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Exposição Fazer Faz Corpo
Olá a todos! Começamos o ano com uma exposição!
Muito feliz de poder me dedicar ao meu trabalho artístico e estar em diálogo com outros artistas e públicos diferentes.
A mostra Fazer faz Corpo fica aberta de 8/02 até 8/3 de 2024, na Galeria Quarta Parede. Ela faz parte do Projeto Bússola. Concebido e executado por André A. Fernandes e Renato Almeida, o edital que selecionou três artistas (Eu, Ana Freitas e Eduardo Baltazar), tinha a proposta de um acompanhamento artístico dedicado, e que ao final pudéssemos produzir um trabalho novo, derivado da experiência do programa.
No fim do post deixo todos os detalhes de horários, curadores e links sobre a mostra.
Projeto Bússola
Ao longo dos encontros, tivemos conversas profundas sobre nossas produções e reflexões complexas sobre o fazer, estratégias, temáticas, e as escolhas de um trabalho especifico, o que nos levava a discussões densas sobre arte, o artista e seu entorno.
A importância do trabalho em grupo, a troca entre os orientadores e orientandos, o ouvir e ser ouvido, foram aspectos importantes para que cada um de nós nos alimentássemos de todo o processo.
Para mim, gerou mudanças e alinhou pensamentos sobre meu fazer, o objetivo das minhas imagens e a busca mais consciente dos elementos que emprego.
O Ponto de partida
Corpo Encanto foi um trabalho produzido entre o ano de 2022. Resultado da pesquisa iniciada em 2020 – Quem Matou Basquiat?, mas que foi fecundada em 2018, depois de minha visita até Inhotim. Que pode ser lida aqui e aqui.
A partir dessas conjunções começo a ter clareza sobre as marcas da colonialidade e como a História da Arte é na verdade a história da construção da supremacia branca sobre os povos não brancos. E que a partir dessa consciência, me sinto no dever de contestar essa hegemonia. Olhando para os que vieram antes de mim e refletindo quais equipamentos eles tinham e quais tenho agora, para reivindicar todo poder simbólico da arte ocidental, que foi pago com sangue e a vida dos meus antepassados, para ajudar na reconstrução de nossa história.
Partindo do isolamento de três signos da pintura acima: 1. o texto e suas escritas; 2. As plantas e a ligação com cultura afro-diaspóricas e 3. O corpo enclausurado. Parti para exercícios de pensar forma e conteúdo na produção de significados.
Ter consciência de uma imagem parte de vários fatores como por exemplo sua origem: Realidade, memória, imaginação; sua apresentação: concreta, reprodução, imaterial; Sua construção: fotografia, desenho, pintura, digital, objeto tridimensional…
Esses fatores carregam a imagem de indiciais históricos, temporais, filosóficos, culturais, políticos e etc.
Dissecando o fazer
Um elemento da Corpo Encanto que praticamente finalizou o trabalho foi a adição das plantas Piperegum-verde e Guiné-cabloco no canto esquerdo da pintura. O tratamento que busquei era uma referência a pinturas de pano de prato e seu objetivo era trazer a ligação da natureza e das plantas com o existir negro.
Coletando o Herbário
Partindo dele e, indo para o papel, busquei a tradução para o desenho botânico, como um elemento do eurocentrismo, referente as expedições pré-ciência dos naturalista e o registro da natureza por artistas viajantes que vão depois ser atualizados na modernidade pelo estudo da botânica e ergologia. Neste jogo trouxe o texto relacionando a escrita manuscrita e a escrita tipográfica também contrapondo dois índices de cultura e origem.
A sugestão do Renato e André foi a de levar esse desenho para o suporte direto do pano de prato e neste jogo, o gesto do desenho se une aos índices do suporte.
Por confluência, em casa tenho muitos panos de prato velhos, que apesar de longo tempo de uso não os descarto, por foram presentes e trocas entre minha mãe Regina e minha tia Ana, suas marcas de uso e marcas do tempo sempre me atraíram e esses objetos fazem parte do meu cotidiano de diferentes maneiras e a fatura e uso deles guardam um arte diminuída, a invisibilidade, mas também o cuidar e a presença das mulheres como minha mãe, tia e minha avó Rosa no trabalho de fazer vingar sua prole.
Assim a construção dessa obra tem um profundo valor afetivo, histórico, e diferentes caminhos de aproximação, que se tornaram muito especiais para mim.
O Corpo em Desencanto
O corpo enclausurado é uma temática que trabalho a partir dos objetos “Eu lembro, Eu esqueço” onde bonecas de porcelana interagem em caixas de vidro.
Dessa imagem, e a reflexão da série “Quem Matou Basquiat?” surgiu o corpo na caixa dourada, presente nos desenhos “Dia desses vão te esquecer” e em “Corpo Encanto”.
Explorando esse elemento em isolado, primeiro no grafite, depois na aquarela, e por último no guache, identifiquei algumas potencialidades, e levando para a discussão coletiva, um novo trabalho foi surgindo.
Diante dos acabamentos resultantes, resolvi fazer um outro movimento: Utilizar o corpo simbólico da pintura, para produzir essas imagens.
Para esse trabalho queria trazer a narrativa porém sem o uso do texto. Assim com a fragmentação e composição, busquei relacionar as três telas na construção de uma imagem.
Nesse processo, estava produzindo uma série de desenhos derivados da minha pesquisa “Imagens vestígio” e “Desconversando o Eu” onde também trabalho a fragmentação das imagens para compor um sentido maior. Esse modo de construção também é uma conversa com a composição de Basquiat, onde separando elementos por enquadramentos derivados do quadrinho ele organiza a composição.
Assim, em Corpo em Desencanto a busca por uma estética afro-surrealista se dá pelo contexto. A temática do embate entre o corpo e as influências do cientifico e o mágico estão presentes nas pesquisas que apresento nessa exposição. Diferindo dos estudos, busquei um acabamento da pintura mais liso e com poucas marcas de pincelada, porém trazendo a textura e as manchas para o fundo. Construindo as figuras por camadas e buscando a construção de um ambiente com gravidade, porém pouco peso, com atmosfera, porém pouca profundidade. Construir com poucos elementos uma atmosfera de mistério, uma dimensão de realidade alheia, onde o observador não sabe ao certo onde posicionar seu repertório e nessa busca, se encontre com um sentimento de estranhamento e angustia daquelas composições.
O objetivo da montagem na vertical é utilizar o espaço expositivo de forma consciente do seu papel. Assim como o objeto tela está consciente de si. A pintura não é só o que ele mostra, mas como e onde mostra.
