Categoria: Reflexão
Rosana Paulino – Arte afro-brasileira e africana em diáspora.
Artista negro e sua época
Rosana Paulino é uma das artistas mais importantes das últimas décadas para se pensar a arte no brasil, sua força e primazia na articulação entre imagens e o espaço expositivo são algumas das características marcantes de sua pesquisa, que, mesmo sem investimentos e financiamento do mercado ou do sistema de arte, segue em produção ininterrupta e pulsante.
Sua importância se dá não apenas por trazer para o campo da arte contemporânea discussões de linguagens e técnicas inovadoras, mas também por sua existência ser o resultado da luta secular dos africanos da diáspora. Não foi fácil sobreviver nesse território que, por consequência do colonialismo e capitalismos, chamamos de Brasil.
No texto da exposição “Encanto: artevivência da Afro-diápora” recuperei a reflexão filosófica sobre como pensamos a realidade a partir de uma cultura da comunidade. E a partir dessa discussão, como o racismo estrutural e a colonialidade moldam nossa percepção de mundo.
Neste processo, enquanto artistas negros ao longo da história da arte brasileira, vemos que o contexto e construção de conceitos e letramentos para a compreensão de mundo em que somos forçados a sobreviver, ditam também tecnologias e estratégias daquele período para combater preconceitos, ou alcançar relativa liberdade.
Quando pensamos nos artistas negros do 1800, como por exemplo Estevão Silva, ser artista era dominar os cânones da academia. Os que assim faziam eram portanto superiores, dotados de uma aura que abrilhantava sua humanidade e como eram vistos pela sociedade. Por outro lado, as pessoas negras eram ditas como sem alma, não humanas e com intelecto inferior perante um homem branco.
Dessa forma, para combater essa narrativa, um homem negro devia mostrar sua capacidade de civilidade, inteligência e humanidade no mesmo território de disputa que era posto pela sociedade violenta, antiética e escravocrata da época. Como a história nos conta, Estevão mesmo ultrapassando esse domínio e dito o melhor pintor de natureza morta entre seus pares da academia, não é condecorado como tal, pois ao fazer isso, o sistema racista estaria se contradizendo.
O domínio da Técnica
Um desafio semelhante se apresenta a Rosana Paulino, em uma outra academia. Com dificuldades adicionais, é uma mulher negra em um ambiente da supremacia do homem branco, que se fundamenta em literaturas criadas por outros homens brancos; que constroem a realidade a partir da visão deles de mundo.
Como estudante no curso de artes na mais conceituada universidade brasileira – (USP) em um momento de transição na política. Rosana conquistou com seu trabalho e inteligência aliados importantes que colocariam suas pesquisas artísticas em destaque.
Em contexto artístico mundial, e com uma sensibilidade acurada no olhar, Paulino encontra uma fresta para trabalhar a imagem de pessoas negras de forma potente, utilizando a investigação da fotografia e transferências de imagens nos processos da gravura.
Para ser um artista neste período no Brasil, era preciso o domínio de alguma técnica, ou ser de famílias com capital social, cultural ou econômico relevante. Ainda hoje, é muito caro para um artista desenvolver pinturas e esculturas em medidas e materiais apreciados pela história da arte europeia. Assim como os cursos para desenvolvimento das técnicas acadêmicas de representação. O outros caminhos eram ter os contatos certos, estar na academia, e performar a identidade do artista.
Rosana vai encontrar na presença simbólica da fotografia e no domínio da técnica atrelada ao desenvolvimento teórico e intelectual da academia, uma base sólida e incontestável para inserir sua produção no circuito artístico contemporâneo nacional e internacional.
Contexto Politico
Na década de 90 o Brasil ainda fingia viver a democracia racial e social na produção cultural. Mesmo que nas novelas da Globo, principal parâmetro da época, quase não se via pessoas negras a não ser nas novelas de época, romantizando o período escravocrata, ou em papeis de bandidos, empregados e subalternos.
Porém o movimento negro em diferentes frentes, ia contestando essa estrutura racista, e causando constrangimento para a branquitude.
Contra tudo e contra todos, famílias negras estavam conseguindo colocar alguns de seus filhos na universidade, estudar era a via mais segura de escapar ao extermínio, mas não garantia nada.
Desta forma, era impossível ignorar a produção de Paulino, e nem ao menos podiam diminui-la, já que a artista dominava os parâmetros exigidos pela sociedade branca. A escrita de uma pesquisa e domínio da base teórica europeia (Impediam de taxa-la de Naif); O domínio da linguagem e da técnica em coerência com um discurso atual e potente a tornavam impossível de desqualificar enquanto produção de arte contemporânea.
Ao longo de sua produção, Rosana Paulino evidencia estratégias de produzir arte enquanto um artista negro que passa inicialmente por uma arte afro-brasileira, mas que aponta ao meu ver, para que artistas negros produzam uma arte africana da diáspora.
Tendo como objetivo, talvez em um futuro, que possamos ter uma nacionalidade e identidade de território que não seja marcada pela violência colonial. Mas sim, uma reconstrução cultural e simbólica, resgatadas por nós e para nós, pessoas negras e indigenas.
A cultura Hip-Hop e a denuncia
Como Rosana mesmo diz em entrevistas e palestras, não tinha referências enquanto mulher negra, de outras artistas e pesquisas no Brasil ou fora dele. Num período pré internet, era muito difícil conseguir informações.
Aa tradição academia, exige um ancoramento bibliográfico, seja na história da arte europeia ou em teóricos das ciências acadêmicas. Desta forma além de textos de antropologia, biologia e história, Rosana vai encontrar no movimento Hip-Hop e no Rap, conceitos que levará para a sua arte. Discutir de maneira direta as contradições do Brasil, o racismo e a violência contra as mulheres. Remixando imagens e comentando a história oficial brasileira, ela supre esse dogma de referenciar a história da arte ou do país, para contextualizar sua produção.
Por outro lado a arte de Rosana rompe nas palavras dela “a estranha paz sobre racismo na da arte brasileira”, ao mesmo tempo que vai na contra mão das produções que as galerias e museus queriam consagrar naquele momento. Como exemplo os neoconcretos, a arte de uma classe média branca higienizada, camuflada por cores, formas, geometrias de um Brasil que saiu das trevas da ditadura.
Sem dúvida, esse período da produção de Paulino é uma arte afro-brasileira, misturando o patuá, crochê e o bordado com a imagens de pessoas negras, utilizando a história dos objetos e das imagens para compor sua poética. Além das questões políticas, seu trabalho explora a arte no campo expandido, instalação, e processos complexos de produção de imagens e conceitos simbólicos.
