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Exposição Fazer Faz Corpo
Olá a todos! Começamos o ano com uma exposição!
Muito feliz de poder me dedicar ao meu trabalho artístico e estar em diálogo com outros artistas e públicos diferentes.
A mostra Fazer faz Corpo fica aberta de 8/02 até 8/3 de 2024, na Galeria Quarta Parede. Ela faz parte do Projeto Bússola. Concebido e executado por André A. Fernandes e Renato Almeida, o edital que selecionou três artistas (Eu, Ana Freitas e Eduardo Baltazar), tinha a proposta de um acompanhamento artístico dedicado, e que ao final pudéssemos produzir um trabalho novo, derivado da experiência do programa.
No fim do post deixo todos os detalhes de horários, curadores e links sobre a mostra.
Projeto Bússola
Ao longo dos encontros, tivemos conversas profundas sobre nossas produções e reflexões complexas sobre o fazer, estratégias, temáticas, e as escolhas de um trabalho especifico, o que nos levava a discussões densas sobre arte, o artista e seu entorno.
A importância do trabalho em grupo, a troca entre os orientadores e orientandos, o ouvir e ser ouvido, foram aspectos importantes para que cada um de nós nos alimentássemos de todo o processo.
Para mim, gerou mudanças e alinhou pensamentos sobre meu fazer, o objetivo das minhas imagens e a busca mais consciente dos elementos que emprego.
O Ponto de partida
Corpo Encanto foi um trabalho produzido entre o ano de 2022. Resultado da pesquisa iniciada em 2020 – Quem Matou Basquiat?, mas que foi fecundada em 2018, depois de minha visita até Inhotim. Que pode ser lida aqui e aqui.
A partir dessas conjunções começo a ter clareza sobre as marcas da colonialidade e como a História da Arte é na verdade a história da construção da supremacia branca sobre os povos não brancos. E que a partir dessa consciência, me sinto no dever de contestar essa hegemonia. Olhando para os que vieram antes de mim e refletindo quais equipamentos eles tinham e quais tenho agora, para reivindicar todo poder simbólico da arte ocidental, que foi pago com sangue e a vida dos meus antepassados, para ajudar na reconstrução de nossa história.
Partindo do isolamento de três signos da pintura acima: 1. o texto e suas escritas; 2. As plantas e a ligação com cultura afro-diaspóricas e 3. O corpo enclausurado. Parti para exercícios de pensar forma e conteúdo na produção de significados.
Ter consciência de uma imagem parte de vários fatores como por exemplo sua origem: Realidade, memória, imaginação; sua apresentação: concreta, reprodução, imaterial; Sua construção: fotografia, desenho, pintura, digital, objeto tridimensional…
Esses fatores carregam a imagem de indiciais históricos, temporais, filosóficos, culturais, políticos e etc.
Dissecando o fazer
Um elemento da Corpo Encanto que praticamente finalizou o trabalho foi a adição das plantas Piperegum-verde e Guiné-cabloco no canto esquerdo da pintura. O tratamento que busquei era uma referência a pinturas de pano de prato e seu objetivo era trazer a ligação da natureza e das plantas com o existir negro.
Coletando o Herbário
Partindo dele e, indo para o papel, busquei a tradução para o desenho botânico, como um elemento do eurocentrismo, referente as expedições pré-ciência dos naturalista e o registro da natureza por artistas viajantes que vão depois ser atualizados na modernidade pelo estudo da botânica e ergologia. Neste jogo trouxe o texto relacionando a escrita manuscrita e a escrita tipográfica também contrapondo dois índices de cultura e origem.
A sugestão do Renato e André foi a de levar esse desenho para o suporte direto do pano de prato e neste jogo, o gesto do desenho se une aos índices do suporte.