A posição acima dos olhos do observador traz desafios para a visão e o o corpo. Tanto pelo reflexo da luz na tela, quanto pela distorção de perspectiva. Assim como o olhar para cima, conversa com a temática, e a construção de sentido que a relação das três podem proporcionar.
Fiquei contente com o processo da orientação artística, a troca com os colegas e curadores e também com a exposição. Desejo agora que o público aprecie nosso trabalho árduo e vá conferir a mostra pessoalmente. Segue abaixo todos os detalhes e link para a galeria.
Texto Curadoria
A exposição Fazer Faz Corpo reúne três artistas brasileiros que utilizam principalmente a pintura e o desenho como linguagem – Ana Freitas, Diogo Nógue e Eduardo Baltazar – na Galeria Quarta Parede, Vila Mariana, de 8 de fevereiro a 8 de março de 2024. Os três artistas foram selecionados pelo edital Projeto Bússola, concebido e executado pelo pesquisador André Aureliano Fernandes e pelo artista Renato Almeida, no âmbito das atividades do Coletivo Borde, com a finalidade de aprofundar seus processos poéticos.
O título da exposição Fazer Faz Corpo refere-se a dois termos caros: ao fazer manual e ao corpo da pintura. A intenção com o título é destacar diferentes estratégias de abordagem de uma linguagem de longa tradição cujos resultados podem ser observados a seguir.
Ana Freitas apresenta uma pintura sedutora pelo uso das cores que desde o primeiro momento pergunta pelo desenho. Pintura e desenho tensionados entre si se relacionam com o conhecimento científico, que é abstrato, trazendo-o de volta ao concreto, pela forma.
Diogo Nógue cria imagens que tematizam a representação do corpo, assim como práticas e tradições negras. Do corpo no espaço pictórico à mancha no pano de prato, o artista encontra meios de recuperar e inscrever elementos de matriz afro-brasileira em sínteses que associam medicina e religião, sensibilidade e ideia. Tais sínteses dão contorno ao corpo do próprio artista.
Eduardo Baltazar investiga a iluminação baixa para ralentar o tempo, criar um retardamento, por meio de massas de tinta que se acumulam nas bordas e insinuam a figura no centro, cujos valores de cores, com pequenas variações, instituem negativamente o contracampo do próprio olhar do pintor.
Texto dos curadores sobre meu trabalho
Dizer que corpo, práticas e tradições negras são temas da obra de Diogo Nógue seria pouco. É um pouco mais preciso dizer que corpo, práticas e tradições negras situam de um certo modo a experiência do artista no mundo. Esse deslocamento dos termos da arte à experiência cotidiana fornece um certo entendimento dos trabalhos de Diogo Nógue e os colocam em perspectiva política, que é o modo como encontrou para se inscrever nos sistemas das artes contemporâneas, incluindo a palavra literária e a palavra que educa como docente da rede pública do Estado de São Paulo.
Mobilizada de maneira material, simbólica e religiosa em diferentes obras, a representação do corpo negro dialoga criticamente com noções brancas tidas como dadas, apontando elementos da grave violência estrutural, como o encaixotamento do humano em um categoria abstrata, que rouba sua humanidade. A afirmação do corpo negro e do corpo negro como agente político está presente no corpo da pintura. Ela surge aparece em Corpo Encanto (2022) por meio da recuperação simbólica de elementos fragmentados e torna-se central no Tríptico – Corpo em Desencanto (2023-2024), em que uma massa de tinta opera como uma massa corpórea em espaço cúbico ideal. Ali, a categoria é explicitada como caricatura pictórica de uma existência segundo outra perspectiva que não aquela dela mesma.
Nesse sentido, a presença do corpo constitui-se no exercício político de cujos traços e tensões se fazem convidando a todos a olhar a realidade de outro modo. Ao inscrever o corpo negro no debate público, Diogo parece considerar a arte mais do que um conjunto de saberes técnicos estáveis, um instrumento político a que pergunta: para quê tais saberes são úteis? para quem eles falam? falam o quê? propondo um tensionamento político entre o útil e o agradável.
Na série Herbário do Cuidar, Vingar e Refazer (2023-2024), a representação do corpo assume o suporte – o pano de prato – como meio e (pelo menos parte da) mensagem, dando contornos nuançados para as tradições cotidianas. Ervas como erva-cidreira, guiné, anis relacionam não só os cuidados doméstico com o corpo, como também fazem ligação da arte com a medicina e a religiões de matriz afro-brasileiras. As manchas do suporte são índices de história, assim como o bordado alude ao cuidado e às tradições manuais que devem gozar do mesmo estatuto que a pintura. Assim, o artista produz uma genealogia de gestos, práticas, história, dando reconhecimento e contextualizando às suas próprias tradições, como em uma festa que não se extrai simplesmente um elemento como produto, mas se faz compreender no todo. Essa contextualização pode levar à cozinha onde as pessoas conversam e aos quintais onde as plantas vivem, de modo que não é o traço técnico ou a pequena sacada que interessa, mas um conjunto de sínteses de problemas brasileiros complexos que apontam o grupo e somente pelo grupo onde cada um é parte e toma parte é que podem indicar alguma cura.
Em suma, no trabalho de Diogo Nógue, corpo é afirmação de vida, de so- brevivência, não apenas pela cicatriz, mas pelo reconhecimento de práticas tradicionais e de grupo. E, ao dar dignidade à vida cotidiana, produz um movimento que procura por seus meios superar a naturalização da violência e encontrar na arte condições de pensar natureza como linguagem, trazendo consigo percursos históricos que são coletivos e sem o quais não há sentido possível de história.
Serviço
Fazer Faz Corpo
CURADORIA: @andreaureliano e @_renato_almeida_
ARTISTAS: @anafreitas_atelie, @diogonogueart e @_eduardo_baltazar_
Horários
Terça: 14h – 18h
Quarta: 10h – 22h
Quinta: 19h – 22h
Sexta: 10h – 18h
Sábado: 10h – 18h
Domingo e Segunda: Fechados
+ 55 11 91437-9720
Av Conselheiro Rodrigues Alves 722
Vila Mariana – São Paulo – SP
CEP: 04014-002
Encanto: Artevivência da Afro-diáspora
Exposição “Encanto: Artevivência da Afro-Diáspora” Celebrando a Herança Cultural Africana na Arte Contemporânea
A mostra reúne pinturas, objetos, esculturas de 7 artistas, sendo três nascidos em Suzano e 4 da grande São Paulo. Em contextos com as grandes mostras do ano como as “Dos Brasis”, “Mãos – 35 anos da mão afro-brasileira” e a “35ª Bienal de São Paulo”.