Explicitar o obvio, de maneira direta, se preocupando com a forma e conteúdo, mas sem rodeios, o papo reto, da cultura Hip-Hop, é um dos fatores que torna o trabalhos iniciais de Paulino tão certeiros quanto um Rap dos Racionais. Porém, por ser uma denúncia feita por uma mulher negra, também vão dizer que esta é uma arte indenitária. O que não se diz é que toda arte feita por um homem branco é indenitária e muitas vezes supremacista.
O corpo negro e a violência fotográfica
É inevitável a relação da fotografia e a violência junto ao corpo negro, e como essa linguagem é um dos poucos registros históricos que temos de nossos antepassados. Assim, ao mesmo tempo que essas imagens constroem uma simbologia da desumanização do sujeito negro que é perpetuado no lugar de sofrimento, punição, e roubo da dignidade. Também são nosso terreno de pesquisa sobre o que fomos e de onde viemos.
Ao longo de nossas vidas, o registro de nosso retrato é feito para adentrar no sistema do racismo estrutural do estado brasileiro. Desde a foto do RG, carteira de trabalho, fichas criminais. Porém, muitas famílias negras, a minha por exemplo, dão grande valor ao registro fotográfico. Esta tentativa de evitar o apagamento da nossa história, de preservar memórias, vem muitas vezes do medo desse passado apagado. Enquanto a supremacia branca busca eternizar o individual e separando indivíduos como acima da média. Nossa preocupação é em preservar a história de pessoas comuns, a história dos marginais e normais, são o registro de uma força e resistência de gerações de pessoas negras que lutaram para recuperar o mundo para seus futuros descendentes.
Fora desses momentos em que a fotografia é usada para formatar o sujeito negro: as fotos de nascimento; batizado; aniversários; casamento – são momentos em que as pessoas negras usam para construir a própria memória e a construção da própria história.
É essa mescla que o trabalho “Parede da Memória” nos traz. O deslocamento da imagem de uma foto 3×4 do universo da padronização de um documento, para a aura única de uma obra de arte. As fotos de batizado e de registros de nascimento que geralmente ficam guardadas em caixas em fundos de guarda-roupas ou gavetas, para a parede de um espaço expositivo público.
A presença da fotografia e seu fator indicial que traz a presença física e factual da existência daquelas pessoas. Apresentadas em espaços que até hoje são frequentados em sua maioria por pessoas brancas, aqueles olhares encarando esse público, é incomodo e denuncia a violência, apartheid e tentativa de apagamento contra nossa população.
Assentamento como ressignificação da violência
Nos trabalhos dos anos seguintes como a instalação “Assentamento” Rosana Paulino vai resgatar a imagens de pessoas negras registradas em momentos de violência. Imagens criadas para afirmar uma desumanização de africanos e utilizadas em pseudociências como a Frenologia.
Paulino ressalta que nesses trabalhos ela propõe a reconstrução desse sujeito em um novo território, mas que essa reconstrução é marcada pelo trauma, por uma sutura que é feita: Pelo lado do colonizador, para arrancar o máximo de força de trabalho daquele ser humano objetificado. Já pelo escravizado, uma luta por sobrevivência, necessidade de se reconstruir para alguma esperança de futuro.
Criando novas imagens, a partir de um repertório simbólico criado pelo colonizador, o trabalho de Rosana propõe uma reinvenção, busca dar para aquele sujeito retratado uma nova vida, uma existência para além das violências impostas por seus algozes. O resgate da mulher objetificada. Um outro mundo para aquela personagem.
Essa abordagem de ressignificação e uso do corpo negro como provocador contra o apagamento e a pacificação do discurso, vai encabeçar e abrir caminho para uma nova geração de artistas negros, que vão disputar o espaço simbólico da arte e problematizando a ideação de Brasil, brasilidade e de brasileiro. Utilizando essa abordagem da arte afro-brasileira, esses artistas vão trazer nos objetos e materiais artísticos a ligação ancestral e o corpo como presença representativa.
Ironicamente, essa abordagem vai trazer uma crítica racista: de que a arte negra está muito ligada a representação do corpo, ou que é indenitária. Quando na verdade, para a humanidade a representação do corpo é um dos motivos mais explorados em qualquer cultura.
Tal crítica é infundada também, pois os nomes mais representativos da arte afro-brasileira antes de Rosana Paulino eram voltado a geometria e abstracionismo. Como Emanuel Araújo, Mestre Didi e Rubens Valentim.
A partir de Rosana que outros artistas contemporâneos, também incomodados com o sistema racista da história da arte brasileira, vão utilizar representação figurativa como forma de evidenciar o nosso apagamento. Uma conquista do direito de nos representar como imaginamos, e não como querem que nos ver.
A libertação para uma arte afro diaspórica
Juntamente a sua produção mais conhecida e que faz parte de acervos de Museus importantes do país. Rosana sempre produziu desenhos e gravuras com um traço único com linhas vigorosas e exploração de vegetação, insetos e do corpo feminino. Porém esses trabalhos só passam a ser exibidos com o valor que eles tem, se não estou enganado, a partir da sua exposição individual na Pinacoteca de São Paulo.
Os seus trabalhos que utilizam a fotografia, transferência de imagens e colagens, sempre estão presentes nas exposições de instituições ao longo dos anos; Esta pesquisa, afro-brasileira, que comenta o brasil e o apagamento histórico do negro na nosso sociedade, sempre estão presentes nas curadorias de pessoas brancas. Porém seus desenhos e esculturas eram mais raras de serem vistas até pouco tempo.
Em seus desenhos e gravuras, Rosana explora uma construção de imagens de uma artistas afrodiaspórica, em que o foco não é o Brasil ou o que a colonização fez de nossos corpos, mas de inquietações e dilemas de um ser humano, que não por acaso é uma mulher negra. Seu corpo racializado e sua existência enquanto mulher numa sociedade racista e machista são determinantes para as imagens que Paulino cria, porém por seu tratamento técnico, escolhas representativas, ela coloca no papel imagens inquietantes e propositoras de discussões que vão além das mazelas coloniais ou raciais.
Utilizando o repertório simbólico construído pela branquitude à custa da colonização e escravização de pessoas negras, Paulino busca discutir sua humanidade, e sua existência enquanto um ser humano especifico, mas que pode ser reconhecido por outros. Ou seja, o trabalho maior do artista em si, compartilhar com o mundo suas impressões da realidade que o cerca e o constrói.
