, e não apenas do europeu usurpador.

No anonimato dessa história, meus avós, meus pais, a exemplo de muitos outros negros, sonharam prosperar e serem melhores para o mundo. Provando a nós e a eles, nossa estirpe, fibra e valor. Se negando a cumprir o plano que traçaram para nós. Nunca sozinhos, sempre reflexos de uma comunidade e rede. Que inevitavelmente é atravessada pelas violências, contradições e traumas de nossos tempos. Sem clamar a pureza que a branquitude se diz portadora. Mas apenas a humanidade, que demonstra a filosofias Bantu, Yorubá e Fon, onde nem nossas divindades são perfeitas, nem sempre boas ou má, são o que são, no momento que lhe é pedido.

Herdeiro apenas desse sonho de liberdade, nascia eu em 1988. Junto de uma esperança de um país democrático, que colocasse o negro e o indígena como seu povo de fato, e não apenas intrusos e criminosos, gente de segunda categoria. Ao menos era o que a “Constituição cidadã” pregava em suas leis.

Longe de usufruir dos direitos propostos na constituição, a população negra ainda vive sobre genocídio, gentrificação e processo de apagamento. Porém, uma das conquistas mais importantes foi o acesso de negros e negras a universidade, ainda que na maioria, por um processo liberal que beneficiou os cursos privados. Grande numero de negros passaram a se inserir na academia e deixando de ser objeto de estudo para brancos de classe média e alta, trazendo as discussões sociais, econômicas e politicas para narrativas mais próximas do nosso povo. Resgatando conhecimentos e tecnologias que são de riqueza e inovação grandiosa, mas que era usurpada ou desvalorizada por forasteiros.

Nesse processo de produzir subjetividades e disputar narrativas e simbologias. Estamos nos contrapondo aos processos coloniais e hegemônicos da branquitude que até pouco tempo se denominavam os “normais”, “genéricos” exemplos categóricos da humanidade. Os escolhidos divinos para dominar todos os outros.

A arte então, poderosa por sua natureza de transformar a realidade ao analisá-la e suspende-la. Vive agora um boom, com grandes exposições acontecendo simultaneamente com destaque a produção de artistas negros.

Fazer parte desse momento, e contribuir com minha vida e minha pesquisa no caminho que tantos outros lutaram, foi o objetivo que sonhei aos quatorze anos, durante uma aula de história, buscando compreender qual o sentido da vida, e porque estamos aqui.

Sou testemunha e representante de um legado, dos que sonharam e lutaram antes de mim. E que lá em 1988, foram otimistas o suficiente para gerar uma vida, em busca de um mundo melhor.

Desconversando o Eu e Imagens Vestígio

Presente na mostra está uma montagem da série de desenhos “Desconversando o Eu” feitas em caneta nanquim, marcador sobre papel color set marfim. Pensados para serem apresentados juntos, os desenho “Transformação”, “Não Tente Correr”, Não verás país nenhum” e “Vai morrer Cedo” são resultado da minha pesquisa imagética chamada “Imagens Vestígio” onde através da acumulação de desenhos de observação, imaginação e texto em cadernos que utilizo enquanto me desloco pela cidade.

Por morar na Zona leste de São Paulo e sempre ter trabalhado e estudado em lugares distantes de no mínimo 1h30 de deslocamento por ônibus, metro e trem. Esses cadernos eram formas de continuar pensando em minha produção artística e exercitando o desenho pela observação. Esse processo foi se tornando uma acumulação de imagens fragmentadas, pois o inicio e fim do desenhos eram atravessados, desde o movimento do transporte, fim do percurso, ou a perda do objeto ou pessoa que estava sendo desenhada.

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Diogo Nógue e “Desconversando o Eu” fotos de Daniela Ramiro

As escolhas de materiais foram decorrentes dessa necessidade de mobilidade e praticidade. Desenhando diretamente na caneta, sem esboços e utilizando depois as Hachuras e o vermelho do marcador para compor com manchas, camadas, ou definir pontos de foco na composição. Todos os desenhos dos cadernos estão de certa forma, nunca acabados, pois geralmente eu voltava sobre eles e adicionava algum elemento, e as vezes, a mesma página foi construída com dias, meses ou até anos de diferença entre as imagens retratadas.

Resgatando alguns desses desenhos para pensar sobre a subjetividade do artista, homem cis e negro em 2020, 2021. No contexto da pandemia, e pensando como o racismo estava escancarado e o genocídio negros e indígenas em andamento. Minha preocupação era de não produzir um trabalho que fosse apenas uma consequência do racismo estrutural do Brasil, mas que utilizasse a potência das imagens para encontrar e ressaltar a humanidade das pessoas negras e suas especificidades.

Utilizando as linhas de nanquim e a cor vermelha, ressalto essa violência das imagens, mas também recupero simbologias ancestrais. Busco também fazer referência a outros artistas negros que fizeram parte da minha formação. Como o Octávio Araújo e Sidney Amaral e Trenton Doyle Hancock nessas obras em específico.

O Presente de Claudinei

Fazer parte desse momento, que de certa forma, esta tão ligado ao meu ano de nascimento, e também a minha decisão de encerrar meu trabalho como professor do Ensino fundamental em Suzano e mergulhar inteiramente na arte e na literatura, foi extremamente importante para mim. Acredito que será um divisor de aguas em minha trajetória enquanto artista.

Uma oportunidade única que Claudinei Roberto me presenteou e serei sempre grato. Um outro presente foi de me colocar ao lado das obras de Octávio Araújo. Que como já comentei aqui diversas vezes, foi quem me fez ser um artista visual. E durante a adolescência ficava tardes tentando reproduzir suas litografias como forma de aperfeiçoar meu desenho.
Infelizmente não pude conhecer Araújo em vida, porém, me considero um discípulo de sua produção e um exemplo de excelência artística que desejo alcançar um dia.

Aos meus ancestrais

Por ultimo e o mais importante, chegar até aqui nessa exposição foi um trajeto difícil que só foi possível graça as forças ancestrais que guiaram e protegeram minha família, e meus pais Cicero e Regina que me apoiaram e incentivaram sempre com livros, materiais, mesmo que com poucos recursos. E que deram estabilidade para eu poder estudar e pesquisar minha arte.

Penso minha produção como uma retribuição as lutas das pessoas negras que morreram buscando nossa liberdade. E uma forma de buscar justiça, e ainda o mais importante, plantar sonhos para os que virão chegarem mais longe.

Nós Sempre estivemos aqui – Uma Bienal do futuro

Durante minha carreira como artista sempre fico pensando em formas de manipular distintos materiais e montagens de exposições.

Uma expografia é sem dúvida um complemento ao discurso artístico, e pensar no espaço expositivo, a instituição e território que o abriga é um exercício interessante de imaginar possibilidades de trabalhos. 

Esses meus exercícios muitas vezes ficam apenas na fase do rascunho inicial em cadernos de estudos, porém estou me propondo recuperar alguns deles e ir para os passos seguintes. Um bloqueio que me coloquei, sem perceber, era o de que algumas dessas ideias eram impossíveis ou muito distantes de acontecer. 

Algo que o artista Christo, um dos meus preferidos, já tinha me ensinado ainda durante a graduação, é que projetar também é uma arte em si. E extremamente necessária para algumas obras. 

Por isso, resolvi utilizar a escrita e, os meios que tenho disponíveis no momento, para colocar no mundo algumas das minhas ideias. 

O Nós sempre estivemos aqui

Aproveitando o ano de Bienal, resolvi iniciar esse meu novo processo com um projeto de instalação ambicioso e complexo. Utilizando os materiais: parafina, café e açúcar. E as relações de corpo e espaço. 

Como suporte para esses materiais eu escolhi não só o Pavilhão Ciccillo Matarazzo, mas também a minha própria impressão do que é  fazer uma visita a uma mostra da Bienal de São Paulo. 

A entrada pelo térreo de vidro, a subida pela rampa e a escalada para o terceiro andar, é uma peregrinação por diferentes universos. É uma romaria de desgaste mental e físico. De forma que é inviável em apenas uma visita apreciar toda mostra. 

Refletindo sobre isso que imaginei este trabalho nascendo nos primeiros andares com o café e o açúcar,  matéria prima que permitiu o acúmulo de riqueza para a existência do espaço. Interagindo com espaços expositivos, mas também com as estruturas de auxílio, como os banheiros,  comedores, livrarias. E também invadindo de forma sutil o espaço de outras obras de arte.

Depois, com as silhuetas e deformações no chão e paredes buscam causar um estranhamento, mas também  um convite a adentrar uma realidade paralela, pensando nas ausências, fantasmas e resquícios de passagens humanas daquele lugar.

Por fim, no terceiro andar, a união dos materiais iniciais com a parafina e a cor vermelha. Dezenas de esculturas em tamanho real de pessoas negras. Existências que o estado brasileiro tentou apagar, esconder, e aniquilar de sua história. 

Mas não conseguiram. 

Notícias do amanhã 

Como forma de trazer esse trabalho ao mundo, estou utilizando meu site e o Instagram como suportes e mídias. E o Museu Baobá Ancestral, como instituição fictícia de articulação desses trabalhos. 

A seguir deixo os textos e imagens que utilizei para descrever a instalação e fazer a mostra acontecer na mente de todos que leram as pastagens.

Durante a faculdade, tive contato com muitos trabalhos artísticos apenas por descrições em textos ou relatos de pessoas que presenciaram determinadas obras, ou montagens de exposições. Tento apenas o texto ou no máximo, fotos de registros desses trabalhos, muitas aulas e discussões sobre obras artísticas e artistas, se deram com base na imaginação e na recriação mental dessas ações.  

Muitos deles ficaram gravados em minha memória durante anos ou até hoje. 

E refletindo nesse processo que escrevi o texto e as imagens, e peças de postagem de Instagram. Utilizando o relato, o conto, a notícia, a síntese de listas, como forma de produzir a obra na mente das pessoas. 

Uma proposta para a Bienal de São Paulo

(texto a seguir foi postado no instagram)

Produzindo a confusão 

O resultado de utilizar a linguagem da mídia, neste caso o Instagram e a Internet, foi criar uma ambiguidade. Algumas pessoas acreditaram que o trabalho estava acontecendo de fato, que era real. Alguns ficaram em dúvida, e sondaram nos comentários, pedindo mais informações para saber se era real. 

Mesmo que o texto em si desse dicas que se tratasse de um projeto, ou uma ficção, o formato de texto jornalístico causou a proposital confusão. A realidade ou não do projeto não era de fato importante, e por isso deixei indícios para o leitor concluir por si a simulação. O importante é que a obra enquanto relato, já existia na mente das pessoas.

A criação de imagens geradas por Inteligência artificial também foi crucial na provocação da confusão. O resultados obtidos pelo Midjouney foram dificeis de serem produzidos, porém geraram em mim um encantamento e assombro.

Realidade paralela

A Internet e a forma que interagimos com as redes sociais, cria um avatar e realidades paralelas. São inúmeras as discussões contemporâneas sobre as problemáticas dessa vida que cada um escolhe construir ou não nas redes. Ainda mais nos dias de hoje, com a criação da profissão de influenciador, criar uma vida perfeita, ou ser um troll, são exemplos de criações de personas, que habitam realidades paralelas. Uma fragmentação do “Eu” de acordo com a mídia em que se está, reflete nossa forma de existir também no mundo real. Muitas vezes temos que criar personagens para o ambiente de trabalho, outro para amigos, outro para a igreja, colegas da academia e etc. 

Essa realidade paralela, mesmo que extremamente bizarra e irreal, muitas vezes pode afetar o mundo real. Foi o que aprendemos com as “fakenews” os “memes”, as correntes que se compartilhavam por e-mails e passaram a ser enviadas por WhatsApp. 

Podemos voltar ainda mais e pensar na transmissão de rádio de “Guerra dos mundos” que Orson Welles realizou em 1938. Ação que tive conhecimento pelo relato de um professor, durante uma aula na faculdade,  e que ficou gravado em minha mente se forma potente. Como se eu mesmo tivesse vivido o ocorrido. 

Afro-surreal mais uma vez

Novamente essa reflexão sobre avatares, realidades paralelas, e viver em mundos surreais se integra ao tema do afro-surrealismo, que venho investigando.

Ultimamente venho pensando até se a existência e utilização do termo para produzir arte e literatura é importante ou não. 

Certamente voltarei ao assunto futuramente. 

Aguardo você por lá no futuro. 

Até a próxima! 

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Artista afro-brasileiro Inaugura Museu e Centro Cultural

Inauguração do Museu Baobá Ancestral: Um marco na valorização da arte e cultura negra e indígena no Brasil

É com grande orgulho que anunciamos a inauguração do Museu Baobá Ancestral, o maior museu de arte da América Latina dedicado à exibição de obras de artistas da diáspora africana e indígenas brasileiros. O prédio alta tecnologia no coração da cidade, está ligado por portais as periferias, quilombos e comunidades tradicionais. Este museu é um centro cultural e de formação de artistas, além de ser um espaço para pesquisas epistemológicas africanas.

O Museu Baobá Ancestral é uma iniciativa que visa promover a preservação e a valorização da cultura negra e indígena no Brasil, reunindo obras de artistas que exploram as raízes culturais dessas comunidades e suas conexões com outras culturas ao redor do mundo. Trazendo a luz, nomes que foram rejeitados, esquecidos e apagados. Mas também celebrando aqueles que, apesar de todo racismo estrutural, conseguiram deixar seu nome, nítido na história.

Além disso, o museu possui a maior biblioteca de autores negros, oferecendo uma ampla seleção de livros, periódicos e documentos que retratam a história e a cultura da diáspora africana no Brasil e em outros lugares do mundo.

O prédio que abriga o Museu Baobá Ancestral possui uma arquitetura única, concebida por engenheiros e arquitetos negros que buscaram refletir a estética e a tradição das culturas africanas e indígenas em sua construção. O resultado é um edifício imponente, que se destaca pela beleza e pelo respeito à história e às tradições desses povos.