Investigando diferentes técnicas incluindo pinturas a óleo, acrílica, giz pastel e até impressões digitais em materiais não convencionais como azulejo e banner. As obras mostram uma variedades de pensamentos, passando por abstracionismo, realismo, apropriação, aplicação de crochê, costura, e colagem de objetos
No meio de outubro, fui chamado para fazer uma exposição em Suzano, cidade onde nasci e lecionei no ensino fundamental por seis anos. O convite veio pelos anos que convivi e estive em conversa com a secretaria de cultura e discussões com os artistas locais.
Com a oportunidade se fazer uma curadoria, ou uma individual, escolhi a primeira opção e aproveitei os cursos e contatos artísticos que fui desenvolvendo ao longo do ano para compor a mostra.
A primeira curadoria
Foi muito interessante pensar o papel da curadoria e exercitar uma proposta de pensamento sobre arte utilizando o trabalho de colegas contemporâneos para ilustrar esse pensamento.
Como artista independente, fui meu próprio curador em diferentes montagens das minhas individuais. E sem duvida, é mais simples desenhar a linha de discurso dos nossos próprios trabalhos. Com a tarefa de buscar artistas que se assemelhassem ao questionamento que ando formulando sobre o que é a arte no contexto atual e como ser um artista negro, escolhi um dos pontos que mais me instigam atualmente. A relação da construção de pensamento da realidade a partir da experiência da diáspora e a busca pelas filosofias epistêmicas africanas que resistiram nesse território.
Nesta minha hipótese, uma das formas de apagamento e dominação das populações negras, foi a negação de seu intelecto e suas construções de realidade, que se davam muito pela relação animista com elementos da natureza. Uma dessas vertentes está sem duvida nas relações sagradas e espirituais que regem o trato com a natureza, objetos fetiche.
Outro resquício dessa epistemologia é a formação de rodas. estar em roda é um ensinamento ancestral que chegou até nós em várias manifestações.
E a terceira é a relação com o alimento e a troca com a terra, essa conversa com o território.
A validação da realidade pela comunidade
Uma outra linha de pensamento que trago para essa mostra é a percepção que enquanto pessoa negra vivendo em uma realidade racista, a minha existência foi moldada para a vida de outras pessoas, negando a minha. A sociedade ensina a pessoas negras que elas tem um lugar determinado, fora do caminho das pessoas brancas, apenas a servindo. E que neste mundo somos inferiores, sem alma, não humanos, e o apagamento da nossa existência se deu por meio da religião católica, das pseudociências racistas e pela usurpação da autoria e criação de tecnologias negras.
Esse processo cria para nós uma realidade paralela, onde existe um véu separando nosso mundo do mundo dos brancos. Em alguns momentos e em alguns países esse véu se tornou uma barreira real, como o apartheid norte americano e Sul africano. Ou as periferias e favelas aqui no Brasil.
Dessas reflexões, criei o texto de parede para a mostra, que vocês podem ler abaixo.
Encanto: Artevivência da Afro-diáspora
A escritora Conceição Evaristo, para definir sua vasta e rica produção literária, vai cunhar o termo “Escrevivência” que define como: “não é a escrita de si, porque esta se esgota no próprio sujeito. Ela carrega a vivência da coletividade.”
Embora cada um de nós, individualmente, absorva o mundo de um jeito único, pelos nossos sentidos. A noção de realidade precisa ser construída no coletivo.
Assim, vai depender do contexto de uma comunidade e a partir dos parâmetros que esse grupo estabelece para se definir o “verdadeiro”.
Vivendo neste território que chamamos atualmente de Brasil, a existência e leitura de mundo de pessoas negras e indígenas sempre foi invalidada, e ainda mais, demonizada.
Ainda hoje em nossas escolas, na mídia, e nas produções culturais lideradas pelos descendentes dos colonizadores, se aprende a ler o mundo pela perspectiva europeia e cristã. E todo conhecimento fora desse espectro é diminuído ou descartado.
Existe uma relutância em se ver e aceitar qualquer aspecto das culturas Afro, porém a que é mais ultrajada e violentada é a ligação entre a Magia/Encanto e o corpo africano. Sobrevivendo, entretanto, em meio às ciências positivistas que estampam a bandeira, às pseudociências racistas e ao racismo religioso, encontramos outras maneiras de compreender e interpretar a vida.
Em paralelo a uma realidade imposta e suturada por violências como traduz muito bem Rosana Paulino em suas obras.
A arte consegue compartilhar singularidades e formas de apreender o mundo ao redor. Deslocando e tornando estranho o que achamos comum e verdadeiro, tirando o véu da conformidade que cobre nossa visão.
Por muito tempo, mesmo a contragosto, as manifestações desses artistas negros foram nichadas e rebaixadas como arte ingênua, arte popular, artesanato e folclore. Mesmo pulsando com vigor na música, dança, festas e no fazer de roupas, pinturas, instrumentos e alegorias.
Mas nós, artistas negros, estamos há muito tempo lutando pelo território simbólico que a arte europeia ergueu a custa da escravização, morte dos nossos antepassados e colonização dos outros continentes.
Nossa artevivência resiste e, através de uma arqueologia das filosofias e tecnologias negras, nos conta dessa ligação ancestral da natureza e do mistério de caminhar no mundo.
Reconstruindo, pintando, desenhando, esculpindo, cantando e performando nosso lugar no mundo. Rasgamos o véu que nos separa dessa realidade que nos apaga. Em comunidade (en)cantamos “nós existimos e somos importantes”.
Artistas Convidados
Participam da mostra os artistas Ailarrubi – utiliza a pintura em tela como uma forma de buscar a permanência das imagens que a tradição europeia criou, porém utilizando a mitologia de terreiro e até jogos de búzios para produzir suas imagens. Beré Magalhães também utiliza a mitologia africana, porém busca uma abordagem do expressionismo abstrato, arte naif e a abstração para compor seus desenhos e pinturas. Daniel Ramos por outro lado, utiliza aplicação de bordado, colagens de objetos como búzios, fotografias e outros tecidos no corpo de suas pinturas. Elidayana Alexandrino investiga o autorretrato, a composição com a fotografia e pintura digital explorando repetição da imagem e espelhamentos, buscando composições inusitadas e a impressão dessas imagens em azulejos, resgatando e re-imaginando a tradição de contar histórias nas cerâmicas portuguesas, mas dessa vez com sua própria história, sendo protagonista. Já May Agontinmé promove uma restauração ancestral, se apropriando de objetos e imagens de santos e entidades que foram sincretizadas entre o catolicismo a umbanda e candomblé e traz para a superfície com o crochê e colagens de tecidos as imagens de orixás negros.