Esse caminho apontado por Rosana é um passo além da arte afro-brasileira, que liga a história de pessoas negras apenas ao crime da escravidão. A arte da Afro diáspora, aponta para essa reconstrução desse sujeito transplantado através do oceano. Com suas suturas, mas que não se tornou apenas o que queriam fazer dele. A partir do resgate de fragmentos do que seus ancestrais deixaram, esse sujeito se refaz com o objetivo de construir novos simbolismos para as próximas gerações, sugerir novos caminhos para serem investigados.
As mulheres mangue na 35ª Bienal de São Paulo
A 35ª Bienal de São Paulo com certeza vai deixar sua marca na história da instituição, A “Coreografias do Impossível” trouxe as criações artísticas de diversas culturas não brancas para um espaço que foi historicamente simbolo da supremacia branca e embranquecimento da identidade brasileira.
Dentro dos diversos trabalhos da mostra, a escolha das obras de Rosana Paulino me emocionaram de forma que não estava preparado. Assim como Rosana despertou em mim o pensamento de ser um artista negro, agora, ela apontava os próximos passos para nós, novos artistas, e propõe uma nova abordagem dessa produção da afro-diáspora.
Como já disse, a obra “Parede da memória” utiliza da apropriação de imagens e a presença da fotografia para constranger a branquitude, ao mesmo tempo que ressignifica e resgata simbolismos criando uma memória cultural da existência e resistência das pessoas negras na história da arte afro-brasileira.
Porém a sala com as pinturas “Mulheres Mangue” não é limitada pela discussão racial, ou do colonialismo. É uma obra livre, onde a artista pode discutir a humanidade e singularidades de uma mulher negra, resgatar elementos simbólicos ancestrais e criar imagens potentes para as novas gerações.
O primeiro movimento de Paulino é utilizar a Tela de pintura. Suporte carregado de poder simbólico pela história da arte europeia. O segundo movimento – o tamanho destas telas. Veja, durante toda sua carreira, Rosana se preocupa com o suporte de suas imagens e os materiais que utiliza. Assim como escolheu o tamanho de pequeno e médio porte. Criações modulares, que permitem uma adaptação de transporte, montagem e de adequação de espaço expositivo.
Logo, a escolha de telas de grande porte, demonstra que Paulino destina aquelas pinturas para espaços da arte específicos – Grandes mostras e grandes museus. Ela também está reivindicando o mesmo local de grandes pintores acadêmicos, que construíam suas alegorias e reinvenções históricas de grande porte para palácios da nobreza.
O terceiro movimento é que Rosana explora o seu desenho na tela, mantendo suas linhas, manchas e gestual que utiliza no papel.
Por último, sua composição, construção figurativa e referências simbólicas são de matrizes africanas. As mulheres mangues são uma construção de uma artista africana da diáspora que está produzindo não para incomodar ou criar um constrangimento da branquitude, mas para exaltar e enriquecer o repertório simbólico imagético de pessoas negras de todo o mundo.
Seu trabalho é um devir da liberdade de pessoas negras em um futuro que buscamos. Onde não somos fadados a discutir o racismo ou as consequências coloniais. Mas exaltando nossa sabedoria ancestral e deixando para as próximas gerações nosso conhecimentos adquiridos, como faziam os Griots. A sonhada liberdade de trazer encantamento, de discutir as dores e alegrias da vida que não são consequências de um trauma marcado por um período histórico mínimo diante da vastidão da nossa existência. Que passeiam por um antes, e vislumbram um depois infinito.
O artista e curador Claudinei Roberto, conta em uma palestra sobre o Sidney Amaral que ao ver o políptico “Incômodo” do artista, Rosana profere que a obra parece muito celebrativa e que parece que a gente já venceu. Segundo Claudinei essa fala reverbera em Amaral e ele estava trabalhando em um desdobramento desse trabalho antes de morrer.
Ao mesmo tempo, imagino, esse devir do vencer, pode ter reverberado também em Paulino, e quem sabe, as mulheres Mangues seja um meio termo desse sentimento.
Luto pela educação – verbo ou substantivo?
Imagine uma pilha com instrumentos, livros, reproduções obras de arte, caixa com jogos tudo isso… sendo jogado no lixo!
Essa imagem não sai da minha cabeça…
Diogo Nógue
Como devem saber, além de artista e escritor, também sou professor de artes no ensino fundamental. Não é um trabalho fácil, apesar de melhor que trabalhar como designer, o território da educação é um ambiente de constante luta. Porém, no começo deste ano essa batalha se transformou em um luto – substantivo – que está me levando algum tempo para superar.
Todas as esferas educacionais tem problemas estruturais e de projeto. Parece que tudo é feito para não funcionar. É uma mentira que todos concordam em fingir que funciona. A federação cobra do estado, que cobra do município, que cobra do professor. O município finge que deu as ferramentas para o professor e pede resultados. O professor sobrecarregado, finge que cumpriu o que o município e o estado pedem. As secretarias da educação, passam demandas para a de assistência social e saúde, que fingem que fazem seu trabalho também. No final, é um grande jogo de empurra em que educadores e educandos estão sozinhos em uma gincana para colar cacos de vidro no cuspe.
Na cidade em que trabalho, por exemplo, existiram boas tentativas de uma educação cidadã, democrática e que valoriza a cultura, porém essas tentativas são náufragos que nadam para morrer na praia. Uma troca de governo, conchavos de poderosos locais, podem desfazer facilmente passos que foram dados. No fim, são apenas castelos de areia.
O fato de ser um município relativamente pequeno também gera outro problema: algumas instâncias de poder, por se conhecerem, acham que são donas do bem publico. Certas pessoas por estarem no mesmo cargo por anos, se consideram reis de determinadas jurisdições. E com um pensamento escravocrata, opressor e de cria de colonizador, vai minando movimentos sociais, iniciativas de confronto contra paradigmas e etc.
Foi com a surpresa desta constatação que fui recebido na minha volta das férias este ano. O fato que ocorreu me deixou deprimido por semanas, com uma angustia no peito, vontade de desistir. Também me trouxe reflexões sobre o poder, a cultura da obediência, e a opressão das hierarquias que dominam a estrutura social de nosso pais.
A morte
Nestes três anos de pós pandemia, o luto esteve presente de várias formas em nosso ambiente escolar. Colegas de profissão morreram do vírus, ou do estresse causado pelas cobranças e demandas que secretaria, diretores, coordenadores e pais depositaram sobre nós. As crianças perderam parentes próximos e as vezes amigos. Sem auxilio psicológico algum, esses traumas tinham que ser colocados de lado para seguir em frente na missão da educação.