O Museu Baobá Ancestral é um espaço de celebração da arte, da cultura e da história negra e indígena, e estamos entusiasmados por poder compartilhá-lo com toda a comunidade. Esperamos que este espaço possa inspirar e empoderar as gerações futuras, promovendo a compreensão e o diálogo intercultural.

Venha nos visitar e descobrir a riqueza e a diversidade da arte e cultura negra e indígena no Brasil e na América Latina!

O legado de Emanuel Araújo

Nosso museu não é o primeiro, nem o mais importante… Não chegaríamos até aqui sem a luta de Emanuel Araújo e o Museu Afro Brasil, e todos que lutaram com ele para manter o espaço vivo. Graças ao renomado artista e curador, que fez da sua vida uma luta para conectar suas raízes e a história da diáspora africana para as gerações futuras. Foi essa luta que nos inspirou a criar o Baobá Ancestral, um novo museu de arte com possibilidades novas, que não seriam possíveis antigamente.

Araújo acreditava que a arte é uma ferramenta poderosa para a transformação social. Queria criar um espaço que fosse mais do que um simples museu. Ele queria um lugar que fosse acolhedor e convidativo, onde as pessoas pudessem se conectar com a arte de uma forma mais pessoal e significativa. Assim fizemos o Baobá Ancestral. Projetado para ser um espaço aberto e inclusivo, onde todos são bem-vindos para explorar, aprender e se inspirar.

Valorizando seus acertos e seus méritos, dedicamos a ele o nome de uma ala do museu, e seus trabalhos mais importantes estão guardados aqui.

Os Espaços

Ao longo de todo museu, artistas convidados fizeram esculturas e retratos de nomes importantes, mas também de anônimos que simbolizam a luta e a história dos excluídos nesse território. Uma reverências aos nossos ancestrais que possibilitaram que a gente chegasse até aqui.

As grandes salas de convívio, bibliotecas, teatros, salas de jogos e espaço para esportes diversos, são também uma forma de unir e socializar nossas vitórias e conquistas. Como múltiplos que somos, com interesses diversos e de extrema excelência em qualquer área que nos dedicamos, o Baobá quer fomentar essas potencialidades. ]

Diversidade

Ficamos felizes em abrigar o legado de algumas etnias indígenas aqui, que auxiliaram e influenciaram nossa vida e resistência como aliados neste território. Mas sabemos que eles se representam muito bem e estão construindo suas próprias narrativas e resgates. Sempre que possível, nossos núcleos se conversam e colaboram nessa batalha de contar nossas vitórias, lutas e reviver nosso legado ancestral.

É muito enriquecedor, através dos estudos, perceber como através dessa troca ao longo de séculos, construímos algo único e poderoso.

As futuras mostras

Nossa maior ambição é fazer a Grande Exposição – uma mostra de arte itinerante, que viajará pelo mar levando a criação de nosso povo para todos os territórios que tiveram a diáspora forçada de nossos irmãos. E depois de volta ao continente mãe.

Porém, enquanto isso não acontece. Vamos resgatando nomes, trabalhando em nosso acervo e trazendo para nosso publico o legado desses artistas.

Servindo de palco para o artista e curador Diogo Nógue, mas também para outros curadores importantes que tem suas próprias linhas de pesquisa e trazem também nomes de artistas de diferentes épocas para somar.

Temos um cronograma de salas que estão sendo montadas para acolher as exposições desse ano. Em breve, vocês vão conhecer artistas inovadores, e mostras experimentais para problematizar, inspirar e nos mostrar.

o dia que nunca acabou

Falamos da importância da inauguração do museu neste dia 13 de maio. mas sabemos também o que o grande dia 14, o dia após a falsa abolição foi o mais longo de nossa história nesse país. E não é com um museu que fazemos o racismo acabar. Isso foi conseguido com a luta de nossos irmãos em todas as outras áreas e, também nas artes.

Agora, temos um lugar, um espaço para nós. Com o objetivo de se conectar com outros. Para despertar uma consciência, avivar as que estão a muito em luta. Um lugar de descaço.

O dia 14 está acabando, finalmente teremos nossa liberdade. E como sempre. vai ser pela luta e pelo sangue.

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Luto pela educação – verbo ou substantivo?

Imagine uma pilha com instrumentos, livros, reproduções obras de arte, caixa com jogos tudo isso… sendo jogado no lixo!

Essa imagem não sai da minha cabeça…

Diogo Nógue

Como devem saber, além de artista e escritor, também sou professor de artes no ensino fundamental. Não é um trabalho fácil, apesar de melhor que trabalhar como designer, o território da educação é um ambiente de constante luta. Porém, no começo deste ano essa batalha se transformou em um luto – substantivo – que está me levando algum tempo para superar.

Todas as esferas educacionais tem problemas estruturais e de projeto. Parece que tudo é feito para não funcionar. É uma mentira que todos concordam em fingir que funciona. A federação cobra do estado, que cobra do município, que cobra do professor. O município finge que deu as ferramentas para o professor e pede resultados. O professor sobrecarregado, finge que cumpriu o que o município e o estado pedem. As secretarias da educação, passam demandas para a de assistência social e saúde, que fingem que fazem seu trabalho também. No final, é um grande jogo de empurra em que educadores e educandos estão sozinhos em uma gincana para colar cacos de vidro no cuspe.

Na cidade em que trabalho, por exemplo, existiram boas tentativas de uma educação cidadã, democrática e que valoriza a cultura, porém essas tentativas são náufragos que nadam para morrer na praia. Uma troca de governo, conchavos de poderosos locais, podem desfazer facilmente passos que foram dados. No fim, são apenas castelos de areia.

O fato de ser um município relativamente pequeno também gera outro problema: algumas instâncias de poder, por se conhecerem, acham que são donas do bem publico. Certas pessoas por estarem no mesmo cargo por anos, se consideram reis de determinadas jurisdições. E com um pensamento escravocrata, opressor e de cria de colonizador, vai minando movimentos sociais, iniciativas de confronto contra paradigmas e etc.

Foi com a surpresa desta constatação que fui recebido na minha volta das férias este ano. O fato que ocorreu me deixou deprimido por semanas, com uma angustia no peito, vontade de desistir. Também me trouxe reflexões sobre o poder, a cultura da obediência, e a opressão das hierarquias que dominam a estrutura social de nosso pais.

A morte

Nestes três anos de pós pandemia, o luto esteve presente de várias formas em nosso ambiente escolar. Colegas de profissão morreram do vírus, ou do estresse causado pelas cobranças e demandas que secretaria, diretores, coordenadores e pais depositaram sobre nós. As crianças perderam parentes próximos e as vezes amigos. Sem auxilio psicológico algum, esses traumas tinham que ser colocados de lado para seguir em frente na missão da educação.

Uma das grandes tristezas era saber que o trabalho que estava sendo feito não estava chegando as crianças. Aprendemos a gravar e editar vídeos, usar plataformas diversas, as vezes até linguagem de programação. Enviando atividades por e-mail, whatsapp, facebook, impressas. E sabendo que em muitos casos, as crianças estavam com necessidades básicas de alimentação e não tinham internet, aparelhos eletrônicos, ou o auxilio dos pais para executar as atividades. Os que tinham, muitas vezes, os pais faziam as atividades no lugar dos filhos. Ou seja, não foi inútil, no entanto, pouco efetivo.

Na volta do presencial, novos desafios e defasagens tornaram nosso trabalho ainda mais desafiador. O que me mantinha de pé era a estrutura e estratégias que construir ao longo da minha carreira de professor e também um acerto do diretor da minha unidade escolar que se empenhou para criar salas temáticas destinada as linguagens de artes visuais.

Nesse espaço, a sala de arte, reunia recursos didáticos que foram herança de diferentes gestões de prefeituras passadas. Sobras de instrumentos como bandas rítmicas, violões, cavaquinhos; reproduções de obras de arte do MASP e Pinacoteca de sp em impressões de qualidade e plástico que durariam décadas. Mas também, recursos que fui juntando com o tempo ou que foram passados do acervo de minha mãe (também professora) para mim. Então, desde meus estudos de teoria de cores que fiz no ensino técnico ou na faculdade; Maletas com materiais de Bienais obtidos por formações; Outros materiais de apoio obtidos em garimpos em bienais do livro ou sebos. Tudo isso, estavam nessa sala em armários que organizei com esmero antes de sair de férias em 2022.

Más noticias

O diretor da nossa escola tinha sido afastado do cargo aquele ano. Isso gerou uma instabilidade na escola e a SME (Secretaria Municipal de Educação) deixou uma direção suplente, que não ficava direto na unidade. A nova gestão não estava muito preocupada com isso. Infelizmente falta uma construção de memória na educação, e troca de gestões municipais ou de diretores acaba também quebrando iniciativas de construção dessa história.

Mesmo sabendo disso, nada me preparou para as más noticias da volta ao ano letivo de 2023.

Como disse, tinha deixado a sala organizada ao fim do ano. e como eu voltaria para lá, deixei também alguns dos meus materiais pessoais que reuni ao longo dos meus anos como professor. E até outros itens que foram da minha mãe, ou presentes de pais de alunos. Tinham meus desenhos que fiz no curso técnico e também na faculdade (tabelas de cores, retratos, exercícios de composição); Duas caixas do educativo da Bienal de São Paulo ( uma da 29ª e outra da 31ª); Chocalhos indígenas e paus de chuva); Uma caixa com livros de artistas brasileiros e mais de 200 reproduções de pinturas em papel cartão e couchê; Caixas de jogos, um em especial era um jogo com a história de pessoas negras importantes da história do brasil.

Além de instrumentos novos, outros mais velhos, alguns avariados, porém todos que davam para ser usados. E eu usava-os muito em aulas de dança, músicas populares, e até em teatros de objetos e etc.

Na reunião de planejamento, uma colega de trabalho vem com tristeza me contar o que aconteceu quando não tinha mais ninguém na escola. A diretora mandou jogar fora tudo, tudo, que estava no atelier de arte. Instrumentos musicais (violões, cavaquinhos, tambores, agogôs, pratos, triângulos, chocalhos), reproduções de obras de arte grandes e em ótima qualidade impressos em plástico, cadernos de desenhos dos alunos e trabalhos que eles fizeram, blocos de papeis A2, A3 e etc (que estão em falta até hoje na escola), réguas, pranchetas, aventais, tubos de cola, tesoura, mais de 300 lápis de cor, giz de cera, tintas. Fora os livros caros de teoria de arte educação, musicalização, história e etc. Tudo jogado no lixo.

Em um primeiro momento não acreditei, um profissional da educação não fazia um crime desse contra a cultura, a arte e a educação em si. Sabemos que itens como esse não são repostos com facilidade na educação publica. Todos esses recursos foram sobras de anos e anos de gestões anteriores com ações pontuais. E assim, sem consulta dos professores da escola, coordenação, sem aviso algum, a nova gestão jogou tudo no lixo.

Correndo, fui à sala de arte e estava tudo vazio. Nada dos instrumentos, materiais, livros, meus pertences, nada. Preocupado, fui a procura da diretora, que tinha dado a ordem de limpar a sala. Minha esperança era que ela tivesse guardado em algum lugar os materiais.

Porém fui respondido com olhar de raiva e total falta de respeito:

“Aquela sala estava um lixo, joguei tudo fora, esta tudo um nojo, como vocês levavam as crianças para aquele lugar?”

A reação dela foi totalmente desproporcional e uma tremenda falta de respeito. Além de ser uma mentira. A sala estava limpa e organizada quando saímos de recesso. E se estivesse suja seria por problemas estruturais da escola que quando chove tem goteiras e infiltração de agua pelas janelas e claraboias…

Mesmo que tivesse uma bagunça, o que não estava, nada justificaria jogar fora instrumentos, livros, materiais e reproduções de obras de arte. Não eram itens descartáveis. E não havia nenhum motivo para jogar fora itens meus e de outros professores de arte que estavam nos armários, guardados e arrumados. A não ser que tenha sido um ato de ódio. O que não posso afirmar.

Além disso, eu e uma colega envolvida com as causas indígenas utilizamos uma placa em homenagem a Sônia Guajajara, que foi colocada na porta da sala de aula para fomentar a discussão e o conhecimento sobre os povos indígenas e quebrar estereótipos sobre o tema. A maioria dos alunos aprendeu sobre as etnias e lutas indígenas pela primeira vez através dessa placa. No entanto, assim como todos os itens da sala, alguém arrancou e jogou fora a placa. Podemos argumentar que, como Sônia se tornou ministra do novo governo, a retirada da placa seria o ideal para evitar conflitos. No entanto, o ato de remoção de todos os itens mencionados acima, juntamente com a retirada da placa, pode ser interpretado como um ataque político de ódio, intencionalmente ou não. Alguém atacou nosso território e, devido à fala sem respeito e violenta que recebi quando questionei de maneira cordial sobre itens pessoais e, principalmente, itens do bem público.

Educação da obediência cega

Uma das reflexões que esse acontecimento me levantou foi sobre o ditado popular “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Vivemos em uma sociedade escravocrata, colonial e racista. Essa cultura da obediência aos que tem o poder foi criada em nossa história a partir de tortura, assassinato, estupro e outras violências psicológicas. Está totalmente cravada em nosso subconsciente e reafirmada todo dia em injustiças e assédios que trabalhadores sofrem.

Assim, na busca por saber o que aconteceu com os materiais, os funcionários da escola relatavam tristes que tiveram que jogar fora as coisas da escola, alguns até pediram para Diretora doar alguns dos itens, instrumentos por exemplo. Porém, como pessoas mais simples, diante de uma ordem superior, mesmo discordando, fizeram o trabalho.