Todos eles com alguma investigação da relação da negritude com a ancestralidade e busca do mágico, do encanto e da mitologia de povos, fon, Youruba e Bantu. Buscando também uma exploração da própria identidade diante disso e buscando a chave das potências.
Além disso a abertura contou com Katia Souza – Terapeuta naturalista vegana, massoterapeuta, guardiã da medicina placentária, alquimista, Doula, Parteira, Capoeirista, cozinheira, e oficineira. Levando o alimento como parte desse conhecimento ancestral, e também como energia vital que nos trouxe até aqui. Foi parte essencial na abertura e celebração desse momento.
Reivindicando o sagrado espaço da arte para todas as nossas potências. também tivemos a música de artistas da diáspora tocando durante o evento.
Suzano
Apesar de não ressaltar em sua história a contribuição negra de forma efusiva, ela é muito importante para esse território, assim como as comunidades indígenas que foram invadidas, mas que deixaram suas marcas na história.
Apesar de eu ter nascido em Suzano, na época, morava na divisa entre São Paulo e Poá, o bairro chamado Cidade Kemel, por esse motivo, a maternidade de Suzano era uma das mais próximas. Minha mãe conta que o parto foi muito dificil, e que ela passou por violências pesadas, como a enfermeira dizendo que ela tinha que empurrar mais forte se não o bebe morreria, e seria culpa dela. Até mesmo subirem e apertarem sua barriga durante o trabalho de parto. Mostrando como o racismo e violência contra corpos negros atravessam todos os momentos de nossas vidas.
Uma das formas de discutir a herança africana nesse território foi com o instalação “Composição – Uruçu – Iemanjá – Adupé” que criei comprando objetos de lojas de artigos religiosos que estão na cidade, em volta do Centro de Cultura. Trazendo a circularidade novamente, as tigelas de oferendas, velas, ervas, e elementos como a água, argila, cachaça, mel e palha. As cores de Exu, Iemanjá e Nanã. Reflito sobre essa cultura e conhecimentos ancestrais que passam por baixo da realidade vigente. De uma cidade conservadora, em que os cristãos fundamentalistas protestantes dominam o pensamento de muitas famílias da região. Mas que ainda guarda muita força das matrizes africanas com terreiros e outras manifestações afro no local.
Localização: Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi – R. Benjamin Constant, 682
Horário: das 8h as 19h – Seg a Sab.
Entrada: Gratuita
Mãos – 35 Anos da Mão afro-brasileira
Em 1988 a nova constituição do Brasil era promulgada, no centenário da suposta “abolição” da escravatura.
Saindo de vinte e quatro anos de regime ditatorial do golpe de 64. Um artista negro, curador e museólogo Emanuel Araújo promove a exposição “A mão afro-brasileira” no MAM para marcar o centenário da lei Aurea e principalmente, o trabalho de homens e mulheres negras que construíram este país.
Um marco icônico e histórico da diáspora africana nesse território. Emanuel mostrou, pelo viés artístico, como as mãos negras, construtoras forçadas dessa nação, resistiram e criaram uma leitura de mundo forte, inovadora, ancestral.
Reunindo artistas que, ao mesmo tempo que se alimentaram do que as diferentes etnias indígenas sabiam desta terra, desenvolveram as suas próprias. Elaborando estratégias e mecanismos de sobrevivência também com a cultura do opressor europeu. Uma delas, a ginga, permitiu transpassar por debaixo de violências e epistemicídios, uma filosofia, história, e tradições com resquícios de uma memória ancestral das nações raptadas e destruídas no continente antigo.
Registrando nomes e a produção intelectual de homens e mulheres negras que, de outra forma, seriam esquecidos e apagados da história deste território colonizado. Emanuel construiu um pedestal, um memorial, um altar para os que vieram antes de nós. Mesmo que ainda incompleta, e incapaz de reunir a grandeza de nossa gente e as diversas vidas e comunidades necessárias para cada um daqueles nomes integrar a exposição, nos deixou um legado firme para sabermos para onde seguir.
A importância dessa mostra é tamanha, que a partir dela, Emanuel criará o Museu Afro-Brasil. Recontando em seu acervo, como protagonistas de nossa história, a visão não do colonizador, genocidas que se proclamam heróis. Mas dos oprimidos, vilipendiados, roubados. Que sobre o projeto do estado brasileiro (de nos aniquilar em alguns séculos), seguiram firmes em busca da liberdade que ainda hoje não veio.
Apenas quatro gerações de afrodescendentes “livres” separavam o crime hediondo do regime escravocrata nessas terra, e mesmo assim, não vivíamos ainda enquanto cidadãos de direito nesse território. Sem terra, sem direito a educação. Com fome, nos alimentando apenas do sonho de nossos antepassados por viver, além da sobrevivência.
Mesmo diante de condições mais que inapropriadas, em diversas áreas, o protagonismo de nossas mãos propôs na pratica e na teoria, a construção de um pais de todos, e não apenas do europeu usurpador.
No anonimato dessa história, meus avós, meus pais, a exemplo de muitos outros negros, sonharam prosperar e serem melhores para o mundo. Provando a nós e a eles, nossa estirpe, fibra e valor. Se negando a cumprir o plano que traçaram para nós. Nunca sozinhos, sempre reflexos de uma comunidade e rede. Que inevitavelmente é atravessada pelas violências, contradições e traumas de nossos tempos. Sem clamar a pureza que a branquitude se diz portadora. Mas apenas a humanidade, que demonstra a filosofias Bantu, Yorubá e Fon, onde nem nossas divindades são perfeitas, nem sempre boas ou má, são o que são, no momento que lhe é pedido.
Herdeiro apenas desse sonho de liberdade, nascia eu em 1988. Junto de uma esperança de um país democrático, que colocasse o negro e o indígena como seu povo de fato, e não apenas intrusos e criminosos, gente de segunda categoria. Ao menos era o que a “Constituição cidadã” pregava em suas leis.
Longe de usufruir dos direitos propostos na constituição, a população negra ainda vive sobre genocídio, gentrificação e processo de apagamento. Porém, uma das conquistas mais importantes foi o acesso de negros e negras a universidade, ainda que na maioria, por um processo liberal que beneficiou os cursos privados. Grande numero de negros passaram a se inserir na academia e deixando de ser objeto de estudo para brancos de classe média e alta, trazendo as discussões sociais, econômicas e politicas para narrativas mais próximas do nosso povo. Resgatando conhecimentos e tecnologias que são de riqueza e inovação grandiosa, mas que era usurpada ou desvalorizada por forasteiros.