Uma das grandes tristezas era saber que o trabalho que estava sendo feito não estava chegando as crianças. Aprendemos a gravar e editar vídeos, usar plataformas diversas, as vezes até linguagem de programação. Enviando atividades por e-mail, whatsapp, facebook, impressas. E sabendo que em muitos casos, as crianças estavam com necessidades básicas de alimentação e não tinham internet, aparelhos eletrônicos, ou o auxilio dos pais para executar as atividades. Os que tinham, muitas vezes, os pais faziam as atividades no lugar dos filhos. Ou seja, não foi inútil, no entanto, pouco efetivo.
Na volta do presencial, novos desafios e defasagens tornaram nosso trabalho ainda mais desafiador. O que me mantinha de pé era a estrutura e estratégias que construir ao longo da minha carreira de professor e também um acerto do diretor da minha unidade escolar que se empenhou para criar salas temáticas destinada as linguagens de artes visuais.
Nesse espaço, a sala de arte, reunia recursos didáticos que foram herança de diferentes gestões de prefeituras passadas. Sobras de instrumentos como bandas rítmicas, violões, cavaquinhos; reproduções de obras de arte do MASP e Pinacoteca de sp em impressões de qualidade e plástico que durariam décadas. Mas também, recursos que fui juntando com o tempo ou que foram passados do acervo de minha mãe (também professora) para mim. Então, desde meus estudos de teoria de cores que fiz no ensino técnico ou na faculdade; Maletas com materiais de Bienais obtidos por formações; Outros materiais de apoio obtidos em garimpos em bienais do livro ou sebos. Tudo isso, estavam nessa sala em armários que organizei com esmero antes de sair de férias em 2022.
Más noticias
O diretor da nossa escola tinha sido afastado do cargo aquele ano. Isso gerou uma instabilidade na escola e a SME (Secretaria Municipal de Educação) deixou uma direção suplente, que não ficava direto na unidade. A nova gestão não estava muito preocupada com isso. Infelizmente falta uma construção de memória na educação, e troca de gestões municipais ou de diretores acaba também quebrando iniciativas de construção dessa história.
Mesmo sabendo disso, nada me preparou para as más noticias da volta ao ano letivo de 2023.
Como disse, tinha deixado a sala organizada ao fim do ano. e como eu voltaria para lá, deixei também alguns dos meus materiais pessoais que reuni ao longo dos meus anos como professor. E até outros itens que foram da minha mãe, ou presentes de pais de alunos. Tinham meus desenhos que fiz no curso técnico e também na faculdade (tabelas de cores, retratos, exercícios de composição); Duas caixas do educativo da Bienal de São Paulo ( uma da 29ª e outra da 31ª); Chocalhos indígenas e paus de chuva); Uma caixa com livros de artistas brasileiros e mais de 200 reproduções de pinturas em papel cartão e couchê; Caixas de jogos, um em especial era um jogo com a história de pessoas negras importantes da história do brasil.
Além de instrumentos novos, outros mais velhos, alguns avariados, porém todos que davam para ser usados. E eu usava-os muito em aulas de dança, músicas populares, e até em teatros de objetos e etc.
Na reunião de planejamento, uma colega de trabalho vem com tristeza me contar o que aconteceu quando não tinha mais ninguém na escola. A diretora mandou jogar fora tudo, tudo, que estava no atelier de arte. Instrumentos musicais (violões, cavaquinhos, tambores, agogôs, pratos, triângulos, chocalhos), reproduções de obras de arte grandes e em ótima qualidade impressos em plástico, cadernos de desenhos dos alunos e trabalhos que eles fizeram, blocos de papeis A2, A3 e etc (que estão em falta até hoje na escola), réguas, pranchetas, aventais, tubos de cola, tesoura, mais de 300 lápis de cor, giz de cera, tintas. Fora os livros caros de teoria de arte educação, musicalização, história e etc. Tudo jogado no lixo.
Em um primeiro momento não acreditei, um profissional da educação não fazia um crime desse contra a cultura, a arte e a educação em si. Sabemos que itens como esse não são repostos com facilidade na educação publica. Todos esses recursos foram sobras de anos e anos de gestões anteriores com ações pontuais. E assim, sem consulta dos professores da escola, coordenação, sem aviso algum, a nova gestão jogou tudo no lixo.
Correndo, fui à sala de arte e estava tudo vazio. Nada dos instrumentos, materiais, livros, meus pertences, nada. Preocupado, fui a procura da diretora, que tinha dado a ordem de limpar a sala. Minha esperança era que ela tivesse guardado em algum lugar os materiais.
Porém fui respondido com olhar de raiva e total falta de respeito:
“Aquela sala estava um lixo, joguei tudo fora, esta tudo um nojo, como vocês levavam as crianças para aquele lugar?”
A reação dela foi totalmente desproporcional e uma tremenda falta de respeito. Além de ser uma mentira. A sala estava limpa e organizada quando saímos de recesso. E se estivesse suja seria por problemas estruturais da escola que quando chove tem goteiras e infiltração de agua pelas janelas e claraboias…
Mesmo que tivesse uma bagunça, o que não estava, nada justificaria jogar fora instrumentos, livros, materiais e reproduções de obras de arte. Não eram itens descartáveis. E não havia nenhum motivo para jogar fora itens meus e de outros professores de arte que estavam nos armários, guardados e arrumados. A não ser que tenha sido um ato de ódio. O que não posso afirmar.
Além disso, eu e uma colega envolvida com as causas indígenas utilizamos uma placa em homenagem a Sônia Guajajara, que foi colocada na porta da sala de aula para fomentar a discussão e o conhecimento sobre os povos indígenas e quebrar estereótipos sobre o tema. A maioria dos alunos aprendeu sobre as etnias e lutas indígenas pela primeira vez através dessa placa. No entanto, assim como todos os itens da sala, alguém arrancou e jogou fora a placa. Podemos argumentar que, como Sônia se tornou ministra do novo governo, a retirada da placa seria o ideal para evitar conflitos. No entanto, o ato de remoção de todos os itens mencionados acima, juntamente com a retirada da placa, pode ser interpretado como um ataque político de ódio, intencionalmente ou não. Alguém atacou nosso território e, devido à fala sem respeito e violenta que recebi quando questionei de maneira cordial sobre itens pessoais e, principalmente, itens do bem público.
Educação da obediência cega
Uma das reflexões que esse acontecimento me levantou foi sobre o ditado popular “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Vivemos em uma sociedade escravocrata, colonial e racista. Essa cultura da obediência aos que tem o poder foi criada em nossa história a partir de tortura, assassinato, estupro e outras violências psicológicas. Está totalmente cravada em nosso subconsciente e reafirmada todo dia em injustiças e assédios que trabalhadores sofrem.