Esta é uma discussão profunda e existem muitas pesquisas sobre a obediência cega. Principalmente em relação a seguir ordens de pessoas com poder de autoridade. Essa cultura da obediência está tão presa dentro de nós, que diante de uma figura de autoridade, ou uma ordem direta, poucas pessoas vão questiona-la. O sentimento de impotência, inferioridade, é uma barreira que precisa ser vencida para contestar uma ordem, principalmente uma injusta. Existe também um outro ponto, estudado principalmente em relação a ordens injustas ou que atingem a ética: as pessoas tendem a executa-la, pois passam a responsabilidade do ato para o mandante da ordem.

Vejo isso todo dia com as crianças em sala. Muitas que brigam, xingam o colega, ou fazem algo errado costumam recorrer a frase “mas foi o fulano que mandou”. Para eles, a culpa do seu ato errado não conta, pois foi o outro que mandou. E ai tenho que explicar que não é assim. Cada um é responsável pelos próprios atos.

Por incrível que pareça, essa mentalidade, também existe entre adultos. Mesmo que de forma inconsciente. Não atoa ficamos sabendo de tantas atrocidades na escravidão, ditadura, invasões em favelas e comunidades. Junta ai dois fatores, o poder da autoridade e a ordem direta, que liberta essas pessoas para cometer as maiores atrocidades.

O quanto dessa educação da obediência cega estamos ensinando para nossos filhos, sobrinhos, alunos e etc? É preciso tirar de nossa cultura essa falta de questionamento, e também a falta de rebelião diante de injustiças.

E não é fácil fazer isso, principalmente, em um caso como esse na escola. Provavelmente as funcionárias da limpeza não sabiam do valor material e imaterial dos jogos, reproduções, livros, porém certamente dos instrumentos, que tentaram salvar. E como um sinal desse pesar ético, pediram para doar os violões.

O luto

É difícil de entender, porém fiquei em luto por coisas, objetos, livros. Sim, durante semanas fiquei com uma dor no peito, tristeza e sentimento de vazio. Principalmente durante os planejamentos de aulas. Pois ai, eu relembrava os materiais que perdi, as atividades que não poderia fazer. Os itens que precisava repor para uma aula minimamente decente.

A sensação era de luto não pelos objetos em si, mas pelo que representavam enquanto projeto, construção de carreira. Coisas que vamos adquirindo para criar aulas mais divertidas e ricas, e que facilmente são descartadas. Fez-me pensar sobre a educação no geral, um projeto de desmonte e descaso. Cada dia mais desvalorizado, cada vez mais um trabalho precário.

Não teve como não lembrar de meu professor de fotografia do ensino técnico. O professor Silvio, a anos dando aula na escola, Montou com ajuda dos alunos, mas principalmente empenho próprio um laboratório de fotografia, para revelação de negativos e ampliação. Porém em uma reforma no prédio, desmontaram e jogaram fora seu laboratório. Me vi como ele, senti a dor que ele sentiu. E mesmo assim, tentava dar a melhor aula possível para nós. Sem recursos, mas com a vontade de proporcionar e despertar potenciais nos educandos.

Foi inspirado nele que decidi aceitar as perdas e buscar fazer o meu melhor com o que eu tinha. Aceitar que apesar da violência, da injustiça, eu faria meu trabalho da melhor forma possível, e do jeito que eu acredito.

A luta

Como forma de mostrar minha indignação sobre o crime ao patrimônio publico e aos alunos da minha comunidade escolar. Entrei em contato com a SME para informar sobre os itens descartados e o prejuízo pessoal e público causado pela ação da diretora. No entanto, o processo demora e até o momento a SME fez pouco para resolver a situação. Ainda aguardo alguma resposta da instituição em si diante da lesa ao patrimônio publico. A diretora recuperou quatro instrumentos que foram doados, mas alguns deles vieram avariados.

Será que o que eu disse lá no primeiro paragrafo vai se confirmar? A troca de favores, a passada de pano de amigos do poder e etc? provavelmente.

Como forma de lutar contra a dor do luto e da impotência, investi do meu bolso novamente, em materiais para minhas aulas, e também utilizando aulas mais praticas e que não precisam tanto de materiais, estou levando e desenvolvendo atividades para esse inicio de ano. Em busca de uma educação antirracista e valorizando a cultura afro e indígena com as crianças.

Porém, essa luta é muito cansativa, se você coloca suas ações em perspectiva geral. A cada dia as noticias são mais desanimadoras, a cada dia, as problemáticas sociais e o projeto de um Brasil excludente se acentua. São tantas frentes! Iniciando principalmente pelos problemas do capitalismo, passando por questões do fundamentalismo evangélico, politicas liberais, fanatismo, doutrinas e a ideologia de extrema direita. O machismo, racismo e lgbtqa+ fobia. Tudo isso, são questões pesadas e estruturais muito grandes, que diante de uma sala de trinta crianças é impossível de contornar. Parecer uma voz solitária em mundo de problemas é muito pesado e doloroso.

Por isso, três dicas que dou aos que estão iniciando nesse caminho é ver a luta em duas frentes.

A primeira é pensar no mínimo. não sabemos o quanto nossas ações podem ser positivas ou negativa na vida das outras pessoas, e as vezes uma frase, um exemplo, uma aula que a gente proporciona uma experiência significativa, pode ser uma memória que vai mudar a vida de um aluno. Então, no dia-a-dia, tente ser uma força positiva para ao menos um aluno, busque nesse pequeno ato a recompensa para sua missão. Sempre tendo em mente que não podemos dimensionar nossa influência, negativa ou positiva.

A segunda é tentar lutar contra paradigmas e os problemas estruturais da educação, mas sabendo que a luta não é para a nossa geração, que é para um futuro, que estamos plantando sementes, que podem ou não dar frutos. Assim, não se frustre diante dos problemas estruturais diários, pois vivemos em um mundo injusto e longe do ideal.

A terceira: É preciso saber quando mudar a forma de luta. As vezes precisamos usar a experiência adquirida e reavaliar a ação em uma determinada área. E outras é preciso ver quando um lugar já não é produtivo para nós. Se uma situação esta nos adoecendo, as vezes é preciso sair. E isso não é desistir de uma luta, é buscar outras batalhas.

Este ano, decidi seguir as três.

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Urgente! fim do homem Branco Burro

Recentemente um amigo, que gosto muito, enviou-me um vídeo de um cara fazendo um react. O objetivo deste vídeo era contestar um uma Youtube PHD em mecânica quântica que desmascarava um desse Coach golpistas que mistura espiritualismo e ciência. Para mim foi como um registro detalhado do arquétipo – O Homem branco burro empoderado.

Em cinco segundos desse cara falando, já dei risada e sabia que não ia levar a sério nada do que ele estava dizendo. Imagine você um cara branco, com bigodinho de Salvador Dali, barba por fazer, topete alto trabalhado no Gel e camisa com estampa xadrez! A pessoa que tem coragem de se vestir assim em frente a uma câmera já perde toda credibilidade. Mas piora.

Com uma estranha vontade de autopunição, continuei assistindo a fala desse ser. Cada frase dele me mostrava o tipo de pessoa que ele era, e eu sentia nojo. Em resumo, ele desmerecia as credenciais de uma cientista PHD por ela ser mulher e tentava validar a ideia de que não é preciso ter um diploma, certificado, nem nada, para poder falar com propriedade de assuntos complexos e nisso confundia Metafisica com a Física Quântica, misoginia com opinião e burrice com inteligência. Fazendo analogias esdruxulas em 3 minutos de vídeo ele já tinha sido misógino, machista, manipulador, passivo agressivo e…. Burro, muito burro. Era inacreditável, o discurso que ele expelia, na cabeça dele, tinha o objetivo de exaltar a própria inteligência, mas na verdade só deixava claro a limitação de interpretação e leitura de dados e fatos.

Parei de assistir, olhei o tempo de duração era mais de uma hora dele falando. Milhares de visualizações, vários comentários concordando. Procurei por algum indicio que ele era um personagem, que talvez tivesse um plot-twist no meio, e que estava sendo irônico com o tipo de pessoa que acha que é um gênio, mas é limitado. Mas não… não era um personagem, não era um ator.

E foi então que eu pensei… Isso tem que acabar…

O HBBE – Homem Branco Burro Empoderado

Você deve conhecer algum, talvez ele seja seu chefe, um colega de trabalho, motorista de aplicativo, professor, jornalista de opinião nas rádios e TVs. Ele está em todo lugar, politica, medicina, advocacia, gosta muito de ser empresário, e ter ar de autoridade, não é à toa tanto podcast, livros de autoajuda e coachs bravejando chorume como se fosse a mais alta filosofia.

Veja bem, não estou falando de pessoas com deficiência ou algum transtorno cognitivo. O HBBE é alguém comum, poderia ser alguém normal, porém a sociedade racista foi construída para beneficia-lo de tal modo que ele tem uma autoimagem inflada e distorcida. Sua vida é uma constante validação de suas ações e escolhas, mesmo que sejam erradas.

Primeiro por ser homem. Muitas vezes cresce em um ambiente machista, patriarcal. Esse arquétipo, muitas vezes é filho único, ou o mais velho, em alguns casos o caçula. Essas posições são aceitas com certa nobreza na organização familiar conservadora.

Segundo por ser branco. No brasil e alguns lugares do mundo isso é quase um super poder. Herança da colonização, crueldade e ganancia, existe o pacto narcisista da branquitude que sempre vai beneficiar, dar status e capital de influência e comando para pessoas brancas. E isso é tão enraizado na subjetividade da nossa sociedade, que é validado também pelas pessoas não brancas. Não por ingenuidade destes, mas porque essa ideia do poder das pessoas brancas é martelada e violentamente injetada na formação da nossa sociedade, desde pequenos. Está em filmes e novelas, nas crianças brincando na rua, nos comércios, escola e trabalho.

Ou seja, o empoderamento deles foi construindo sobretudo com uma manutenção violenta e orgânica no mundo que vivemos. Porém não confundam com natural.

Assim o HBBE se infiltra como um vírus social e ideológico. Ele é a causa das maiores atrocidades até de brincadeiras bobas…
Um vídeo no Youtube de um babaca falando merda por mais de uma hora, parece bobeira, mas é o mesmo sintoma que faz um idiota beber e sair com carro; um outro estuprar uma mulher em balada; um político ficar destilando ódio contra minorias; outro ser juiz e colocar centenas de inocente na cadeia e até um outro entrar em uma escola e matar crianças.

Está tudo relacionado… o Colonialismo + Capitalismo + Racismo + Machismo = HBBE.

O dilema do homem medíocre

Eu sou uma pessoa medíocre em vários aspectos da minha vida. Teve momentos que pensei que passaria essa linha, e até me considerei grande coisa, porém a vida, racismo, fracassos pessoais foram nivelando minha visão externa do “eu”. Não é crime, e talvez seja até natural para o ser humano se imaginar grandioso. Deve ser daí que criamos nossos mitos, crenças e deuses. Uma projeção desse desejo de não ser medíocre, no real sentido da palavra – mediano, comum.

Esta postagem mesmo, é uma exercício de escrita e desabafo mediano. Um aglomerado de leituras, estudos rasos e conceitos de ouvido que compilo de forma minimamente racional. Sei porém que se trata apenas de uma “conversa de bar” escrita. Mas que eu poderia ter transformado em livro, Podcast, artigo em jornal se fosse um HBB com o E vindo de dinheiro e contatos.

O filme “Clube da Luta” faz um registro muito bom desse homem medíocre, e por isso mesmo, muitas vezes esses que são criticados no livro e no filme acham que estão sendo exaltados nesses produtos culturais. O próprio Chuck Palahniuk, já revelou em entrevistas e até no prefácio de seu livro como achou irônico e assustador que o fracassado de classe média se espelhar em Tyler Durden.

Mais recentemente vemos esses sujeitos ganhando força e comunidade em fóruns na internet e criando conceitos burros como os de “macho Alfa”, “Red pill”, “Incel”, e por ai vai, o esgoto é fétido e profundo…

Esses fenômeno, segundo teóricos e estudiosos (que não vou citar aqui por preguiça) nasce dessa frustração sentida por esses homens que são ensinados que devem ser vencedores, alfas, inteligentes e dominantes, porém são incapazes na realidade. Eles não percebem que o fracasso se dá justamente porque o sistema que favorece alguns deles, os vencedores, necessita dessa multidão de fracassados para fazer sentido.

O resultado disso vemos de formas diversas, mas sempre violentas e excludentes para os não homens e não brancos. Para mim, por exemplo, vivo em um mundo surreal onde vejo e escuto pessoas burras e medíocres sendo aplaudidas por falar besteiras e violências contra os meus e contra outras minorias. E eles tornam minha vida pior de diversas formas em diferentes níveis. Seja um desconhecido na rua, olhando feio para meu cabelo; um dono de editora sem gosto estético algum que se acha especialista; O jurado do salão que julgará meu trabalho; O prefeito, governador ou presidente que aprovou políticas que fortalecem o genocídio de grupos que são tutelados pelo sistema opressor e capitalista que vivemos.

Vejam só, toda a sociedade, vidas são destruídas, sonhos incapacitados apenas por consequência do problema mental e frustração dos homens brancos medíocres, que não conseguem lhe dar com mundo que lhes diz não. E por outro lado os homens medíocres com poder, ditam o valor de cultura, formas de vida, religiões e etc. E até mesmo vidas com potência e possibilidade de ser grandiosas são sabotadas por esse sistema. E em última estância minam a chance de uma sociedade dignar e democrática.

Precisamos deter o HBBE, mas como?

Quantas vezes você não fez algo por pensar não ser capaz, não ser bom o bastante, por não se achar merecedor? Se você é negro, LGBTQIAP+, mulher, mulher negra, muito provavelmente já se sentiu assim. Parece que existe uma barreira, ou mãos invisíveis nos impedindo de atingir nosso maior potencial. São muitos nãos, muitas caras feias, as vezes socos, pauladas, físicas e reais nos impedindo.