Nesse processo de produzir subjetividades e disputar narrativas e simbologias. Estamos nos contrapondo aos processos coloniais e hegemônicos da branquitude que até pouco tempo se denominavam os “normais”, “genéricos” exemplos categóricos da humanidade. Os escolhidos divinos para dominar todos os outros.
A arte então, poderosa por sua natureza de transformar a realidade ao analisá-la e suspende-la. Vive agora um boom, com grandes exposições acontecendo simultaneamente com destaque a produção de artistas negros.
Fazer parte desse momento, e contribuir com minha vida e minha pesquisa no caminho que tantos outros lutaram, foi o objetivo que sonhei aos quatorze anos, durante uma aula de história, buscando compreender qual o sentido da vida, e porque estamos aqui.
Sou testemunha e representante de um legado, dos que sonharam e lutaram antes de mim. E que lá em 1988, foram otimistas o suficiente para gerar uma vida, em busca de um mundo melhor.
Desconversando o Eu e Imagens Vestígio
Presente na mostra está uma montagem da série de desenhos “Desconversando o Eu” feitas em caneta nanquim, marcador sobre papel color set marfim. Pensados para serem apresentados juntos, os desenho “Transformação”, “Não Tente Correr”, Não verás país nenhum” e “Vai morrer Cedo” são resultado da minha pesquisa imagética chamada “Imagens Vestígio” onde através da acumulação de desenhos de observação, imaginação e texto em cadernos que utilizo enquanto me desloco pela cidade.
Por morar na Zona leste de São Paulo e sempre ter trabalhado e estudado em lugares distantes de no mínimo 1h30 de deslocamento por ônibus, metro e trem. Esses cadernos eram formas de continuar pensando em minha produção artística e exercitando o desenho pela observação. Esse processo foi se tornando uma acumulação de imagens fragmentadas, pois o inicio e fim do desenhos eram atravessados, desde o movimento do transporte, fim do percurso, ou a perda do objeto ou pessoa que estava sendo desenhada.
As escolhas de materiais foram decorrentes dessa necessidade de mobilidade e praticidade. Desenhando diretamente na caneta, sem esboços e utilizando depois as Hachuras e o vermelho do marcador para compor com manchas, camadas, ou definir pontos de foco na composição. Todos os desenhos dos cadernos estão de certa forma, nunca acabados, pois geralmente eu voltava sobre eles e adicionava algum elemento, e as vezes, a mesma página foi construída com dias, meses ou até anos de diferença entre as imagens retratadas.
Resgatando alguns desses desenhos para pensar sobre a subjetividade do artista, homem cis e negro em 2020, 2021. No contexto da pandemia, e pensando como o racismo estava escancarado e o genocídio negros e indígenas em andamento. Minha preocupação era de não produzir um trabalho que fosse apenas uma consequência do racismo estrutural do Brasil, mas que utilizasse a potência das imagens para encontrar e ressaltar a humanidade das pessoas negras e suas especificidades.
Utilizando as linhas de nanquim e a cor vermelha, ressalto essa violência das imagens, mas também recupero simbologias ancestrais. Busco também fazer referência a outros artistas negros que fizeram parte da minha formação. Como o Octávio Araújo e Sidney Amaral e Trenton Doyle Hancock nessas obras em específico.
O Presente de Claudinei
Fazer parte desse momento, que de certa forma, esta tão ligado ao meu ano de nascimento, e também a minha decisão de encerrar meu trabalho como professor do Ensino fundamental em Suzano e mergulhar inteiramente na arte e na literatura, foi extremamente importante para mim. Acredito que será um divisor de aguas em minha trajetória enquanto artista.
Uma oportunidade única que Claudinei Roberto me presenteou e serei sempre grato. Um outro presente foi de me colocar ao lado das obras de Octávio Araújo. Que como já comentei aqui diversas vezes, foi quem me fez ser um artista visual. E durante a adolescência ficava tardes tentando reproduzir suas litografias como forma de aperfeiçoar meu desenho.
Infelizmente não pude conhecer Araújo em vida, porém, me considero um discípulo de sua produção e um exemplo de excelência artística que desejo alcançar um dia.
Aos meus ancestrais
Por ultimo e o mais importante, chegar até aqui nessa exposição foi um trajeto difícil que só foi possível graça as forças ancestrais que guiaram e protegeram minha família, e meus pais Cicero e Regina que me apoiaram e incentivaram sempre com livros, materiais, mesmo que com poucos recursos. E que deram estabilidade para eu poder estudar e pesquisar minha arte.
Penso minha produção como uma retribuição as lutas das pessoas negras que morreram buscando nossa liberdade. E uma forma de buscar justiça, e ainda o mais importante, plantar sonhos para os que virão chegarem mais longe.
Uma Certa Enciclopédia – Exposição
Em setembro aconteceu a exposição “Uma Certa Enciclopédia” na Galeria Tato, foi uma experiência muito enriquecedora. Esta exposição faz parte do programa Casa Tato, que tem como base unir os artistas das casas 8 e 9 com os trabalhos desenvolvidos no acompanhamento artístico promovido galeria.
Nela contribui com duas pinturas que representam os caminhos atuais da minha pesquisa artística. A primeira delas, intitulada “Desconversando o Eu”, realizada em tinta a óleo sobre algodão, mergulha profundamente na temática do corpo do homem negro. Na obra, o corpo suspenso no espaço da pintura serve como um ponto de discussão sobre os estereótipos do racismo que são impostos a esse corpo, e ao mesmo tempo, busca resgatar a subjetividade desse indivíduo, cuja identidade e humanidade frequentemente são apagadas. Inspirado pelas pesquisas de Sidney Amaral, essa obra é uma homenagem e uma tentativa de dar continuidade ao seu pensamento artístico. No cerne da pintura está a exploração da produção de arte “afro-brasileira” e a desconstrução do que a sociedade racista constrói em relação a esse sujeito.
A segunda pintura, “IyejiAde – O vale”, parte da série “Quem Matou Basquiat?”, é uma construção rica e densa que explora a acumulação e a sobreposição de símbolos e formas de representação. Nesta obra, retomei elementos da minha série anterior, “De onde os medos crescem”, que se inspirou no trabalho de Octávio Araujo, bem como na figura icônica de Basquiat. Ao longo desse processo, a filosofia Ubuntu – “eu sou porque nós somos” – tornou-se evidente, representando uma reverência aos artistas negros que vieram antes de mim. Dentro de uma perspectiva Afro-surrealista e no desejo de criar uma arte que seja uma expressão “africana da diáspora”, busquei relacionar a ideia de “Encanto” – o mágico – com elementos do meu cotidiano.