Assim, na busca por saber o que aconteceu com os materiais, os funcionários da escola relatavam tristes que tiveram que jogar fora as coisas da escola, alguns até pediram para Diretora doar alguns dos itens, instrumentos por exemplo. Porém, como pessoas mais simples, diante de uma ordem superior, mesmo discordando, fizeram o trabalho.
Esta é uma discussão profunda e existem muitas pesquisas sobre a obediência cega. Principalmente em relação a seguir ordens de pessoas com poder de autoridade. Essa cultura da obediência está tão presa dentro de nós, que diante de uma figura de autoridade, ou uma ordem direta, poucas pessoas vão questiona-la. O sentimento de impotência, inferioridade, é uma barreira que precisa ser vencida para contestar uma ordem, principalmente uma injusta. Existe também um outro ponto, estudado principalmente em relação a ordens injustas ou que atingem a ética: as pessoas tendem a executa-la, pois passam a responsabilidade do ato para o mandante da ordem.
Vejo isso todo dia com as crianças em sala. Muitas que brigam, xingam o colega, ou fazem algo errado costumam recorrer a frase “mas foi o fulano que mandou”. Para eles, a culpa do seu ato errado não conta, pois foi o outro que mandou. E ai tenho que explicar que não é assim. Cada um é responsável pelos próprios atos.
Por incrível que pareça, essa mentalidade, também existe entre adultos. Mesmo que de forma inconsciente. Não atoa ficamos sabendo de tantas atrocidades na escravidão, ditadura, invasões em favelas e comunidades. Junta ai dois fatores, o poder da autoridade e a ordem direta, que liberta essas pessoas para cometer as maiores atrocidades.
O quanto dessa educação da obediência cega estamos ensinando para nossos filhos, sobrinhos, alunos e etc? É preciso tirar de nossa cultura essa falta de questionamento, e também a falta de rebelião diante de injustiças.
E não é fácil fazer isso, principalmente, em um caso como esse na escola. Provavelmente as funcionárias da limpeza não sabiam do valor material e imaterial dos jogos, reproduções, livros, porém certamente dos instrumentos, que tentaram salvar. E como um sinal desse pesar ético, pediram para doar os violões.
O luto
É difícil de entender, porém fiquei em luto por coisas, objetos, livros. Sim, durante semanas fiquei com uma dor no peito, tristeza e sentimento de vazio. Principalmente durante os planejamentos de aulas. Pois ai, eu relembrava os materiais que perdi, as atividades que não poderia fazer. Os itens que precisava repor para uma aula minimamente decente.
A sensação era de luto não pelos objetos em si, mas pelo que representavam enquanto projeto, construção de carreira. Coisas que vamos adquirindo para criar aulas mais divertidas e ricas, e que facilmente são descartadas. Fez-me pensar sobre a educação no geral, um projeto de desmonte e descaso. Cada dia mais desvalorizado, cada vez mais um trabalho precário.
Não teve como não lembrar de meu professor de fotografia do ensino técnico. O professor Silvio, a anos dando aula na escola, Montou com ajuda dos alunos, mas principalmente empenho próprio um laboratório de fotografia, para revelação de negativos e ampliação. Porém em uma reforma no prédio, desmontaram e jogaram fora seu laboratório. Me vi como ele, senti a dor que ele sentiu. E mesmo assim, tentava dar a melhor aula possível para nós. Sem recursos, mas com a vontade de proporcionar e despertar potenciais nos educandos.
Foi inspirado nele que decidi aceitar as perdas e buscar fazer o meu melhor com o que eu tinha. Aceitar que apesar da violência, da injustiça, eu faria meu trabalho da melhor forma possível, e do jeito que eu acredito.
A luta
Como forma de mostrar minha indignação sobre o crime ao patrimônio publico e aos alunos da minha comunidade escolar. Entrei em contato com a SME para informar sobre os itens descartados e o prejuízo pessoal e público causado pela ação da diretora. No entanto, o processo demora e até o momento a SME fez pouco para resolver a situação. Ainda aguardo alguma resposta da instituição em si diante da lesa ao patrimônio publico. A diretora recuperou quatro instrumentos que foram doados, mas alguns deles vieram avariados.
Será que o que eu disse lá no primeiro paragrafo vai se confirmar? A troca de favores, a passada de pano de amigos do poder e etc? provavelmente.
Como forma de lutar contra a dor do luto e da impotência, investi do meu bolso novamente, em materiais para minhas aulas, e também utilizando aulas mais praticas e que não precisam tanto de materiais, estou levando e desenvolvendo atividades para esse inicio de ano. Em busca de uma educação antirracista e valorizando a cultura afro e indígena com as crianças.
Porém, essa luta é muito cansativa, se você coloca suas ações em perspectiva geral. A cada dia as noticias são mais desanimadoras, a cada dia, as problemáticas sociais e o projeto de um Brasil excludente se acentua. São tantas frentes! Iniciando principalmente pelos problemas do capitalismo, passando por questões do fundamentalismo evangélico, politicas liberais, fanatismo, doutrinas e a ideologia de extrema direita. O machismo, racismo e lgbtqa+ fobia. Tudo isso, são questões pesadas e estruturais muito grandes, que diante de uma sala de trinta crianças é impossível de contornar. Parecer uma voz solitária em mundo de problemas é muito pesado e doloroso.
Por isso, três dicas que dou aos que estão iniciando nesse caminho é ver a luta em duas frentes.
A primeira é pensar no mínimo. não sabemos o quanto nossas ações podem ser positivas ou negativa na vida das outras pessoas, e as vezes uma frase, um exemplo, uma aula que a gente proporciona uma experiência significativa, pode ser uma memória que vai mudar a vida de um aluno. Então, no dia-a-dia, tente ser uma força positiva para ao menos um aluno, busque nesse pequeno ato a recompensa para sua missão. Sempre tendo em mente que não podemos dimensionar nossa influência, negativa ou positiva.
A segunda é tentar lutar contra paradigmas e os problemas estruturais da educação, mas sabendo que a luta não é para a nossa geração, que é para um futuro, que estamos plantando sementes, que podem ou não dar frutos. Assim, não se frustre diante dos problemas estruturais diários, pois vivemos em um mundo injusto e longe do ideal.
A terceira: É preciso saber quando mudar a forma de luta. As vezes precisamos usar a experiência adquirida e reavaliar a ação em uma determinada área. E outras é preciso ver quando um lugar já não é produtivo para nós. Se uma situação esta nos adoecendo, as vezes é preciso sair. E isso não é desistir de uma luta, é buscar outras batalhas.