Muitas vezes já me vi nessa situação, a autocensura e auto sabotagem é produto de uma sociedade doente, e também da hegemonia do homem branco burro. Já olhou para um desses idiotas, fazendo idiotice com cara confiante e pessoas aplaudindo e pensou “Queria ter a autoestima de um homem branco?”. Pois é, eu já… Imagina desde criança alguém te dizendo que você é o maior, te mimando aprovando suas atitudes. Imagine você ser recompensado simplesmente por existir, do jeito que esperam que você exista. Imaginem sorrirem e aplaudirem até mesmo seu menor feito como algo grandioso. Imagina, familiares e estranhos afirmando sua grandiosidade. Doentio não é?

Não tem como alguém ser saudável mentalmente a partir de uma experiência como essa. Nossos filtros do mundo são por natureza tendenciosos, e o ser humano é egoísta, portanto precisamos que nos digam não, é preciso estar aberto a percepção dos outros. É nessa conversa do que pensamos e sentimos com o outro que construímos de fato uma noção da realidade.

Queria sim que todos tivesse incentivo e uma boa autoestima para acreditar em si mesmo. Mas também é preciso equilibro. Temos que meter o Caetano as vezes, dizer “Não, isso que você falou é burrice!”. Às vezes as pessoas precisam desse choque. Dessa quebra de confiança. Pois em nossa mente, tudo é perfeito e possível. É importante que nos digam que estamos errados.

Como acabar com o HBBE?

Eu não sei… como acabar com essa estrutura que alimenta o ego de gente pequena, mesquinha, burra. Validando seus atos cruéis como forma de manutenção de um paradigma injusto?

No entanto tenho algumas sugestões.

  • Primeiro, para nós pessoas não brancas: tenham a autoestima de um homem branco. É fácil escrever uma frase dessa, mas a atitude esbarra em vários problemas – monetário, sociocultural, psicológico, material – Para colocar em pratica de verdade, só sendo um bom ator, daqueles que incarnam um personagem perfeitamente. Mas no grau mais básico: Não se auto sabote, não se autocensure se tem algo positivo e construtivo para o mundo. Planeje e crie o que tem em mente, Jogue para o mundo de alguma forma. Compartilhe, nem que seja com apenas um amigo, irmão ou parente. Talvez quando tivermos mais pessoas potentes e inteligentes falando, os burros se calem e reconheçam seu lugar. Estudem e melhorem… deixem de ser burros empoderados.
  • Segundo, Meter o Caetano – é preciso parar de bater palma pra maluco. Tem que pegar essa coragem e enfrentamento no meme do Caetano e dizer: Você é burro! Sim, diz isso pro seu chefe e depois da uma risada e fala “é meme, chefe… brincadeira hehehehe”
  • Terceiro – criar um sistema para alimentar nossas intelectualidades, comunicadores, potencias culturais de base e conectar essas discussões com todo nosso povo nas periferias, academia, sindicatos, associações, terreiros, rodas de capoeira, bailes e etc. E sempre que surgir um HBBE, transformar a pauta sem dar palco. Não podemos deixar que os assuntos e discussões sejam peltadas por polemicas que essa gente cria.

E alguém ai, tem alguma sugestão? adoraria lê-las. De qualquer forma precisamos deter essa doença que faz nossas vidas diariamente mais difíceis e dolorosas.

Chegue em um HBBE e meta o Caetano – “Não, você é burro! que coisa absuda! Isso que você disse é burrice!”

afro-surrealismo

O Afro-surrealismo – o deslocamento do negro em um mundo branco.

“Mano… que surreal isso, não tô acreditando no que ta acontecendo!”

Primeiramente, vivendo no Brasil, essa frase é bem comum de ser dita diariamente. Não é difícil sentir a barreira da realidade dilatar diante de situações improváveis, injustas ou permitidas por regras invisíveis. Para uma pessoa negra, então? Uma camada a mais de irrealidade é adicionada em todos os campos da nossa vida. Se uma pessoa negra falar de sua realidade, tudo é afro-surrealismo.

Ou seja, nossas experiências são responsáveis por criar nossa percepção da realidade, muitas vezes nossos filtros sensoriais não são capazes de compreender situações, sensações, imagens, sons e sucessão de fatos. A compreensão do que é realidade é medida de acordo com as nossas crenças e convicções. Apesar de facilmente sermos enganados por nossos sentidos, a autoestima do ser humano e seu ego, lhe diz que a nossa mente e nossos sentidos são parâmetros confiáveis. “Eu vi com esse olhos que a terra há de comer”. “Eu não tinha bebido nada, naquele dia, estava sóbrio, pode confiar!”

Ou seja, acreditamos verdadeiramente em nossa capacidade de sentir a realidade. E essa certeza é uma ilusão em si, criada por nosso cérebro.

A arte como quebra da ilusão

Antes de mais nada, você já se perguntou quando uma ilusão te fez se dar conta da realidade?

Muitas vezes na infância, não temos a capacidade de distinguir o que pode ser ilusão ou engano dos nossos sentidos. Por isso somos tão influenciados por histórias, imagens e sensações. Afinal, indefesos em um mundo desconhecido, os monstros de baixo da cama, fantasmas, o velho do saco, a Kombi dos palhaços ou a loira do banheiro são seres vivos e possíveis para uma mente infantil. Assim como a fada do dente, coelho da pascoa e Papai Noel.

Da mesma forma que não entendemos a existência dos raios, o sol, estrelas, televisão, celular, ou um queijo; Também desconhecemos os mecanismo que podem fazer um vampiro ser ou não real.

Portanto, para mim, é ao entrar em contato com a ilusão, que vamos criando parâmetros para mediar a realidade. E além de ir nos tornando menos ignorantes quanto aos mistérios do mundo. Também vamos tomando conhecimento da falibilidade dos nossos sentidos e como nosso cérebro os traduz.

Ou seja, a arte é um grande fator na quebra da ilusão; Ironicamente, ela faz isso justamente criando simulacros e experiências de realidades, ou percepções de realidades dos outros. Muitas vezes tentei despertar meu chacra, elevar meu KI, despertar meu poder de voar – por influência de desenhos animados; Rezava a noite ante de dormir temendo deus e o inferno; tentava mover objetos com a mente, ou me comunicar por telepatia…

A quebra

Ao falhar em produzir um Hadouken eu aprendi que existe um limite claro entre a imaginação, a ficção dos desenhos animados e o mundo a minha volta. Assim como minha vó vasculhar o banheiro junto comigo em busca do fantasma da loira, me fez enfrentar o meus medos acendendo a luz,

Uma história que ilustra bem essa ideia é a anedota contada sobre a primeira exibição da filmagem de um trem em movimento: Muitas pessoas na plateia saiam correndo da sala, pensando que iam ser atropeladas pelo trem. Mesmo que na época, um vídeo não poderia reproduzir a realidade em cores, sons e texturas, o simples reconhecimento de um objeto veloz indo em sua direção pode fazer seu cérebro acreditar que a cena faz parte do real.

Em suma, através de pinturas, músicas, filmes ou o simples ato de ouvir uma história nos coloca em contato com a percepção do mundo visto, sentido e relatado por um outro alguém. Nesse momento, através da identificação, ou pela descoberta de algo novo, a nossa própria realidade muda. Sendo assim, é nesse eterno embate entre nossa crença de realidade e a realidade além de nós, que podemos quebrar algumas das ilusões que nos rodea.

O Surreal de Octávio Araújo e como me influenciou

Primeiramente, não consigo dizer qual fascínio me veio primeiro em relação a arte. O poder do realismo – Apreender o mundo como ele no desenho, capturar imagens e grava-las no papel? Reproduzir criações artísticas de objetos, estampas e livros? Ou o fantasioso e surreal – Animais encantados, superpoderes, passagens para outros mundos, parar o tempo, voltar ao passado?

desvairo de um iconoclasta
Desvario de um Iconoclasta, 1974 – Octávio Araújo

A pintura acima, de Octávio Araújo, foi uma das primeiras obra de arte que me deixou fascinado e com vontade de pintar e desenhar. Desde que a descobri no livro “A mão Livre” de Philip Hallawell quando tinha 10, 11 anos, tudo mudou para mim. Primeiramente, podemos ver um pouco deslocado do centro, um retrato rasgado, mostrando apenas uma silhueta de um acadêmico, Sua imagem descolada cai sobre um chão de madeira pegando fogo, ladeado de pão, escorpião, rato e um caixa de fosforo. O Fundo da imagem reúne elementos arquitetônicos a imagem de uma mulher como uma musa clássica, ao longe uma paisagem.

Identificação

A primeira coisa que me impressionou foi a técnica da pintura, cores, texturas e representações ultrarrealistas da natureza, objetos e animais. Depois a imagem fantasiosa, metalinguística de pintar uma pintura, as tonalidades de um “dia perfeito”. Por último, lembro até hoje de notar a caixa de fósforos da marca “pinheiro” e o reconhecimento de algo do meu universo presente naquela imagem que pensei ser de longe (no tempo, e no espaço), explodiu minha mente. A partir desse encontro, eu não queria dominar as técnicas de desenho para reproduzir o mundo como ele era, mas sim como eu o sentia. Criando a partir dos elementos da realidade, um novo mundo.

Foi alguns anos depois que descobri que Octávio era um artista negro e brasileiro, ao ver seu retrato na Pinacoteca de São Paulo. E então, com acesso a internet, consegui fazer uma pesquisa mais profunda sobre seus trabalhos, sua vida e fui ainda mais influenciado por sua arte. Até mesmo tentei achar algum contato dele, ao saber que ainda estava vivo na época. Porém não consegui esse encontro.

Intenção – 2003 Diogo Nógue

Foi a partir de Octávio que fui apresentado ao conceito de imagem surreal. Inspirado em suas litografias estudava o desenho em preto e branco com grafite. Assim como Araújo a representação de pessoas brancas como o padrão do meu universo visual ficou muito marcada. Durante muito tempo não notava essa forma de dominação do racismo em meu subconsciente. Mesmo tendo uma família com consciência racial, nascer em uma sociedade em que o negro é excluído da cultura em todos os aspectos, afeta nosso subconsciente e coloca barreiras invisíveis.


o racismo em nossas mentes

Octávio estudou em escolas tradicionais no Brasil e na Europa, e certamente seus materiais de estudo e referência de artistas eram todos brancos. Se casou com uma alemã durante uma de suas moradas por Bolsas de estudos. Sua esposa se tornou sua musa em muitas de suas pinturas. Tentando se inserir no contexto de arte brasileira, talvez sentisse que para ser reconhecido pelo circuito de arte, teria que “ser três vezes melhor que um artista branco”.

Em suas temáticas explorava a mitologia grega com toques esotéricos, metafísicos, alquimistas e eruditos. Deixando escapar em poucos momentos simbolismos da cultura afro. Certamente, era muito doloroso para ele tratar de sua negritude. Ser um “artista negro” é uma escolha nos dias de hoje, porém naquela época, era uma afronta. Ao mesmo tempo que se pedia essa ousadia de grandes negros, também era a armadilha desejada para joga-los no ostracismo. Como homem negro, entendo o quando é frustrante saber que mesmo que tenha algum talento, e um bom trabalho, ainda assim a caminhada é difícil de ser vencida.

Autonegação

Eu em minha adolescência e juventude nos anos 90 e 00 tentava fugir dos estereótipos impostos aos negros por vergonha. Como se me sentisse sempre observado e sempre sendo julgado. Tinha vergonha de sentar perto de outros negros na escola, de ouvir pagode, samba e funk. Tinha medo da capoeira e do candomblé. Mesmo gostando da minha cor, dos meus traços, ainda me achava feio e indesejável. Foi uma trajetória de autoconhecimento perceber essas atitudes e desconstruir essa influência colonizadora e racista em minha vida. Imagino então que para Araújo, crescendo ainda sobre a ditadura, e o duro racismo velado daquela época foi muito mais massacrante.

A imagem da negritude tinha sido estereotipada e apropriada por pintores brancos modernistas. Portinari, por exemplo, para qual Octávio trabalhou como assistente, tinha toda sua produção baseada na representação de “Mulatos, mulatas, e índios” a brasilidade pintada por eles era negra e indígena, porém tinha que ser feita por brancos.

A arte de Heitor dos Prazeres por exemplo: Que retratava a cultura negra, tendo o negro como protagonista e narrador de sua história era nomeada como naif e vista como uma arte menor e folclórica. Enquanto os pintores negros acadêmicos dos 1800 até 1990, mesmo dominando com exímio a técnica, estudando na Europa e etc. Foram sempre renegados e sabotados, pois um negro não poderia ser melhor que um branco em uma área que eles consideravam deles.

Dito isso, e voltando ao ponto desta sessão, a arte de Octávio me intrigou também por essa ausência da negritude em suas criações. Além do domínio técnico, as composições oníricas, as representações de metalinguagem mostrando a ilusão e o deslocamento da realidade, se tornaram a base do meu trabalho.

O Surrealismo em minha arte

Como foi dito no começo, viver em uma sociedade racista enquanto pessoa negra, desloca a nossa realidade de uma forma brutal. Vivemos em um mundo de portas trancadas, barreiras invisíveis e códigos não ditos. Cada pessoa negra vai desenvolvendo estratégias para se deslocar e sobreviver nessa realidade alterada, porém não raro e inevitavelmente, batemos de cara em uma parede invisível ou caímos em um calabouço do racismo que não estávamos preparados.

O medo por ser julgado por nossas roupas, cabelo, cheiro, jeito de andar, cores, acessórios e maquiagem que usamos. Tomamos precauções de segurança como andar com as mãos a vista em lojas, não abrir a bolsa em supermercados, estar sempre com documento, abaixar o capuz ou tirar o boné quando avistamos uma viatura ou policial. São só alguns exemplos de atitudes para prevenir embates contra os brancos. Nos tornamos também ótimos analistas de feições, entonações e comportamentos. Um alarme toca no fundo de nossa consciência quando detectamos certas atitudes.

Cada pessoa responde a essas situações de maneiras diferentes, e muitos, pegos de surpresa, não sabem nem como agir.