A exposição “Uma Certa Enciclopédia” proporcionou um espaço valioso para explorar questões profundas e sensíveis, contando com a colaboração de produções diversas e instigantes dos meus colegas de Casa Tato 9. Com curadoria de Kátia Salvany, uma das professoras que mais me inspirou durante a graduação na Belas Artes, foi uma oportunidade de compartilhar minhas reflexões e visão de mundo com o público diferente, ao mesmo tempo em que celebro e honro aqueles que vieram antes de mim na jornada. Fico profundamente grato por fazer parte desse evento e pela oportunidade de contribuir para essa enciclopédia viva de expressão artística e cultural.
Fotos de Paulo Pereira – Galeria Tato
Exposição Black Brazil Art
Bienal
Bienal Black art – À treze anos atrás quando me formei em artes e durante os anos de formação. Fiz de tudo para entrar em algum salão de arte, ou fazer exposições em galerias. Esses eram os dois caminhos que eram ensinados na graduação para se entrar no “Circuito”. No entanto, o que não falavam é que este caminho era mais indicados para quem tinha algum contato, era filho, amigo, ou neto de alguém importante. Pois, de outra forma seria bem complicado.
Claro, você também poderia fazer um trabalho da moda e aproveitar alguma onda com um trabalho insipido, mas que chamasse atenção. Em 2008, 2009 era o grafite, mas o grafite feito por pessoas brancas, que eram capturadas pelo mercado de galerias ávidas por trabalhos com cara de “Rua”.
Mudando o Jogo?
No meu caso, minha arte estava em um conflito, que eu nem mesmo sabia enxergar na época. Existiam alguns tabus visuais e teóricos que não se falava na época. Inconscientemente minha produção imagética e temática era muito eurocêntrica, caucasiana. Pois as mídias tinham me ensinado que a branquitude era o padrão. o Ser branco era o humano correto, enquanto fazer uma arte que se parecesse comigo, seria uma arte identitária e panfletária. Não seria uma arte plural. Vejam Só!
Desta forma enquanto artista negro reproduzindo padrões brancos, minha arte não tinha a potência suficiente nem parar chamar atenção pela rebeldia, nem para agradar os brancos que queriam algo mais palatável.
Então, foi com bastante alegria que recebi a noticia de ser selecionado para a Bienal Black Brazil Art. Uma seleção feita por uma curadoria negra, refletindo sobre um tema da existência negra.
Ou seja, uma completa quebra do paradigma que vivi e aprendi, no meu inicio de carreira.
Atualmente, existem muitos curadores, e os espaços expositivos estão se abrindo, mesmo que bem lentamente. Para quebrar as barreiras que o racismo estrutural criam para barrar a arte de artistas negros que falam sobre ser negro no brasil e no mundo.
A Mostra
Uma mostra de artistas negros, pensada por curadores negras, em uma instituição negra. A cinco anos atrás isso era quase impossível, hoje foi uma realidade. Na mostra virtual duas de minhas pinturas – A “Ela tinha sonhos, mas quem vive deles?” e “No Fim, nossas memórias são Inimigas”.
Assim, Mais feliz ainda de participar com minha irmã nessa mostra. Que por conta da pandemia, foi apenas uma montagem online. O ponto positivo é que a exposição pode ser vista na página da Bienal.
As duas pinturas que fiz mostram uma mudança na minha forma de criar imagens e também nos simbolismos empregados.
Durante a faculdade e alguns anos após me formar, utilizei muitas referências à pintores europeus como Dali, Magritti, De Chirico. E nos últimos anos, estudando mais sobre a negritude e refletindo mais sobre essa imposição europeia no meu inconsciente, fui mudando as formas de registros e referências visuais para meus trabalhos.
A mostra teve seu período no primeiro bimestre de 2022, com a participação de vários artistas, palestras, e videoconferências. Uma ótima maneira de fomentar a arte preta e movimentar o mercado.
Um longo caminho
Portanto, Para esse ano estou desenvolvendo novos trabalhos que exploram artistas negros. Basquiat e Bispo de Rosário, relacionando minha produção e pesquisa como a carga que esses dois potentes homens negros trazem em seus trabalhos.
Assim, um longo caminho ainda a seguir para me livrar ou ainda. Utilizar de forma critica essa carga e influencia do cânone eurocêntrico que ainda hoje e que por muito tempo ainda vai comandar o cenário artístico.
Exposição “O Que Nunca Vão Apagar” -2020
A exposição é uma reunião de desenhos e um díptico em pintura que busca discutir o corpo do artista negro em relação a uma sociedade racista e eurocentrica que tenta esteriotipar e apagar a vida desse sujeito.
Diogo Nógue é artista visual, escritor e ilustrador. Como ilustrador e escritor lançou os livros “Trovinhas das cores e amores” de 2016, o de poesias “Pedra Polida” de 2019 e participou da coletânea “Pretos em Contos” em 2020.
Desde 2004 desenvolve sua pesquisa em pintura e desenho, tendo participado de exposições coletivas e individuais dentre elas a mostra “Entre o Real e o Sonho” de 2017 na Casa de Cultura Raul Seixas.
Retorna com a mostra virtual “O que nunca vão apagar”. Uma reunião de 8 desenhos da série “Quem matou Basquiat?” e o díptico em pintura óleo “Desconversando o Eu”
Utilizando de nanquim, lápis grafite, tinta guache, acrílica e marcadores o artista construindo imagens complexas e cheias de camadas que misturam silhuetas, escrita e a anatomia do corpo humano.
Reflexões de como o racismo estrutural e a cultura eurocêntrica apaga e impõe limites de quem pode ser artista, e de como tratar o legado desses, assim como a exclusão e as inseguranças que esse sistema causa aos homens negros são temas centrais das obras.
Assim como no díptico “Desconversando o Eu” autorretrato feitos à tinta à óleo em algodão preparado. O corpo de um homem negro é base para discussão dos estereótipos de força de trabalho e sexualização. Explorando a fragilidade e ressaltando um lado humano sentimental que é ignorado pela sociedade racista brasileira.
A mostra “O que nunca vão apagar” é uma reunião de desenhos e um díptico em pintura que busca discutir o corpo do homem negro, os desafios, medos, felicidades e tristezas que como a sociedade a sua volta o constrói e destrói.