Este ano, decidi seguir as três.
Urgente! fim do homem Branco Burro
Recentemente um amigo, que gosto muito, enviou-me um vídeo de um cara fazendo um react. O objetivo deste vídeo era contestar um uma Youtube PHD em mecânica quântica que desmascarava um desse Coach golpistas que mistura espiritualismo e ciência. Para mim foi como um registro detalhado do arquétipo – O Homem branco burro empoderado.
Em cinco segundos desse cara falando, já dei risada e sabia que não ia levar a sério nada do que ele estava dizendo. Imagine você um cara branco, com bigodinho de Salvador Dali, barba por fazer, topete alto trabalhado no Gel e camisa com estampa xadrez! A pessoa que tem coragem de se vestir assim em frente a uma câmera já perde toda credibilidade. Mas piora.
Com uma estranha vontade de autopunição, continuei assistindo a fala desse ser. Cada frase dele me mostrava o tipo de pessoa que ele era, e eu sentia nojo. Em resumo, ele desmerecia as credenciais de uma cientista PHD por ela ser mulher e tentava validar a ideia de que não é preciso ter um diploma, certificado, nem nada, para poder falar com propriedade de assuntos complexos e nisso confundia Metafisica com a Física Quântica, misoginia com opinião e burrice com inteligência. Fazendo analogias esdruxulas em 3 minutos de vídeo ele já tinha sido misógino, machista, manipulador, passivo agressivo e…. Burro, muito burro. Era inacreditável, o discurso que ele expelia, na cabeça dele, tinha o objetivo de exaltar a própria inteligência, mas na verdade só deixava claro a limitação de interpretação e leitura de dados e fatos.
Parei de assistir, olhei o tempo de duração era mais de uma hora dele falando. Milhares de visualizações, vários comentários concordando. Procurei por algum indicio que ele era um personagem, que talvez tivesse um plot-twist no meio, e que estava sendo irônico com o tipo de pessoa que acha que é um gênio, mas é limitado. Mas não… não era um personagem, não era um ator.
E foi então que eu pensei… Isso tem que acabar…
O HBBE – Homem Branco Burro Empoderado
Você deve conhecer algum, talvez ele seja seu chefe, um colega de trabalho, motorista de aplicativo, professor, jornalista de opinião nas rádios e TVs. Ele está em todo lugar, politica, medicina, advocacia, gosta muito de ser empresário, e ter ar de autoridade, não é à toa tanto podcast, livros de autoajuda e coachs bravejando chorume como se fosse a mais alta filosofia.
Veja bem, não estou falando de pessoas com deficiência ou algum transtorno cognitivo. O HBBE é alguém comum, poderia ser alguém normal, porém a sociedade racista foi construída para beneficia-lo de tal modo que ele tem uma autoimagem inflada e distorcida. Sua vida é uma constante validação de suas ações e escolhas, mesmo que sejam erradas.
Primeiro por ser homem. Muitas vezes cresce em um ambiente machista, patriarcal. Esse arquétipo, muitas vezes é filho único, ou o mais velho, em alguns casos o caçula. Essas posições são aceitas com certa nobreza na organização familiar conservadora.
Segundo por ser branco. No brasil e alguns lugares do mundo isso é quase um super poder. Herança da colonização, crueldade e ganancia, existe o pacto narcisista da branquitude que sempre vai beneficiar, dar status e capital de influência e comando para pessoas brancas. E isso é tão enraizado na subjetividade da nossa sociedade, que é validado também pelas pessoas não brancas. Não por ingenuidade destes, mas porque essa ideia do poder das pessoas brancas é martelada e violentamente injetada na formação da nossa sociedade, desde pequenos. Está em filmes e novelas, nas crianças brincando na rua, nos comércios, escola e trabalho.
Ou seja, o empoderamento deles foi construindo sobretudo com uma manutenção violenta e orgânica no mundo que vivemos. Porém não confundam com natural.
Assim o HBBE se infiltra como um vírus social e ideológico. Ele é a causa das maiores atrocidades até de brincadeiras bobas…
Um vídeo no Youtube de um babaca falando merda por mais de uma hora, parece bobeira, mas é o mesmo sintoma que faz um idiota beber e sair com carro; um outro estuprar uma mulher em balada; um político ficar destilando ódio contra minorias; outro ser juiz e colocar centenas de inocente na cadeia e até um outro entrar em uma escola e matar crianças.
Está tudo relacionado… o Colonialismo + Capitalismo + Racismo + Machismo = HBBE.
O dilema do homem medíocre
Eu sou uma pessoa medíocre em vários aspectos da minha vida. Teve momentos que pensei que passaria essa linha, e até me considerei grande coisa, porém a vida, racismo, fracassos pessoais foram nivelando minha visão externa do “eu”. Não é crime, e talvez seja até natural para o ser humano se imaginar grandioso. Deve ser daí que criamos nossos mitos, crenças e deuses. Uma projeção desse desejo de não ser medíocre, no real sentido da palavra – mediano, comum.
Esta postagem mesmo, é uma exercício de escrita e desabafo mediano. Um aglomerado de leituras, estudos rasos e conceitos de ouvido que compilo de forma minimamente racional. Sei porém que se trata apenas de uma “conversa de bar” escrita. Mas que eu poderia ter transformado em livro, Podcast, artigo em jornal se fosse um HBB com o E vindo de dinheiro e contatos.
O filme “Clube da Luta” faz um registro muito bom desse homem medíocre, e por isso mesmo, muitas vezes esses que são criticados no livro e no filme acham que estão sendo exaltados nesses produtos culturais. O próprio Chuck Palahniuk, já revelou em entrevistas e até no prefácio de seu livro como achou irônico e assustador que o fracassado de classe média se espelhar em Tyler Durden.
Mais recentemente vemos esses sujeitos ganhando força e comunidade em fóruns na internet e criando conceitos burros como os de “macho Alfa”, “Red pill”, “Incel”, e por ai vai, o esgoto é fétido e profundo…
Esses fenômeno, segundo teóricos e estudiosos (que não vou citar aqui por preguiça) nasce dessa frustração sentida por esses homens que são ensinados que devem ser vencedores, alfas, inteligentes e dominantes, porém são incapazes na realidade. Eles não percebem que o fracasso se dá justamente porque o sistema que favorece alguns deles, os vencedores, necessita dessa multidão de fracassados para fazer sentido.