Espelho

Assim, refletindo sobre como os artistas Salvador Dali, Magritte e De Chirico influenciaram meu trabalho e instigaram minha imaginação, cheguei a conclusão que pelo estranhamento, quebra de realidade, e o deslocamento da realidade, traduzia uma angustia que sentia sobre minha própria existência no mundo. Portanto, recortes, silhuetas, sombras, reflexos distorcidos, a falta, transparência, espaços desertos, falavam com meu inconsciente e davam forma a uma sensação que palavras não podiam traduzir.

Sendo assim. ao primeiro contato com uma pintura Surreal ou metafisica, nosso cérebro reconhece estruturas, texturas e significados, porém rapidamente tomamos consciência que as coisas estão fora do lugar, um estranhamento e uma quebra da ilusão são notadas. O que nos faz olhar novamente para imagem, e ela se revela para nós, um outro universo.

Seja pela perspectiva, volume, cores, texturas, o que nossa mente traduz como realidade é quebrado. Desta quebra o inconsciente, sentimentos e a leitura simbólica se potencializa. Cria-se uma comunicação da linha dos oráculos, ao mesmo tempo mental e mística.

Essa estratégia se encaixava muito bem com a minha timidez, falta de autoestima e sensação de não pertencimento que não sabia nomear e nem enxergar como consequência de ser negro em um mundo em que era intruso.

Tentar me expressar em enigmas, simbolismos, modos de escrita antiga (como runas), imagens com referência aos pintores surrealistas, e a representação do branco como padrão foram um caminho natural. Foi só no final da minha conclusão de curso na faculdade que comecei a refletir sobre a estética, embasamento teórico e qual seria a relação com minha negritude.

O encontro: Minha arte é Afro-surreal

Na academia aprendemos a nomear as coisas e coloca-las em linhas de pensamentos, famílias, conceitos e territórios. No meu TCC encaixei minha pesquisa na linha entre o romantismo (com uma paixão e fascínio pelo passado – que pra mim se traduzia na busca pelo legado dos meus ancestrais, saber de onde vim e quem foram os que me trouxeram aqui), as composições e temáticas Surrealistas ( a valorização do sonho, memória e teoria psicanalíticas como formas de compreender a mente humana e como se dá a criação de simbolismos) e por último o neoexpressionismo que vai trabalhar uma nova forma de pensar a construção da imagem – utilizando objetos do cotidiano, matéria, terra, vegetação e outros, para compor o corpo pictórico em grandes formatos. Como temática, um mundo de desesperança, reflexo de guerras, mortes, desigualdades. Cheio de cinzas, poeiras, e escombros. Algo muito comum para nós negros.

Como arcabouço teórico essas escolas saciaram meu orientador e também os avaliadores da banca. No entanto, para mim ainda não conseguia definir muito bem em que lugar minha arte atuaria, com quem, como, onde e para quem eu estaria falando.

Então, foi só depois da minha viagem à Inhotim em 2018 e a segunda visita a exposição de Basquiat em Belo Horizonte (episódios que discutir em textos e no video sobre a exposição O que nunca vão apagar) que comecei a construir uma direção para minha arte. Levando em conta ser um artista negro, periférico, independente, hetero, cis no Brasil atual.

Despertar

Um primeiro despertar foi o Afrofuturismo, imaginar possibilidades do povo preto para além das dificuldades do racismo, colonialismo e capitalismo. Mas também existências em que não fomos ceifados. Abriu um novo universo em minha mente. Principalmente na escrita, contar histórias que nascem de uma premissa tão forte como o afrofuturo acendeu uma chama em mim.

Do mesmo modo, essa corrente da cultura pop veio ganhando muito destaque nesta década, o que fez surgir maravilhas como o filme Pantera Negra, divisor de aguas na cultura mainstream do cinema, não só no subgênero de super-heróis. Mas que vai afetar todas as novas gerações. Que diferente de mim e do Octávio Araújo, não serão podadas pela falta de representatividade, ou falta de autoestima com a cultura africana e afro-brasileira.


O segundo despertar veio como uma bomba, após assistir a Série Atlanta – de Donald Glover. Principalmente as duas ultimas temporadas que levantaram discussões por seus roteiros enigmáticos que fugiam da realidade como conhecemos.

Eu já sou fascinado por narrativas assim. Antes de tudo, aqui na américa latina o realismo-mágico foi um movimento potente e inovador na literatura, o qual eu tenho bastante apreço.

Portanto, minha epifania veio ao procurar as discussões sobre a série e encontrar o termo Afro-Surrealismo. Principalmente pela simples adição do prefixo muda tudo e enche de significados. E ainda mais, saber que existe um movimento e um manifesto de outros criadores negros que pensam sobre essa questão e que conseguiram traduzir esse deslocamento das pessoas pretas com a realidade a nossa volta.

Me assustei, era muito obvio. Afro-surrealismo! é isso.

Então, para finalizar, deixo aqui abaixo alguns pedaços do manifesto e o link para o texto completo de D. Scot Miller traduzido por Yuri Costa

Manifesto Afro-surreal

  1. Vimos esses mundos desconhecidos emergirem nos trabalhos de Wifredo Lam, cujas origens afrocubanas inspiram trabalhos que falam de velhos deuses com novos rostos, e nos trabalhos de Jean-Michel Basquiat, que nos deu novos deuses com velhos rostos. Ouvimos este mundo na trompeta-ebó de Roscoe Mitchell e nas letras de MF Doom. […]

2. O Afro-Surreal pressupõe que, além deste mundo visível, há um mundo invisível lutando para se manifestar, e é nosso trabalho revelá-lo. Como os Surrealistas Africanos, Afro-Surrealistas reconhecem que a natureza (inclusive a humana) gera mais experiências surreais do que qualquer outro processo poderia produzir.

3. Afro-Surrealistas recuperam o culto ao passado. Nós revisitamos tradições com novos olhos. nos apropriamos de símbolos da escravidão no século XIX, como Kara Walker, e da colônia do século XVIII, como Yinka Shonibare. Re-apresentamos a “loucura” como visitas dos deuses e reconhecemos a possibilidade da magia. Nós assumimos as obsessões dos antepassados e incitamos o des-conforto, clareando a névoa da inconsciência coletiva enquanto este se manifesta nesses sonhos chamados de cultura.

Chega! Queremos sentir alguma coisa! Queremos chorar em público

Série Pesadelos negros – Diogo Nógue

4. Afro-Surrealistas usam o excesso como única maneira legítima de subversão, a hibridização como forma de desobediência. ´[…] Consortium expressam este extravasamento.
5. Afro-Surrealistas distorcem a realidade em favor do impacto emocional. […] Chega! Queremos sentir alguma coisa! Queremos chorar em público.

6. Afro-Surrealistas se esforçam pelo rococó: o belo, o sensual e o caprichoso. […] cuja observação sobre o corpo negro masculino se aplica à toda cultura e à toda arte: “Não existe imagem objetiva. E não há maneira de observar objetivamente a imagem em si”.

7.[…]

8. Afro-Surrealistas são ambíguos. “Será que sou preto ou branco? Será que sou hétero ou gay? Controvérsia!”
O Afro-Surrealismo rejeita a servidão silenciosa que caracteriza os papéis existentes para afrodescendentes [African Americans], descendentes de asiáticos, latinos, mulheres e pessoas queer. Apenas através da mistura, da fusão e da troca [cross-conversion] entre essas supostas classificações poderá haver esperança de libertação. O Afro-Surrealismo é intersexual, afro-asiático, afrocubano, místico, tolo e profundo

9. […]

10. […]

11. Afro-Surrealistas criam deuses sensuais para destruir belos ícones em ruínas.

Concluindo

Em suma, o afro-surreal é o agora visto pelos olhos das pessoas negras; Uma realidade paralela que vivemos sob domínio e controle da supremacia branca, que tenta usurpar todas nossas invenções e genialidades; O Afro-surreal é uma linguagem para nos comunicar com nossos em uma frequência que os brancos não entendem. Sobretudo, o prefixo Afro cria uma nova dinâmica, resgata nossa origem, nosso passado e nos desperta para nós mesmos. Não deixa dúvidas, não queremos aprovação, não queremos ser aceitos, tolerados. Antes de tudo, queremos ser, nossos e para nós mesmos.

Busca ao tesouro – Diogo Nógue

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Exposição “Meu Corpo que te Abriga”

Meu Corpo que te abriga – No mês de novembro, dia 23, abri uma exposição de desenhos e pinturas na cidade de Santo André.

A princípio, o convite para a exposição no Centro de Formação de Professores Clarice Lispector foi uma ótima surpresa no fim do ano. Assim, fiquei muito feliz pelas mostras que pude participar ao longo de 2022. Duas coletivas cheias de ótimos artistas. Então, foi ótimo finalizar o ano com uma individual.

Tive total liberdade e o espaço para mostra foi bem generoso. Decidi por reunir algumas séries que tinham tudo a ver com a Decolonização (tema das palestras e eventos voltados a professores do EJA na rede).

Ano passado, eu fui convidado para participar de uma palestra em Santo André sobre o mesmo assunto. Porém por conta da pandemia, tivemos que fazer on-line. Desta vez, conseguimos nos encontrar presencialmente. Assim, levar para os professores e alunos da rede uma reflexão que passa pelo meu trabalho como professor no ensino fundamental e também como artista.

Descolonizando o Olhar

Desde o ano passado, e partindo das minhas pesquisas que culminaram na exposição “O que nunca vão apagar” (2020), revisitei minha produção da faculdade e pós formação. E pude ver, criticamente, como minhas referências visuais eram muito caucasianas. Fruto de um repertório visual construído a partir de livros de história da arte, críticos e um currículo eurocêntrico.

Logo, minhas preferências culturais também ficaram muito focadas em gostos brancos, tive que me “desintoxicar” desse meio, frequentando mais polos de cultura negra, ouvindo mais musica, literatura, culinária e arte negra.

Enfim, Foi uma volta as raízes e uma volta a mim mesmo. Deixar de tentar me encaixar em um padrão do que eu achava, era a única forma de parecer um “artista de verdade”.

O Corpo que me abriga

Primeiramente, a investigação da representação do corpo sempre esteve presente em minha arte. Muitos apontavam a questão da violência que as imagens invocavam por se tratar de corpos fragmentados, anatomias com músculos, ossos, e veias aparecendo. Porém, para um artista, assimilar o corpo como um objeto de estudo é algo muito natural, ver as figuras apenas como um motivo para exercitar o gráfico, luz, sombra, linhas e manchas.

Nos anos 90, enquanto crescia, essa violência gráfica era muito comum e muito consumida. Estava fácil na TV, filmes de terror, jogos de videogame, revistas e até em fotos de acidades. Portanto, em meu subconsciente era algo muito normal, algo que para outras pessoas era muito forte.

Dessa forma, quando emprego essa representação para tratar da violência contra o corpo negro, para um publico estruturalmente racista, vira uma arte indenitária. Já que para a branquitude, o homem branco é o genérico, eles não percebem que toda a arte deles é indenitária e, ainda mais, supremacista.

Em síntese, tive que expulsar esse conceito do branco como o genérico e padrão, para enfim, meu corpo me abrigar de forma confortável.

Veja como foi a mostra

Veja o vídeo da montagem da mostra

Serviço

Meu corpo que te abriga – Diogo Nógue
C.F.P Clarice Lispector – Rua Tirol, 248 – Santo André
Visitas de Segunda à Sexta – Horário comercial
Até 10 de dezembro de 2022

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Pretos Em Contos no Premio Jabuti

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Do inicio ao Jabuti

Jabuti – Um projeto que nasceu durante a pandemia, um grupo de desconhecidos começa a se encontrar virtualmente para escrever sobre nossas vivências e trabalhar um único sonho.

De bairros, cidades, e estados diferentes. Idades, gêneros e vivências distintas. Porém, unidos pelos traumas da diáspora, o racismo, mas também a ancestralidade, espiritualidade e vontade de contar histórias.

O que começou sem pretensões, acabou servindo de combustível e uma troca incrível entre os participantes. As aulas do Plínio Camillo e suas propostas disparadoras para a escrita criativa, junto com sua generosidade imensa, fez todos se desenvolverem e colocar pra fora gritos e protestos com forma, conteúdo e sintetismo.

Primeiramente, o resultado foi o e-book Pretos em Contos Vol-I que no contexto da pandemia, tentamos reverter a venda para ajudar alguma causa social preta. Infelizmente não vendemos muitos exemplares, porém doamos o pouco que arrecadamos.

Antes de tudo, vencemos uma barreira que parecia concreta para a maioria dos integrantes – a de escrever do nosso jeito, sobre o que acreditamos. No entanto, uma barreira a se vencer: lerem nossos escritos.

O livro impresso

Sem duvida, ser uma autor independente tem seus desafios. Afinal o maior, sem duvida, é se publicar e escoar sua produção. Não bastou escrever, queremos ser lidos e fazer nossas criações chegarem no coração e mente daqueles que se parecem conosco.

Foi assim que surgiu a necessidade de produzirmos o segundo volume em formato impresso. O livro físico consegue chegar mais facilmente para nossas comunidades.

Então Plínio junto a Cristiane Sobral e sua editora vieram com a proposta para colocarmos esse sonho no papel.

Para isso, criamos uma campanha de financiamento e continuamos produzindo. Essa estratégia foi ótima para chegamos a mais pessoas e criar um engajamento entorno do coletivo. E também, refletir sobre nossa produção e como ainda é difícil para o povo preto produzir e consumir cultura nesse pais.

A luta foi pegada, mas conseguimos produzir e fazer o lançamento on-line dessa vitória. No entanto não conseguimos comemorar em 2021, por conta da pandemia e também tivemos problemas para comemorar o lançamento presencial em 2022. Mesmo assim, pequenos lançamentos ocorreram em feiras, bibliotecas, saraus e encontros culturais.

A inscrição no Jabuti

Até mesmo a escolha de se inscrever ou não em um premio literário feito por uma estrutura racista que é o estado brasileiro foi um dilema para nós. Muitas discussões foram feitas e mesmo com opiniões diversas, acabamos aceitando participar da premiação, como uma forma de divulgar nosso trabalho. E buscar destaques em mídias de massa.