A série de 8 desenhos chamada “Quem matou Basquiat?” feitos em papel canson na medida de 42×29,7 cm é a parte principal da exposição, onde utilizando de nanquim, lápis grafite, tinta guache, acrílica e marcadores vou construindo imagens complexas e cheias de camadas que misturam silhuetas, escrita e a anatomia do corpo humano. As temáticas destes desenhos partem como o nome diz da figura de Basquiat, um dos poucos artistas negros que são aceitos e reconhecidos em todo mundo como um “gênio-da-arte”, que porém morreu precocemente e não pode usufruir do seu legado. Essa reflexão de como o racismo estrutural e a cultura eurocêntrica apaga e impõe limites de quem pode ser artista, e de como tratar o legado desses, assim como a exclusão e as inseguranças que esse sistema causa aos homens negros são trabalhados nos desenhos.
Compondo essa montagem o díptico “Desconversando o Eu” são pinturas autorretrato feitos à tinta à óleo em algodão preparado. O corpo de um homem negro não padrão com rosto, mãos e pés pintados de preto e sem órgão sexual. Esta imagem apaga ou exclui os estereótipos impostos ao homem negro, tido apenas como força de trabalho manual e sexualizada. Nestas pinturas o homem negro que não consegue se comunicar consigo mesmo, se monstra em posição de fragilidade e busca levantar reflexões e ressaltar um lado humano sentimental que é ignorado pela sociedade em geral.
Quem matou Basquiat?
Tive um tempo para refletir minhas influências e a partir da obra de Basquiat desenvolver novos trabalhos em desenho misturando os meus processos e alguns pensamentos da figura do homem preto.
Inhotim – A arte como Poder
Inhotim – A arte como Poder
Território é um dos principais elementos de poder. Os animais e nós, seres humanos descobrimos que é o mais importante.
Inhotim é em primeira instância este tipo de demarcação, em segundo lugar é uma exaltação do poder do dinheiro e por último, a Arte vem para reforçar os dois primeiros ícones de poder. Como sempre foi. Território, dinheiro e Arte = Poder.
Podemos pensar em todo Museu como demonstração de poder. A coleção de objetos e preservação da memória (muitas vezes de “conquistas”, roubos…). Possuir o conhecimento, assim como as “relíquias” que o represente, torna a sociedade que os detém mais sofisticadas. Transformar coleções particulares em públicas (ou emprestá-las), da notoriedade e acrescenta o valor das peças.
A cada passo em Inhotim essa ideia é martelada e parece ser sussurrada junto com o canto dos pássaros, insetos e os animais que passam correndo pelas arvores. O Museu é sobretudo um grito de poder branco à brasileira, que se espelha sempre na Europa e Estados Unidos.
É um retrato fiel da estrutura racista brasileira, partindo da origem do dinheiro e patrimônio do seu idealizador, passando pela forma que o acervo conta a história e fala sobre arte, até chegar nas placas de empresas patrocinadoras e o claro caráter corrupto de sujeira impregnada em cada prédio arquitetônico, jardim paisagístico e lago artificial.
Após essa introdução, quero aqui fazer uma análise da experiência estética que foi a visita ao Museu e Jardim Botânico de Inhotim, vendo o parque todo como passível de leitura conceitual.
Em primeiro lugar a visita a Inhotim é maravilhosa, e o deslumbramento define cada segundo lá dentro, grande parte disso é consequência da natureza por si só, as grandes arvores, vegetação natural e animais. Em segundo a mão do homem usada para lapidar e organizar os espaços, jardins, flores, e elementos arquitetônicos que parecem buscar a harmonia com a natureza. A cada centímetro encontramos o perfume perfeito, a fotografia mais bela, a luz ideal, as cores mais vivas.
Em essência, temos a ideia de santuário, e talvez por isso a peregrinação entre os territórios e monumentos em nome das Musas da Arte se faz tão querente. Cada prédio que abriga uma ou algumas obras de arte parecem querer dar razão para a existência não só dos objetos, mas do próprio fazer artístico. Andamos de “templo em templo” apreciando Ídolos, reverenciando entidades.
A Narrativa de poder é óbvia, sínica e ofensiva, mas procura te distrair com a beleza e encantamento. Novamente o poder do território se faz nos nomes dos pavilhões, afirmando uma história da arte vitoriosa. A grandiosidade é a marca daqui, e talvez a ideia de santuário fique ofuscada pela sensação de calvário.
Para um branco, a visita ao Museu deve trazer orgulho e talvez até felicidade de “ser brasileiro”. Porém para um artista negro, estar em Inhotim é se sentir estrangeiro no próprio país. Chega a ser cômico olhar toda aquela pantomima, mas a afronta é clara e direta, talvez… só talvez, inconsciente.
Aprendi a apreciar e reverenciar alguns dos artistas imortalizados aqui, Adriana Varejão, Tunga, Lygia Pape, Edgar de Souza, Matthew Barney são os que tenho mais “carinho” e ligação pelas temáticas discutidas. Outros nomes são reconhecidos pelas instituições e colecionadores, que até respeito e compreendo. Porém parecem apenas reforçar a demonstração de Poder, seja no fazer da arte (como furar um buraco de 200 metros no solo para se captar o som produzido, ou fincar vigas de ferro enormes no chão), ou no conceito de possuir e a partir disso demonstrar força.
Em Inhotim o poder de fazer é tão importante quanto o de dominar, o pretexto é falar da arte, de questões do ser humano, mas na realidade é uma ode as mãos brancas. Em primeiro plano temos uma família loira de olhos claros, e como fantasmas e esqueletos em cada parte do parque as mãos negras e indígenas sustentam essa fachada, tanto nas obras quanto nos funcionários, monitores, seguranças e etc.
São as próprias obras de arte que vão nos contando essa história, em suas lacunas e entrelinhas (como acontece também fora do museu). Em primeiro lugar, a galeria da Adriana Varejão, quase que central no parque, com suas paredes de carne e ossos, azulejos craquelados parece nos dizer que todas as paredes de Inhotim são feitas do mesmo material humano e que se mantém escondido. No vermelho sangue pendurados sob o lago de True Rouge, e também nos esqueleto e caveiras penduradas na Casa de vidro de Tunga. Como em uma demonstração de culpa cínica, as Galerias de Miguel de Rio Branco e Claudia Andujar com suas câmeras estrangeiras, vão registrar comunidades negras e indígenas sendo afetadas pela mão branca. De maneira um tanto quanto parasita e ofensiva (que merece um texto a parte).