O resultado disso vemos de formas diversas, mas sempre violentas e excludentes para os não homens e não brancos. Para mim, por exemplo, vivo em um mundo surreal onde vejo e escuto pessoas burras e medíocres sendo aplaudidas por falar besteiras e violências contra os meus e contra outras minorias. E eles tornam minha vida pior de diversas formas em diferentes níveis. Seja um desconhecido na rua, olhando feio para meu cabelo; um dono de editora sem gosto estético algum que se acha especialista; O jurado do salão que julgará meu trabalho; O prefeito, governador ou presidente que aprovou políticas que fortalecem o genocídio de grupos que são tutelados pelo sistema opressor e capitalista que vivemos.
Vejam só, toda a sociedade, vidas são destruídas, sonhos incapacitados apenas por consequência do problema mental e frustração dos homens brancos medíocres, que não conseguem lhe dar com mundo que lhes diz não. E por outro lado os homens medíocres com poder, ditam o valor de cultura, formas de vida, religiões e etc. E até mesmo vidas com potência e possibilidade de ser grandiosas são sabotadas por esse sistema. E em última estância minam a chance de uma sociedade dignar e democrática.
Precisamos deter o HBBE, mas como?
Quantas vezes você não fez algo por pensar não ser capaz, não ser bom o bastante, por não se achar merecedor? Se você é negro, LGBTQIAP+, mulher, mulher negra, muito provavelmente já se sentiu assim. Parece que existe uma barreira, ou mãos invisíveis nos impedindo de atingir nosso maior potencial. São muitos nãos, muitas caras feias, as vezes socos, pauladas, físicas e reais nos impedindo.
Muitas vezes já me vi nessa situação, a autocensura e auto sabotagem é produto de uma sociedade doente, e também da hegemonia do homem branco burro. Já olhou para um desses idiotas, fazendo idiotice com cara confiante e pessoas aplaudindo e pensou “Queria ter a autoestima de um homem branco?”. Pois é, eu já… Imagina desde criança alguém te dizendo que você é o maior, te mimando aprovando suas atitudes. Imagine você ser recompensado simplesmente por existir, do jeito que esperam que você exista. Imaginem sorrirem e aplaudirem até mesmo seu menor feito como algo grandioso. Imagina, familiares e estranhos afirmando sua grandiosidade. Doentio não é?
Não tem como alguém ser saudável mentalmente a partir de uma experiência como essa. Nossos filtros do mundo são por natureza tendenciosos, e o ser humano é egoísta, portanto precisamos que nos digam não, é preciso estar aberto a percepção dos outros. É nessa conversa do que pensamos e sentimos com o outro que construímos de fato uma noção da realidade.
Queria sim que todos tivesse incentivo e uma boa autoestima para acreditar em si mesmo. Mas também é preciso equilibro. Temos que meter o Caetano as vezes, dizer “Não, isso que você falou é burrice!”. Às vezes as pessoas precisam desse choque. Dessa quebra de confiança. Pois em nossa mente, tudo é perfeito e possível. É importante que nos digam que estamos errados.
Como acabar com o HBBE?
Eu não sei… como acabar com essa estrutura que alimenta o ego de gente pequena, mesquinha, burra. Validando seus atos cruéis como forma de manutenção de um paradigma injusto?
No entanto tenho algumas sugestões.
- Primeiro, para nós pessoas não brancas: tenham a autoestima de um homem branco. É fácil escrever uma frase dessa, mas a atitude esbarra em vários problemas – monetário, sociocultural, psicológico, material – Para colocar em pratica de verdade, só sendo um bom ator, daqueles que incarnam um personagem perfeitamente. Mas no grau mais básico: Não se auto sabote, não se autocensure se tem algo positivo e construtivo para o mundo. Planeje e crie o que tem em mente, Jogue para o mundo de alguma forma. Compartilhe, nem que seja com apenas um amigo, irmão ou parente. Talvez quando tivermos mais pessoas potentes e inteligentes falando, os burros se calem e reconheçam seu lugar. Estudem e melhorem… deixem de ser burros empoderados.
- Segundo, Meter o Caetano – é preciso parar de bater palma pra maluco. Tem que pegar essa coragem e enfrentamento no meme do Caetano e dizer: Você é burro! Sim, diz isso pro seu chefe e depois da uma risada e fala “é meme, chefe… brincadeira hehehehe”
- Terceiro – criar um sistema para alimentar nossas intelectualidades, comunicadores, potencias culturais de base e conectar essas discussões com todo nosso povo nas periferias, academia, sindicatos, associações, terreiros, rodas de capoeira, bailes e etc. E sempre que surgir um HBBE, transformar a pauta sem dar palco. Não podemos deixar que os assuntos e discussões sejam peltadas por polemicas que essa gente cria.
E alguém ai, tem alguma sugestão? adoraria lê-las. De qualquer forma precisamos deter essa doença que faz nossas vidas diariamente mais difíceis e dolorosas.
Ser ou não ser um “artista negro”?
Na nossa sociedade racista, escolher ser um artista negro é um desafio politico. Mas o que é ser um artista preto? neste post levando esse questionamento.
Adinkra, Horus e Baobá – O novo logo
O Nascimento
Com o lançamento do novo site, resolvi renovar mais uma vez o meu logo. Dando uma atualizada nas linhas, limpando elementos, composição e adicionando símbolos e uma visão afrofuturistica do design. Gostei bastante do resultado, pois ficou mais proximo do que eu tinha imaginado em 2007.
A primeira versão tinha como objetivo fugir de um logotipo baseado em conceitos padrões do design dos 00’s (voltado para síntese, pouco elementos). Tinha em mente o acumulo de elementos e brasões de armas ou de famílias reais. Também queria algo bastante simbólico, que tivesse uma relação próxima com minha produção de arte.
Por isso, os elementos do olho ( espelho da alma) e as asas (liberdade e imaginação) já estavam presentes. Neste momento eu tinha criando um desenho carregado, cheio de pontas e manchas pois queria algo “sujo” visualmente. Porém em 2015 resolvi atualizar esses conceitos, limpando o desenho das asas, olhos e letras.
Então adicionei o conceito de escudos africanos como forma de silhueta e as formas circulares e espaço negativo por trás do logo forma ideia do infinito, o olhar ficava preso na forma e encontrava em seu centro a alma e nela o simbolo de fechadura (possibilidade de descoberta).
O novo logo
Continuando a desenvolver esses elementos já ditos acima. Decidi adicionar o Baobá (arvore sagrada, raízes ancestrais) em negativo ao centro do logo com a fechadura em seu caule, e o adinkra Ananse ntontan (criatividade e sabedoria) abaixo das asas, levando o Ankh aos olhos fortalecendo a ideia de Hórus com os olhos e suas asas, a lua, imaginação, imortalidade.