No pior das hipóteses, sabíamos que seria apenas mais um dia de luta em nossa sociedade.

Mas foi com grande felicidade que vimos nosso nome, primeiro entre os 10 depois entre os 5 finalistas.

Não levar o troféu não chegou a ser surpresa para mim. Porém foi uma ótima noite de encontro e festejo junto com os autores do coletivo, e o objetivo de divulgar nossa marca e com isso abrir portas para nossas produções, sem duvida, vai ser alcançada.

Agora, é trabalhar e produzir. Fazer esse coletivo que começou sem nenhuma pretensão, voar e fazer a diferença para nosso povo em diáspora.

Exposição Black Brazil Art

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Vista da mostra virtual “Bienal Black Brazil Art” com a pintura “No fim, nossas memórias são inimigas”

Bienal

Bienal Black art – À treze anos atrás quando me formei em artes e durante os anos de formação. Fiz de tudo para entrar em algum salão de arte, ou fazer exposições em galerias. Esses eram os dois caminhos que eram ensinados na graduação para se entrar no “Circuito”. No entanto, o que não falavam é que este caminho era mais indicados para quem tinha algum contato, era filho, amigo, ou neto de alguém importante. Pois, de outra forma seria bem complicado.

Claro, você também poderia fazer um trabalho da moda e aproveitar alguma onda com um trabalho insipido, mas que chamasse atenção. Em 2008, 2009 era o grafite, mas o grafite feito por pessoas brancas, que eram capturadas pelo mercado de galerias ávidas por trabalhos com cara de “Rua”.

Mudando o Jogo?

No meu caso, minha arte estava em um conflito, que eu nem mesmo sabia enxergar na época. Existiam alguns tabus visuais e teóricos que não se falava na época. Inconscientemente minha produção imagética e temática era muito eurocêntrica, caucasiana. Pois as mídias tinham me ensinado que a branquitude era o padrão. o Ser branco era o humano correto, enquanto fazer uma arte que se parecesse comigo, seria uma arte identitária e panfletária. Não seria uma arte plural. Vejam Só!

Desta forma enquanto artista negro reproduzindo padrões brancos, minha arte não tinha a potência suficiente nem parar chamar atenção pela rebeldia, nem para agradar os brancos que queriam algo mais palatável.

Então, foi com bastante alegria que recebi a noticia de ser selecionado para a Bienal Black Brazil Art. Uma seleção feita por uma curadoria negra, refletindo sobre um tema da existência negra.

Ou seja, uma completa quebra do paradigma que vivi e aprendi, no meu inicio de carreira.

Atualmente, existem muitos curadores, e os espaços expositivos estão se abrindo, mesmo que bem lentamente. Para quebrar as barreiras que o racismo estrutural criam para barrar a arte de artistas negros que falam sobre ser negro no brasil e no mundo.

A Mostra

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A tela à direita é da minha irmã Thais – iniciando nas mostras de arte

Uma mostra de artistas negros, pensada por curadores negras, em uma instituição negra. A cinco anos atrás isso era quase impossível, hoje foi uma realidade. Na mostra virtual duas de minhas pinturas – A “Ela tinha sonhos, mas quem vive deles?” e “No Fim, nossas memórias são Inimigas”.

Assim, Mais feliz ainda de participar com minha irmã nessa mostra. Que por conta da pandemia, foi apenas uma montagem online. O ponto positivo é que a exposição pode ser vista na página da Bienal.

As duas pinturas que fiz mostram uma mudança na minha forma de criar imagens e também nos simbolismos empregados.

Durante a faculdade e alguns anos após me formar, utilizei muitas referências à pintores europeus como Dali, Magritti, De Chirico. E nos últimos anos, estudando mais sobre a negritude e refletindo mais sobre essa imposição europeia no meu inconsciente, fui mudando as formas de registros e referências visuais para meus trabalhos.

A mostra teve seu período no primeiro bimestre de 2022, com a participação de vários artistas, palestras, e videoconferências. Uma ótima maneira de fomentar a arte preta e movimentar o mercado.

Um longo caminho

Portanto, Para esse ano estou desenvolvendo novos trabalhos que exploram artistas negros. Basquiat e Bispo de Rosário, relacionando minha produção e pesquisa como a carga que esses dois potentes homens negros trazem em seus trabalhos.

Assim, um longo caminho ainda a seguir para me livrar ou ainda. Utilizar de forma critica essa carga e influencia do cânone eurocêntrico que ainda hoje e que por muito tempo ainda vai comandar o cenário artístico.

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Educação Antirracista. Quando ela chega?

Freire Tão distante

A pouco tempo foi comemorado o centenário de Paulo Freire. Enquanto que nas redes educadores, políticos e pessoas comuns exaltaram o legado do educador. Nossa realidade é bem diferente.

Apesar do que os neopentecostais e direitistas afirmam, as ideias e ideais de Freire estão bem distantes da nossa educação, principalmente nas escolas das periferias e pequenas cidades do nosso país. Infelizmente.

Ou seja, faz apenas 33 anos que se tornou lei em nossa constituição a busca de uma educação universal.Quando muito, se pensava na inserção do branco pobre como mão de obra barata.

Quanto aos negros, pelo contrário, o projeto sempre foi de nos excluir da educação, e em ultima instancia “limpar o país”, através do genocidio e da missigenação.

Contudo, apesar das lutas e pequenas vitórias de professores negros e progressistas que entraram nesse sistema para fazer a diferença. Ainda estamos muitos distântes de ver uma educação antiracista e que prese pelo desenvolvimento real dessas crianças do futuro.

Por enquanto podemos ver apenas as vitórias de alguns indivíduos que conseguem, a duras penas, enfrentar esse racismo estrutural e predatório.

Enquanto isso, nas salas das escolas e universidades, o cenário é de uma guerra devastadora para o psicológico de pessoas negras e também no combate dos preconceitos raciais, de gênero e da homofobia.

Micro e Macro Violências

Em suma, existe uma cadeia de violências (no micro e no macro), que precisa ser quebrada e modificada para termos uma educação antirracista.

Afinal, nas esferas maiores (legislativas e normativas), de forma generalizada –  O poder da caneta está nas mãos de homens brancos em uma guerra de uma educação por castas e excludente versus uma educação humanista de molde europeu.    

Já nas linhas de frente do ensino infantil ao ensino fundamental e médio. A aplicação dessas normas está nas mãos de mulheres brancas, pobres ou de classe média-baixa. As mulheres negras são minorias nas escolas como professoras, homens então, menos ainda. (segundo dados do INEP “Perfil do Professor da educação básica”).

Tendo em mente esse cenário podemos entender como as micro e macro violências que mencionei acima se reproduzem ano após ano.

Como exemplo do micro, posso citar o famoso “lápis cor de pele”. O termo pode parecer inofensivo a princípio, porém é um ponto ampliador na distorção da autoimagem de uma criança negra. O lápis de cor rosa-claro é geralmente nomeado como a cor de todas as peles, o que exclui a existência de se representar no seu próprio desenho. Sem uma orientação vinda de casa ou de um professor, muitas vezes as crianças negras não se pintam com a cor marrom, se deixando sem pintar ou ainda, escolhendo o rosa, pois é o que a professora ensina como “A cor certa”.  

Das pequenas até as grandes agressões 

Essa questão é agravada quando também não se tem a representação de crianças negras em desenhos animados mais conhecidos e utilizados nas aulas. Ou nas propagandas e cartazes de divulgação de excursões e eventos na escola. 

Para ilustrar uma situação que vivenciei em uma escola: Como trabalho de geografia ou história, uma professora pediu para que os alunos pesquisassem sobre as crianças africanas, e os resultados foram apresentados nas portas das salas de aula. 

Todas as imagens mostravam crianças negras com roupas velhas, olhares tristes, sujas, magras e em lugares pobres. Ao lado dessas fotos no corredor, um cartaz divulgava uma excursão da escola que era um evento de profissões e brincadeiras.

Nele, fotos de crianças brancas, loiras (provavelmente de um banco de imagens extrangeiro) se divertiam felizes. Havia ainda um outro cartaz, este fazia propaganda do Parque da Mônica. Novamente, somente crianças brancas na imagem. 

Diante desse contraste fotografei as imagens e mandei para o grupo de professores. quem sabe fosse repensado como estava sendo trabalhada a imagem da criança negra na escola.

Para muitos nem sequer passou pela cabeça tal reflexão. Pois para o corpo docente 98 % branco, a imagem da criança negra pobre, passando fome é normalizada e até esperada de se encontrar, enquanto a afirmação da criança branca como universal, a para quem o ECA foi escrito.

Circulo de violência e o racismo

Violências como essas são comuns e massacrantes no cotidiano das escolas. Pesquisas mostram que as crianças negras são as mais hostilizadas e deixadas de lado pelas professoras, assim, como são as mais excluídas pelos colegas. 

Este é um círculo vicioso do racismo estrutural, já que muitas vezes as crianças negras são as que vivem em situação de risco em casa, cercadas de violência, fome e até mesmo do simples carinho e cuidado familiar. Devido a todos os problemas sociais que cercam as periferias e os pobres. 

E se esses problemas são comuns durante as aulas, elas se acentuam nas festas e comemorações. Uma simples fantasia para o carnaval de princesas, sempre brancas. Ou a figura da “Nega Maluca”, perucas de cabelos crespos desgrenhados, as músicas de marchinhas racistas e machistas, por exemplo, ainda são comuns nas escolas.
Já ouvi casos até de professoras que utilizaram esponja de aço como cabelo. Colado em um cartaz de uma boneca negra para o mês da Consciência Negra… vejam só. 

Aliás, além dos costumes e da estrutura racista das escolas, nossos currículos, livros didáticos também são um problema. Falando apenas do ensino publico… A figura do negro e do indigna é sempre apagada e colocada como objeto da história branca e eurocentrica. E muitos professores ainda seguem essa visão. 

A lei 11.645/08 que previa o ensino da cultura afro-indigina na escola ainda é um desafio nos dias de hoje. E com o atual governo já sofreu ataques diretos.
E mesmo antes, a simples menção da cultura afro sempre foi marginalizada e literalmente demonizada. Seja qualquer música com tambor, ou qualquer manifestação cultural negra, é tachada de coisa do demônio, macumba. E nessa corrente as religiões de matriz africanas são as que mais sofrem pelo racismo religioso.

Nem com lei


Os pais de alunos chegam a ir a escola, ou a secretaria de educação pedir punição para o professor que ouse falar contra esses preconceitos, ou apenas aplicar a lei e quebrar os tabus contra a cultura afro. 

E é nesse embate com os pais de alunos, que novamente a barreira das professoras brancas se torna ainda mais clara. Principalmente em cidades pequenas, as professoras são “vassalas” das famílias de seus alunos.

Agradar a pais e famílias chega a ser a preocupação principal de algumas professoras e professores (principalmente no ensino infantil e fundamental I). Como se estivessem em um cargo político ou de popularidade. 

Se de um lado temos as crianças negras, muitas vezes com pais distantes ou ausentes da educação dos seus filhos. Do outro temos as crianças brancas, com famílias mais presentes e conservadoras, policiando os professores e reproduzindo os preconceitos religiosos e culturais.

Vai existir um alinhamento natural dos docentes com a estrutura opressora que os rodeia. 

Por uma educação Antirracista 

Então, diantes dessas realidades, como pensar uma educação antirracista real para as crianças negras do futuro? 

É possível, porém ainda está distante. Talvez o caminho mais rápido fosse os próprios negros se organizarem para criar as escolas afro.

Um local onde em uma rede segura, nossas crianças aprenderiam a sua história e seu valor desde cedo. Ciente do racismo presente fora da rede de proteção, sabendo como enfrentá-lo. Criando planos de como acabar com o racismo estrutural. 

Nessa realidade, nossos netos e bisnetos teriam estrutura, conhecimento e apoio para atingir os outros pilares que ainda escravizam nossas comunidades.

Entrando nas políticas públicas, justiça e no comércio. Já temos algumas experiências do tipo com escolas pan africanas. Porém são casos pequenos e promessas. 

Curto/ Médio Prazo

Para o curto prazo, devemos do apoio de brancos e não negros antirracistas, dispostos a ver os problemas dessa estrutura, e também a aprender onde erram e como podem combater esse racismo estrutural na educação. 

Indo contra alguns dos exemplos que citei acima é um pequeno passo que pode mudar a realidade de muitas crianças negras. 

Além disso, nós temos que estar mais presentes na educação de nossas crianças negras.

Cercando de representação, cultura e fornecendo matéria para semear ideias e esperanças nas imaginações dos pequenos.


Presentes como pais, professores, educadores, seja como for. De preferência conhecer mais nossa história e nossa cultura. Sempre combater falas e comportamentos racistas nas escolas, igrejas, trabalho.

Assim, estando mais presentes, e alterando a estrutura. Ter mais negros e negras escrevendo as leis e diretrizes, mais diretores, diretoras, professores e professoras. Protegendo nossas crianças e buscando quebrar o eurocentrismo no que consumimos e reproduzimos.   

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Lançamento Livro Retratos Apagados

51 Poemas, 12 Cronicas e 51 Contos – Diogo Nógue lança seu segundo livro.

Primeiramente, o ano está promentendo em lançamentos, além da antologia Pretos em Contos vol2, Retratos Apagados vai ser revelado!

No momento em que reúno os escritos desse livro, vivemos uma realidade onde a vida humana parece que perdeu seu valor.

Além disso, entre milhares de mortos em pandemias e violências cotidianas, as histórias e memórias parecem ser descartáveis, transformadas apenas em números sem rosto.

Então, o Livro Retratos Apagados é uma afirmativa ao valor das pequenas memórias. E como elas constroem a existência de uma vida, ou de várias vidas.