Território é poder, dinheiro é poder, arte é poder – Inhotim é isso, a demonstração do poder fazer, não importando de fato os meios para se fazer. Pois é preciso falar de composição, cor, de espaço, de não lugar, da solidão, da multidão invisível, de cidades derretidas como cemitérios de velas, de pessoas derretidas em cenários de guerra, ou simplesmente a facilidade que o poder te dá de materializar ideias absurdas. Isso é Inhotim.
(veja algumas fotos que tirei em Inhotim no meu Instagram pessoal)
Exposição “Imagens Vestígio” – Desenhos das lembranças
A partir do dia 27 de abril, a mostra Imagens Vestígio vai estar aberta a visitação no Lobo Centro Criativo.
A abertura será as 19h horas desta sexta. Os desenhos estarão a venda pelo período da exposição que termina em 25 de maio.
Neste post vou falar como surgiu a pesquisa e como os trabalhos da mostra foram feitos.
Imagens Vestígio – A Pesquisa
Imagens vestígio surge inicialmente como processo de criação, pesquisa de desenhos e símbolos que eu pudesse usar em minhas pinturas. Ainda em 2009 costurei meu primeiro caderno para usar entre a inda e vinda da faculdade e do trabalho. Para esse caderno escolhi um papel de cor escurecida chamado de Marfim. Sua superfície lisa e sua gramatura média permitiam diferentes usos de materiais, desde o lápis grafite, passando por marcadores, canetinhas e até aguadas simples.
Outro fator determinante para o resultado dos desenhos seria o material: Deveria ser fácil de se carregar e registrar, sem que me preocupasse com secagens ou atravessamento do papel. O feliz encontro e descoberta do Marcador da Montana Colors se uniu as comuns canetas nanquim, (que já usava por ter paixão por hachuras). Deste encontro, nasceu a característica forte, expressiva e simbólica que os desenhos do caderno foram tomando.
As primeiras páginas desse caderno no entanto foram de pesquisa de materiais, usei lápis de cor laranja, aquarela, marcador branco e outros, porém no encontro do marfim, preto e vermelho, foi que achei maior força.
Então saia todos os dias com meu companheiro de viagem, desenhando ambiente, objetos, pessoas em metrô ônibus, fragmentos de obras de arte e desenhos de imaginação, poemas, reflexões sobre minha produção, nomes de artistas, e outras infinidades de coisas. Buscando sempre um desenho sem esboço, direto no nanquim e equilibrando a composição com massas vermelhas uniformes, um universo imagético construído de resquícios de lembranças e registro de esquecimentos, foram se formando, misturando motivos antigos em meu repertório e criando novos.
Consequência do erro, acaso e embate entre material, controle motor e ideia, cada folha do caderno tem uma história e ao revisitá-lo quase sempre sou transportados para o ambiente em que foram produzidas. As vezes a sala de aula, outras em um restaurante de comida barata, outras na mesa de bar de aniversário de amigos, bibliotecas, quartos, estradas, ou a beira do mar.
Toda essa pesquisa que continua até hoje passou por várias fases e meus pontos de interesse foram variando, entre Dali, Goya, Van Gogh, Octávio Araujo, Daniel Senis, Eva Hesse, e tantas outras referências. O meu olhar pelo mundo buscava a relação do corpo com objetos, espaços, com o outro, o real e o sonho.
É interessante pensar na dinâmica de criação dessas imagens, e a relação com o resultado final. Por serem desenhos rápidos, de registos de imagens, pessoas, lugares que estavam passageiras no meu cotidiano, os desenhos tem uma natureza fragmentada, inacabada. Pois muitas vezes o motivo de estudo era perdido, ou interrompido pelo trajeto que tinha que percorrer, uma aula que chegava ao fim, e etc. E as vezes esse desenho só seria “completado” ou finalizado, dias, meses depois. Após ter passado por diversas novas experiências, a revisitação de cada página do caderno era e é constante, A revisitação de memórias, a relembrança, e sobreposição de camadas que ficaram gravadas na feitura de cada página, são o coração desses cadernos.
O primeiro caderno foi finalizado por volta de março de 2010, o segundo foi iniciado em Julho de 2010 e foi nesse momento que as questões da fragmentação se tornaram um motivo consciente e uma busca do corpo recortado, rasgado, costurado, aberto, deformado, muculos, ossos, se tornaram frequentes, o que remetiam a uma violência, a morte e o terror para muitos que observavam o resultado final. Porém o interesse nesses motivos era o poder da linha expressiva, e o como ela potencializava essa violência. Em contra partida, deixei de usar o marcador vermelho em 80% dos estudos, buscando evitar o simbolismo do sangue, dando aos corpos um caráter menos carnal. Com palavras chaves, tiradas do trabalho de Leonilson (Numeros, mãos, cabeças, ramificações, tempo, passagem, corpo, a palavra) e ações (carregar nas costas, segurar junto ao peito, voar, cair, se perder) o segundo caderno se finaliza apenas em março de 2015.
O terceiro caderno iniciado em Maio de 2015 e que ainda estou usando vem me trazendo novas reflexões e busca por representações menos eurocêntricas. Uma visita aos símbolos e imagéticas negras vem sendo minha maior preocupação na criação das imagens no momento. Os fenótipos foram mudando, novas experimentações de materiais e estilos de desenho deixaram as paginas mais variadas.
A Exposição
Para a exposição, resolvi resgatar algumas páginas dos cadernos, desenvolvendo trabalhos maiores e que reconstroem acasos, acidentes, tornando escolhas conscientes processos que tiveram um outro tempo e natureza de nascimento. Além disso, procurei reunir dois grupos de imagens, com natureza distintas nos trabalhos da amostra. No primeiro temos imagens completas, com tons simbólicos e força dramática que conversa com a referência de cada expectador, porém com interpretações mais fechadas. O segundo grupo constrói simbolismos e desperta sensações e interpretações mais abertas, que produzem leituras mais românticas, violentas ou fantásticas de acordo com quem as vê.
Essa revisita as lembranças de 9, 7 anos passados, produziu resultados interessantes e pretendo continuar esses transporte e resignificação dos fragmentos das memórias registradas.
Além também de tornar publico essas pesquisas que ficavam confinadas em meus cadernos, possibilitando novas leituras, e enriquecendo minha poética para futuros trabalhos.
Quem quiser conferir pessoalmente esse trajeto está convidado a visitar a mostra tanto na abertura, como no decorrer do mês de maio.
Serviço:
Exposição Imagens Vestígio – Diogo Nogue
Local: r. capitão cavalcanti, 35A – vila mariana/sp
Visitação: Segunda a Sábado
Site: http://www.lobocc.com.br/
Abertura: 27/04 as 19h