Em resumo, o novo logo reúne diferentes referências de vários grupos africanos, e busca trazer a força ancestral da criação, imaginação, vida, eternidade e força que são as marcas do povo preto no mundo. Nosso sangue rega o mundo de conhecimento, filosofia e arte!
O Renascimento
Estamos vivendo um novo momento, pois a nossa comunidade preta está estudando, retomando seu protagonismo em pesquisas, teorias e filosofias. De onde viemos, e quem somos não pode ser definido pelas normas e dogmas escolhidos pelo povo branco. Devemos a cada pedaço definir nosso território e nossa perspectiva como africanos e povo preto. E nesse caminho nada melhor que repensar nosso olhar como de um sujeito Afrofuturista – que recria e repensa o mundo de acordo com suas raízes.
Ao desenhar meu novo logo tinha isso em mente, e por esse motivo que me sinto tão contente com o resultado e pretendo usa-lo como marco pessoal para que a partir dele traga para o site esse olhar Afrofuturista.
E vocês, o que acharam?
Texto Piadas Racistas – Zona Mental
Olá a todos, se você não reparou, na minha página inicial eu deixo em destaque 4 links que vão para blogs de trabalhos paralelos que desenvolvi e desenvolvo até hoje. São eles o 13 Preto e Vermelho, Projeto o que deve ser dito, Caixa dos contos e o Zona Mental.
O Blog Zona Mental
Hoje vou falar um pouco sobre o Zona Mental e o novo texto que publiquei nele: Discutindo o racismo Texto 1: Piadas racistas
O ZM foi meu primeiro blog, o iniciei ainda na plataforma Myspace da microsoft que era atrelada ao MSN Messenger. Era um brincadeira adolescente, onde publicava minhas duvidas existenciais, textos poéticos e reflexões. Por isso, se você olhar no inicio do blog vai encontrar muito sofrimento adolescente, duvidas do que somos, pra onde vamos e muitos erros de português! haha
Vai notar também uma grande evolução, principalmente em relação a poesia.
No decorrer desses 11 anos, publiqueis listas de musicas anualmente, reflexões, poemas, músicas que escrevi e muitas outras coisas.
Por ter passado do Myspace pro wordpress e agora no blogspot, alguns postagem mais antigas estão ilegíveis ou com uma diagramação péssima. (desculpe por isso, um dia ainda arrumo!). O revisitei recentemente e selecionei alguns poemas que achei mais interessantes e pretendo publicar ainda esse ano, ou no inicio do ano que vem.
Mês da Consciência Negra e minha visão
Porém nesse post é sobre uma série de texto que vou fazer esse mês, sobre o dia da consciência negra e o racismo de cada dia. Numa tentativa de contribuir e fazer as pessoas refletirem sobre os problemas que ele gera na formação das pessoas.
Segue uma parte dele:
” Com Novembro ai, uma vereador negro racista eleito, e alguns casos que ocorreram a minha volta em pouco intervalo de tempo… Farei uma série de posts para reflexão de todos.
Textão 1: Piadas racistas
Recebi duas vezes pelo whats (uma no grupo de escola e outra no grupo da família).
Uma piada racista onde um gênio da lampada (via que a Africa é um lugar pobre) realizava o desejo de 100 negros, e lógico, diante de uma oportunidade dessas o desejo de 99 deles foi de ser branco. Porém o 100º pede ao gênio para todos os outros voltarem a ser pretos.Nossa… que engraçado.
Quando falei que a piada não tinha graça e que era racista, as pessoas primeiro diziam “naaao, não tem nada de racismo… podia ser qualquer um é que pegaram o negro… achei engraçadinha…” depois pediam desculpas, dizendo que não a intenção foi das melhores, de fazer rir, e que não eram racistas; uma por ser casada com um negro, a outra por ser negra.
Então, desenhando:
Existe uma coisa chamada Racismo estrutural. Ele está presente o dia todo, e faz com que algumas pessoas sejam beneficiadas e outras marginalizadas. Exemplos dele são quando pessoas brancas são preteridas á pessoas negras em empregos, relacionamentos, ou pro time de futebol na escola.
Mas também na abordagem violenta dos policiais, assassinato de mulheres e homens negros e a condição econômica. Por que?
Fazem apenas 128 anos que, por lei, os negros passaram a ser considerado humanos (isso mesmo… antes eramos apenas coisas) no Brasil. Liberdade ainda não conseguimos de fato, mas estamos na luta. E não foi uma princesinha branca que conseguiu isso não…O racismo estrutural faz com que negros se achem feios, fracos, e amaldiçoados de fato. Algo que é implantado em nossas mentes diariamente. Por isso, existem mesmo muitos pretos, (crianças e adultos) que prefeririam ser brancos, pois todo dia, a rejeição, os xingamentos, a violência, convence esses irmãos que são indignos de felicidade e que apenas os brancos podem ser de fato amados, queridos e felizes.
O racismo estrutural ainda deixa a maioria dos negros ignorantes, sem consciência do que são, estamos alienados da nossa história. Não sabemos nada de nossos ancestrais, nossa cultura. Achamos que a Grécia, França, EUA, são o sonho e – todo um continente -, como a Africa “um lugar pobre”.
Errado.A Africa sempre foi e é rica, inteligente e pioneira. A imagem do negro miserável da Africa é resultado de dominação e doutrinação. Não é uma vitimização – existem pessoas negras sem caráter, humanidade – que massacram outras pessoas negras com o auxilio e respaldo de brancos e outros pretos. Porém existem e existiriam muito mais pessoas negras e conscientes, e se amando e propagando sua cultura, se não fosse o racismo.
Mas relegados, sem autoestima, estrutura e consciência de sua história o negro é refém. E se tivesse a chance, no lugar de pedir uma vida digna, escolheria o caminho mais rápido: ser branco.
Por isso a piada não é nada engraçada. é puramente cruel.Por último, o 100º negro, que ria de todos os pedidos dos outros, usa sua chance para reverter o desejo de todos os outros.
Este seria o “Tempo Cômico” da piada…
O que ele quer dizer:
O negro malandro, que prefere mais a zoeira do que a chance de pedir algo pra si mesmo, usa a mágica do gênio, não só para frustrar outros 99 de seus semelhantes (diante da maravilhosa perspectiva de viver uma vida de branco), mas demonstra todo o seu egoismo e imediatismo preferindo rir dos outros do que “fazer o bem para alguém” ou para si mesmo.Então, não é só uma piada… é uma propagação ideológica e racista de uma imagem do negro…”
Confira a integra deste e outros textos, lista de músicas e poemas no blog Zona Mental.