Assim, gravadas por meio da escrita e renascendo a partir da leitura, essas vivências se tornam eternas. Antes de tudo, compartilhando conhecimento, sentimento, empatia e saudade com aqueles que as lerem.

Dessa forma, o livro está dividido em quatro partes como álbuns de fotografias; esta coletânea reúne poemas, crônicas e contos de diferentes momentos da minha vida.

Contos, Crônicas e Poemas

Os cinquenta poemas que abrem o livro, foram escritos durante os anos de 2020 e 2021. Tiveram como principais inspirações fotos de família, lembranças de cheiros, sons e espaços da infância e adolescência.

Assim como temas que já trabalhei em minhas pesquisa de arte (escultura, pintura e desenho); pensamentos sobre como viver/sobreviver nesta sociedade que tenta a todo custo apagar as pessoas pretas.

As crônicas de 13 Preto e Vermelho foram escritas em 2013 como parte do projeto do mesmo nome. Nele, meu eu de 25 anos registra todos os dias 13 do ano com uma foto e um texto relatando as experiências e pensamentos vividos.

Invocando os simbolismos das cores e do número 13 com seus diferentes significados em diversas culturas e momentos da história da humanidade.
Busquei relacionar efemérides e presente em cada texto para discutir os prazeres, medos, sonhos de um cotidiano.

Já os contos, estão divididos em dois grupos: os curtos, escritos em sua maioria durante o ano de 2020. Foram parte do curso de escrita ministrado pelo escritor Plinio Camillo. Sendo que alguns deles já publicado na coletânea Pretos em Contos.

Já o segundo grupo, composto por contos mais longos, são histórias antigas como o “Por do sol em campos desertos” que escrevi com 14 ano; alguns deles já publicadas em blogs, fanzines, e outras inéditas como o “Bosque da Solidão”;


Espero que os diferentes sabores e imagens desses Retratos que teimam em não se apagar, possam encher a vida de vocês de significados, indagações, descobertas e momentos que deixem saudade.

Lançamento

O lançamento presencial do livro vai acontecer dia 02 de outubro no restaurante de comidas africanas Mamaafrica Labonne Bouffe. A partir das 15h estarei lá com exemplares do Retratos Apagados e Pedra Polida para tarde de autografos.

Venham prestigiar e adquirir seu livro.

Além disso, já está disponivel aqui no meu site para compra o livro no valor de R$35,00 + Frete para todo Brasil.

portanto, se liguem no endereço:

R. Cantagalo, 230 – Tatuapé, São Paulo – SP, 03319-000 – Dia 02 de Outubro as 15h!

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A influência de 2020 na subjetividade do homem preto, e como um Artista Responde.

Imagem divulgação – Série Quem Matou Basquiat

Desde 2004 desenvolvo minha pesquisa em pintura e desenho, tendo participado de exposições coletivas e individuais.  Em 2020, esse momento de pausa, possibilitou-me aprofundar em algumas. Assim finalizei duas séries que resultaram na exposição “O Que Nunca Vão Apagar”. Que teve espaço na Casa de Cultura Itaquera na periferia de  São Paulo em 21 de novembro.

Partindo da minha visão como homem negro, a mostra reuniu nove desenhos da Série “Quem matou Basquiat?” e duas pinturas “Desconversando o Eu”. Desenvolvidas sob influência do isolamento e do racismo violentamente registrado com imagens e requintes de crueldade durante o ano. Que no entanto são a ponta do iceberg do genocidio contra os povos pretos no Brasil. 

Utilizei nanquim, lápis grafite, tinta guache, acrílica e marcadores para construir imagens complexas,cheias de camadas,silhuetas, escrita e a anatomia do corpo humano, pensando como o racismo estrutural e a cultura eurocêntrica apaga e impõe limites de quem pode ser artista; De como tratar o legado desses, assim como os exclui.

Porém não foi uma demanda de agora, na realidade, o primeiro desenho que fiz da série foi feito em 2018 quando viajei para Brumadinho. Meu sonho era conhecer o Museu de Inhotim, o lugar que me deixou impressionado por vários motivos, alguns positivos e muitos negativos. 

Inhotim é a sintese do racismo extrutural brasileiro e consequencia direta da escravidão. 

E o que me deixou perplexo no museo foi o retrato da visão de arte do branco rico, onde o negro e o indigena tem espaço apenas em suas mazelas e pelo olhar do extrangeiro. Os dois dias de visita ao museu tinham me dado outra visão sobre a arte, a relação de poder que ela chancela, e o consequente apagamento de existências.

E voltando a Belo Horizonte, como uma epifania, ou respostas dos ancestrais. Cheio de malas, decidi dar uma última volta na cidade e ir no CCBB de lá, e me surpreendi quando vi que estava em  exibição a exposição do Basquiat, que eu tinha visto em São Paulo naquele mesmo ano, porém ali, depois da visita em Inhotim, ganhou um significado totalmente diferente. 

O prédio e a montagem de BH ressaltaram a grandeza do trabalho de Basquiat e era como se ele me respondesse e me indicasse as respostas que devemos dar.

Imagem: Desenhos I, II, III da série – naquim, lápis, marcadores, acrilica sobre papel – 2020

Série “Quem matou Basquiat?”

Em meu processo de criação, busco ter uma base narrativa para a criação das minhas imagens. Para esta série revisitei a história da vida de Jean. me vendo no seu lugar de homem preto, artista, encarando o racismo, estereótipos e os próprios problemas psicológicos. Digerir um momento onde se é erguido no lugar de “Preto Unico”. Já que na narrativa da arte eurocêntrica, a dita “História da Arte” ele foi o único erguido como gênio, ao lado de Da Vinci, Picasso ou seu colega Andy Warhol.  E até hoje isso acontece, seja em questões mercadológicas, onde os galeristas e colecionadores só se interessam em grande parte por seus trabalhos, seja no cenário acadêmico.

Tudo isso tem uma relação direta com a morte prematura de Basquiat. Enquanto suas pinturas e objetos valem milhões para galeristas e colecionadores brancos, ele não teve nada, não usufruiu de suas conquistas e morreu doente, com medo, inseguro de si. 

Novamente a humanidade roubada do corpo preto e o retorno a uma mercadoria. 

Essas questões e resgates que busco nesta série, refletindo sobre o momento que estamos vivendo e pensando nesse corpo preto que tem sentimentos, subjetividade, afetividade, medos e alegrias. Nas dificuldades de existência e expressão dessas subjetividades, já que a todo momento somos convidados a desistir, nos entregar a entretenimento barato, fuga da realidade, ou desacreditados pelas estruturas que nos exclui e nos matam – se não a bala, com doenças ou a desesperança. 

Imagem: Desconversando o eu – Oleo Sobre algodão – 2020

Díptico “Desconversando o Eu”

feito a óleo, faz a transição das silhuetas para o realismo, tentando tirar a imagem do corpo do simbolismo chapado que aparece nos desenhos, focando ainda mais na discussão do corpo preto estereotipado, onde os elementos elencados pela sociedade racista estão apagados. Elas são perguntas, chamamentos para se pensar a expressão de sentimentos, inseguranças, relação com o mundo e também falar de existência.   

Protagonizar e conquistar territórios

De certa forma a exposição “O que nunca vão apagar” é uma sintese do que foi 2020 para mim enquanto homem preto. Representativa de várias formas, primeiro que teve sua abertura no mês da consciência negra, segundo que discute as barreiras de ser um artista preto no Brasil e em mais de 10 anos, foi a primeira exposição que recebi para produzir. Terceiro que, infelizmente, a pergunta “Quem matou…” pode ser feita sobre Marielle, Miguel, Agatha, João Vitor, Evaldo, Amarildos e a lista segue… 

E finalmente, é um grito que diz, que apesar de tentarem, nossa existência e valor, eles nunca vão apagar.

Vista da mostra: “O que nunca vão apagar” – Casa de cultura Itaquera – SP 2020

Diogo Nógue (Diogo Nogueira Silva, 13 de Setembro de 1988 – )  é artista visual, escritor e ilustrador, nascido em Suzano-SP e vive em São Paulo. Formado como Designer Gráfico pela ETEC Carlos de Campos e Artista Visual pela Belas Artes de São Paulo. Entre seus trabalhos literários lançou os livros “Trovinhas das cores e amores” de 2016, o de poesias “Pedra Polida” de 2019 e participou da coletânea “Pretos em Contos” em 2020. Como artista visual tem suas principais exposições “Psicodrama” de 2004, “De onde os Medos crescem” 2017, “Entre o Real e o Sonho” 2018. 

Para mais reflexões sobre os temas abordados nesse artigo escrevi os textos 

Inhotim – A arte como Poder : https://www.diogonogue.com.br/inhotim-arte-como-poder/

Miguel de Rio Branco – Dualidade e apagamento – 

O Ano do (Re)conhecimento – https://www.diogonogue.com.br/o-ano-do-reconhecimento/

Ser ou não ser um artista negro – https://www.diogonogue.com.br/ser-ou-nao-ser-um-artista-negro/

Quem matou Basquiat ? – https://www.diogonogue.com.br/quem-matou-basquiat/

contatos:

www.diogonogue.com.br

Instagram e facebook @diogonogueart

*texto publicado no portal Geledes

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Exposição “O Que Nunca Vão Apagar” -2020

A exposição é uma reunião de desenhos e um díptico em pintura que busca discutir o corpo do artista negro em relação a uma sociedade racista e eurocentrica que tenta esteriotipar e apagar a vida desse sujeito.

Diogo Nógue é artista visual, escritor e ilustrador. Como ilustrador e escritor lançou os livros “Trovinhas das cores e amores” de 2016, o de poesias “Pedra Polida” de 2019 e participou da coletânea “Pretos em Contos” em 2020.

Desde 2004 desenvolve sua pesquisa em pintura e desenho, tendo participado de exposições coletivas e individuais dentre elas a mostra “Entre o Real e o Sonho” de 2017 na Casa de Cultura Raul Seixas.

Retorna com a mostra virtual “O que nunca vão apagar”. Uma reunião de 8 desenhos da série “Quem matou Basquiat?” e o díptico em pintura óleo “Desconversando o Eu”

 Utilizando de nanquim, lápis grafite, tinta guache, acrílica e marcadores o artista construindo imagens complexas e cheias de camadas que misturam silhuetas, escrita e a anatomia do corpo humano.

Reflexões de como o racismo estrutural e a cultura eurocêntrica apaga e impõe limites de quem pode ser artista, e de como tratar o legado desses, assim como a exclusão e as inseguranças que esse sistema causa aos homens negros são temas centrais das obras.

Assim como no díptico “Desconversando o Eu” autorretrato feitos à tinta à óleo em algodão preparado. O corpo de um homem negro é base para discussão dos estereótipos de força de trabalho e sexualização. Explorando a fragilidade e ressaltando um lado humano sentimental que é ignorado pela sociedade racista brasileira.

A mostra “O que nunca vão apagar” é uma reunião de desenhos e um díptico em pintura que busca discutir o corpo do homem negro, os desafios, medos, felicidades e tristezas que como a sociedade a sua volta o constrói e destrói.

A série de 8 desenhos chamada “Quem matou Basquiat?” feitos em papel canson na medida de 42×29,7 cm é a parte principal da exposição, onde utilizando de nanquim, lápis grafite, tinta guache, acrílica e marcadores vou construindo imagens complexas e cheias de camadas que misturam silhuetas, escrita e a anatomia do corpo humano. As temáticas destes desenhos partem como o nome diz da figura de Basquiat, um dos poucos artistas negros que são aceitos e reconhecidos em todo mundo como um “gênio-da-arte”, que porém morreu precocemente e não pode usufruir do seu legado. Essa reflexão de como o racismo estrutural e a cultura eurocêntrica apaga e impõe limites de quem pode ser artista, e de como tratar o legado desses, assim como a exclusão e as inseguranças que esse sistema causa aos homens negros são trabalhados nos desenhos.

Compondo essa montagem o díptico “Desconversando o Eu” são pinturas autorretrato feitos à tinta à óleo em algodão preparado. O corpo de um homem negro não padrão com rosto, mãos e pés pintados de preto e sem órgão sexual. Esta imagem apaga ou exclui os estereótipos impostos ao homem negro, tido apenas como força de trabalho manual e sexualizada. Nestas pinturas o homem negro que não consegue se comunicar consigo mesmo, se monstra em posição de fragilidade e busca levantar reflexões e ressaltar um lado humano sentimental que é ignorado pela sociedade em geral.

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Novo Canal no YouTube

Olá amigos, durante muito tempo tenho usado o Youtube apenas para postar videos pontuais de exposições e trabalhos experimentais de videoart.

Porém nesse ano, vou utilizar a plataforma mais ativamente, com videos de processos de ilustração, pintura, pensamentos teóricos sobre a arte e o trabalho de artistas que admiro.

Atualmente estou recuperando alguns videos e fazendo alguns testes sobre os speedraws. Além disso gravei algumas músicas que escrevi em épocas diferentes e pretendo gravar outras. Quero que o Youtube seja meu canal de divulgação de lançamentos e contato com o publico e minha arte já que é dificil depender de instituições e outras formas para que o trabalho se expanda.

Dessa forma, gostaria de pedir a todos que ainda não estão seguindo o canal, para irem lá e darem uma visita e curtirem as músicas e processos que já estão lá.

Veja agora alguns videos que já estão lá

Speedraw – Esboço, e finalização em nanquim. quase um tutorial.

Neste video eu mostro um passo a passo de um sketch estudo de pose, e finalização em lapis e nanquim.

Speedraw – Retrato realista a lápis

Neste video eu mostro o passo a passo de uma encomenda de retrato a lápis. com base em foto, fiz esse desenho realista e mostro o passo a passo para criar luz e sombra.

Música Cadentes

E como exemplo das músicas, deixo pra vocês essa gravação de Cadentes. Música que escrevi ano passado.

Sendo assim, espero que gostem dos novos conteúdos e que acompanhem o desenvolvimento do trabalho.

Muito obrigado a todos.

Não se esqueçam se conferir a Loja.

Minha página no facebook e no instagram

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Lançamento de Novembro Quadros e Canecas

Chegou novembro, e este mês os novos produtos estão muito lindo e fortes!

Comemorando o mês da Consciencia Negra e também os preparativos da Exposição Online que estou preparando, escolhi a série “Quem matou Basquiat?” como tema das canecas e prints.

Com uma novidade. Serão dois prints do mês além da caneca.

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Caneca “Quem Matou Basquiat?”
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Print “Quem matou Basquiat 2”

Uma dica de um ótimo presente criativo para o fim de ano, e também um ótimo item para se colecionar.

Lembrando que as canecas e Prints são numerados em uma série de 1/10.

Para saber mais sobre a pesquisa, veja o post “Quem matou Basquiat” onde dialógo sobre os desafios de ser um artista negro nas artes visuais, e também de coo o contexto de racismo estrutural vai matando o artista preto.

Os novos produtos já estão na Loja. Confira abaixo:

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Lançamento de Outubro

Olá a todos! este mês temos o lançamento de novos produtos na loja!

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Aumentando a coleção e dando andamento ao projeto inicial, a ilustração Raizes negras 3 conta com prints e canecas numeradas em 10 cópias, assinadas.

Os Prints são em formato A3 em papel coche 180g sem moldura, e as canecas de porcelana com detalhes coloridos em amarelo.

A ilustração Raizes Negras 3 foi feita com em nanquim e acrilico e finalizado com pintura digital, buscando explorar as imagens da beleza negra, grafismos e padrões africanos e o afrofuturismo.

Cada mês teremos um produto em destaque novo, com ilustrações originais minhas e tiragens limitadas.

Colecione e presentei os que você ama com arte!

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Miguel de Rio Branco: Dualidade e Apagamento…

Como continuação da discussão da “Arte como Poder” inspirada por Inhotim, neste post pretendo deixar algumas indagações e reflexões sobre a obra do artista Miguel de Rio Branco, que tem um pavilhão dedicado no museu de Brumadinho.

O Ano do (Re)conhecimento

Olá amigos, após um longo tempo sem atualizar minhas redes (Instagram,
Facebook e o Site), hoje estou finalmente voltando a ativa em meus projetos em arte, ilustração e literatura.

Felizmente, com muitas novidades sobre projetos novos que vão ser finalizados esse ano, como também recapitular algumas conquistas do longo caminho que venho trilhando até aqui.

Também quero discutir aqui algumas dificuldades e momentos de incerteza que se passaram nos últimos meses e como mudei depois desses momentos. Então… vamos lá!

Em 2009 tinha acabado de me formar em arte com méritos na Belas Artes de São Paulo, me sentindo no meu melhor momento artístico, descobrindo o início da minha poética e explorando os meus processos pictóricos com a série de trabalhos “De onde os Medos Crescem”. Com essa pesquisa tirei nota 10 no meu TCC e o convite para expor no próximo ano na faculdade.

A exposição 11 Lições foi a minha segunda coletiva na B.A, e contou com ótimos trabalhos de grandes amigos artistas. Como nossa primeira mostra formados e com o apoio da universidade na divulgação, contatos com críticos e galeristas, a nossa expectativa com a repercussão do evento eram grandes, e em grupo, nós, os 11 artistas participantes, buscamos tirar o máximo desse acontecimento.

Infelizmente, a vida real é mais complicada que o roteiro de um filme, e a
mostra foi apenas uma experiência para meu currículo e não rendeu nenhum outro convite ou contato que pudesse me ajudar a ir além.

Mas isso já era esperado, o circuito de arte sempre se mostrou de portas bem fechadas para mim, a tentativa de entrar em um sistema feito para pessoas ricas, brancas, de berço e com contatos sempre me pareceu uma conquista impossível.

Porém não desisti mesmo assim e em 2010 e 2011 desenvolvi o projeto
“Maleta Existência I” era um conjunto de 3 catálogos contendo meus
trabalhos, pesquisas e projetos. Produzi um número de 100 exemplares e enviei em torno de 50 cópias para os principais museus, galerias, críticos de arte e centros culturais.

Como retorno, apenas um crítico, que agradeceu pelo material e com palavras diretas disse resumidamente “o caminho da arte é difícil, e mesmo aqueles que tem algo a dizer podem levar muito tempo para ver seu trabalho reconhecido”. E ele não estava brincando…

Os anos foram seguindo, e eu tentando produzir arte enquanto trabalhando
como Designer Gráfico, sempre com empregos que pagavam mal e muita cobrança.

Anotando em meus cadernos os trabalhos de arte, contos e livros, porém sem tempo para executá-los de verdade. Conseguindo ao menos uma vez por ano ter uma série nova de desenhos, pinturas, objetos ou fotografias… submetendo portfólios a inúmeros salões de arte… na esperança de ser chamado para algum e quem sabe, aí sim, entrar no circuito.

Mas parecia que eu estava sempre perto e distante de conseguir algo, e as
dúvidas começam a surgir…. Será que meu trabalho é realmente bom? Será que estou produzindo arte contemporânea? Será que consigo me passar como pertencente ao panteão de ARTISTAS de verdade? O que tenho que mudar então? Como evoluir?

E fui então em busca de livros, frequentando aberturas, galerias museus…
andando a pé, pegando metro, ônibus para chegar nos espaços expositivos tão distantes para mim, que demandavam tanto trabalho para apenas conhece-los… imagine para fazer parte deles?

Consegui entrar para uma expo de trabalhos coletivos “Troy-art”,
depois para um catálogo de Galeria (em um salão pago… no Rio) e depois
finalmente, em 2016, fui selecionado em uma submissão para uma expo coletiva em um Centro cultural em Santos… E aí nvamente a chama se acendeu… talvez seja agora que eu entre para os circuitos, quem sabe consiga vender algum trabalho… quem sabe algum critico veja minhas obras. Ou quem sabe, consiga outros espaços para expor….

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A exposição “De onde os medos ganham força” foi linda e trabalhosa
de organizar. A prefeitura de Santos fornecia apenas o espaço, todos os outros custos seriam por minha conta. Por sorte, em minha carreira como Designer, conseguia poupar alguma grana para financiar meus projetos de arte, e com a ajuda de família e amigos, consegui levar para Santos 13 obras, compostas por desenhos e pinturas. A minha curadoria tinha o intuito de apresentar a trajetória até o momento da minha linguagem visual, e como eu buscava desenvolver a pintura.

Fiz ampla divulgação, enviando e-mail e convites para críticos, museus e
galerias novamente. Porém por ser em Santos, sabia que seria difícil para
qualquer um comparecer a vernissage que seria em uma Sexta a noite.

Apesar da esperança de algo grande acontecer, não fiquei decepcionado por
não ter um público tão grande na minha abertura, e pude contar com família e amigos fazendo parte daquele momento mágico… Sempre via como mais uma barreira vencida, mais uma vitória, mesmo que mínima. E assim seguia em frente.

Em 2017 consegui mais uma mostra individual, agora em São Paulo no Centro Cultural na Zona leste, e levei alguns desenhos e novas pinturas. E também uma exposição alternativa de um coletivo, onde fiz uma Pintura da minha pesquisa afrofuturista em um Prato.

Parecia que agora eu só tinha que manter essa média, e seria fácil…. Uma expo por ano, seja onde for, seria algo muito positivo para eu divulgar e espalhar minha arte.

Fiz o meu site novo, investi na minha página no Facebook e no Instagram… e 2018 prometia ser ainda melhor. E de fato foi.

Consegui 2 espaços expositivos para esse ano, onde levei minhas pesquisas de desenho “o corpo negro” e “Imagens Vestígio”, e nesse meio
tempo também passei a trabalhar como Professor, deixando de lado a carreira no DG.

Isso me deu mais tempo livre, porém aprender a ser um professor para ensino fundamental foi um novo desafio, e a rotina de preparar aulas, estudar e produzir arte se tornou muito cansativa.

Dessa forma que chegamos a 2019, cansado, com 4 exposições individuais nos últimos 4 anos, porém que não trouxeram novas oportunidades para o ano. Porém meu foco seria a publicação do meu primeiro livro, e escolhi o projeto de Poesia que estava engavetado.

Desenvolvi o “Pedra Polida” enquanto estudava desenho, arte, francês e ser professor… Não foi fácil. Porém quando finalmente tinha em mão a versão final do meu livro, tudo tinha valido a pena, até mesmo carregar os livros por 7 quarteirões.

Consegui o espaço para o lançamento em Suzano, no Centro cultural da cidade.
Em uma sexta-feira novamente, após o horário de trabalho. Novamente contando com minha família e amigos, foi uma festa linda, e uma experiência única e mágica. Tinha conseguido vencer mais uma batalha, apenas usando minha vontade de criar arte e produzir.

Mas após o lançamento, me senti totalmente esgotado, e desde então não
consegui mais produzir arte. Sem escrever, sem desenhar, sem pintar. Pareceu que minha vontade tinha sido totalmente sugada. Uma barreira se fez entre mim e meu trabalho criativo… tudo parou.

Nesses 10 anos em busca de me estabelecer como artista, nunca parei de fato de produzir, porém por necessidades diárias, diminui bastante minha criação em todas as áreas, mas aparentemente tinha chegado em um esgotamento total.

Estava precisando de férias do estado de mente criativo, e ainda preciso.
Precisava parar para organizar prioridades e depois executar uma coisa de cada vez. Minhas tentativas de fazer um pouco de cada coisa, não estava dando muito certo.

Entro então em 2020 com o propósito de não parar e não desistir nunca. E de ir além. Tendo a literatura e arte sempre como meus maiores guias.

Este ano vou divulgar ainda mais meu trabalho, estudar e produzir ainda
mais. E pretendo me abrir ainda mais para o mundo. Por isso a primeira coisa que estou fazendo é finalmente tirar do papel o meu canal no YouTube, com vídeos que vão mostrar minha produção, pesquisas, discussões sobre artistas, tipos diferentes de arte e me conectar ainda mais com quem quer consumir minha arte.


Em um segundo momento este ano, também pretendo lançar dois livros. O primeiro será um romance adulto, que vai falar de vários assuntos relativos ao homem preto na sociedade atual. E também um livro infantil, projeto chamado Beto & Bene, que vai buscar incentivar a criatividade da juventude preta.

No campo da arte, duas séries novas vão compor ao menos uma mostra de
desenhos no segundo semestre, e também a Maleta “Existência II” vai ser lançada até o final do ano, e enviada novamente para críticos, museus e
galerias.

Para quem está interessado em fazer parte dessa minha jornada, na loja do meu site, vocês vão encontrar vários materiais aqui citados. Dentre eles a Maleta Existência I e também o Livro Pedra Polida.

E para ficarem por dentro das festas de lançamentos e eventos futuros, sigam minha página no Facebook.

Conto com todos vocês, amigos, familiares, fãs e desconhecidos nessa  jornada em busca de tornar o mundo um lugar mais agradável de se viver com a arte.

 

Muito Obrigado!

Diogo Nogue 26/02/2020

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Pedra Polida – Poemas da Zona Mental

Saiba como foi o desenvolvimento e criação do meu livro de poesia Pedra Polida. Com lançamento previsto para o segundo semestre de 2019.

Adinkra, Horus e Baobá – O novo logo

O Nascimento

Com o lançamento do novo site, resolvi renovar mais uma vez o meu logo. Dando uma atualizada nas linhas, limpando elementos, composição e adicionando símbolos e uma visão afrofuturistica do design. Gostei bastante do resultado, pois ficou mais proximo do que eu tinha imaginado em 2007.

A primeira versão tinha como objetivo fugir de um logotipo baseado em conceitos padrões do design dos 00’s (voltado para síntese, pouco elementos). Tinha em mente o acumulo de elementos e brasões de armas ou de famílias reais. Também queria algo bastante simbólico, que tivesse uma relação próxima com minha produção de arte.

Por isso, os elementos do olho ( espelho da alma) e as asas (liberdade e imaginação) já estavam presentes. Neste momento eu tinha criando um desenho carregado, cheio de pontas e manchas pois queria algo “sujo” visualmente. Porém em 2015 resolvi atualizar esses conceitos, limpando o desenho das asas, olhos e letras.

Então adicionei o conceito de escudos africanos como forma de silhueta e as formas circulares e espaço negativo por trás do logo forma ideia do infinito, o olhar ficava preso na forma e encontrava em seu centro a alma e nela o simbolo de fechadura (possibilidade de descoberta).

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Arvora Baobá – Ankh – Escudo tribal – Olho de Horus.

 

O novo logo

Continuando a desenvolver esses elementos já ditos acima. Decidi adicionar o Baobá (arvore sagrada, raízes ancestrais) em negativo ao centro do logo com a fechadura em seu caule, e o adinkra  Ananse ntontan (criatividade e sabedoria) abaixo das asas, levando o Ankh aos olhos fortalecendo a ideia de Hórus com os olhos e suas asas, a lua, imaginação, imortalidade.

Em resumo, o novo logo reúne diferentes referências de vários grupos africanos, e busca trazer a força ancestral da criação, imaginação, vida, eternidade e força que são as marcas do povo preto no mundo. Nosso sangue rega o mundo de conhecimento, filosofia e arte!

O Renascimento

Estamos vivendo um novo momento, pois a nossa comunidade preta está estudando, retomando seu protagonismo em pesquisas, teorias e filosofias. De onde viemos, e quem somos não pode ser definido pelas normas e dogmas escolhidos pelo povo branco. Devemos a cada pedaço definir nosso território e nossa perspectiva como africanos e povo preto. E nesse caminho nada melhor que repensar nosso olhar como de um sujeito Afrofuturista – que recria e repensa o mundo de acordo com suas raízes.

Ao desenhar meu novo logo tinha isso em mente, e por esse motivo que me sinto tão contente com o resultado e pretendo usa-lo como marco pessoal para que a partir dele traga para o site esse olhar Afrofuturista.

E vocês, o que acharam?

 

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