Por confluência, em casa tenho muitos panos de prato velhos, que apesar de longo tempo de uso não os descarto, por foram presentes e trocas entre minha mãe Regina e minha tia Ana, suas marcas de uso e marcas do tempo sempre me atraíram e esses objetos fazem parte do meu cotidiano de diferentes maneiras e a fatura e uso deles guardam um arte diminuída, a invisibilidade, mas também o cuidar e a presença das mulheres como minha mãe, tia e minha avó Rosa no trabalho de fazer vingar sua prole.
Assim a construção dessa obra tem um profundo valor afetivo, histórico, e diferentes caminhos de aproximação, que se tornaram muito especiais para mim.
O Corpo em Desencanto
O corpo enclausurado é uma temática que trabalho a partir dos objetos “Eu lembro, Eu esqueço” onde bonecas de porcelana interagem em caixas de vidro.
Dessa imagem, e a reflexão da série “Quem Matou Basquiat?” surgiu o corpo na caixa dourada, presente nos desenhos “Dia desses vão te esquecer” e em “Corpo Encanto”.
Explorando esse elemento em isolado, primeiro no grafite, depois na aquarela, e por último no guache, identifiquei algumas potencialidades, e levando para a discussão coletiva, um novo trabalho foi surgindo.
Diante dos acabamentos resultantes, resolvi fazer um outro movimento: Utilizar o corpo simbólico da pintura, para produzir essas imagens.
Para esse trabalho queria trazer a narrativa porém sem o uso do texto. Assim com a fragmentação e composição, busquei relacionar as três telas na construção de uma imagem.
Nesse processo, estava produzindo uma série de desenhos derivados da minha pesquisa “Imagens vestígio” e “Desconversando o Eu” onde também trabalho a fragmentação das imagens para compor um sentido maior. Esse modo de construção também é uma conversa com a composição de Basquiat, onde separando elementos por enquadramentos derivados do quadrinho ele organiza a composição.
Assim, em Corpo em Desencanto a busca por uma estética afro-surrealista se dá pelo contexto. A temática do embate entre o corpo e as influências do cientifico e o mágico estão presentes nas pesquisas que apresento nessa exposição. Diferindo dos estudos, busquei um acabamento da pintura mais liso e com poucas marcas de pincelada, porém trazendo a textura e as manchas para o fundo. Construindo as figuras por camadas e buscando a construção de um ambiente com gravidade, porém pouco peso, com atmosfera, porém pouca profundidade. Construir com poucos elementos uma atmosfera de mistério, uma dimensão de realidade alheia, onde o observador não sabe ao certo onde posicionar seu repertório e nessa busca, se encontre com um sentimento de estranhamento e angustia daquelas composições.
O objetivo da montagem na vertical é utilizar o espaço expositivo de forma consciente do seu papel. Assim como o objeto tela está consciente de si. A pintura não é só o que ele mostra, mas como e onde mostra.
A posição acima dos olhos do observador traz desafios para a visão e o o corpo. Tanto pelo reflexo da luz na tela, quanto pela distorção de perspectiva. Assim como o olhar para cima, conversa com a temática, e a construção de sentido que a relação das três podem proporcionar.
Fiquei contente com o processo da orientação artística, a troca com os colegas e curadores e também com a exposição. Desejo agora que o público aprecie nosso trabalho árduo e vá conferir a mostra pessoalmente. Segue abaixo todos os detalhes e link para a galeria.
Texto Curadoria
A exposição Fazer Faz Corpo reúne três artistas brasileiros que utilizam principalmente a pintura e o desenho como linguagem – Ana Freitas, Diogo Nógue e Eduardo Baltazar – na Galeria Quarta Parede, Vila Mariana, de 8 de fevereiro a 8 de março de 2024. Os três artistas foram selecionados pelo edital Projeto Bússola, concebido e executado pelo pesquisador André Aureliano Fernandes e pelo artista Renato Almeida, no âmbito das atividades do Coletivo Borde, com a finalidade de aprofundar seus processos poéticos.
O título da exposição Fazer Faz Corpo refere-se a dois termos caros: ao fazer manual e ao corpo da pintura. A intenção com o título é destacar diferentes estratégias de abordagem de uma linguagem de longa tradição cujos resultados podem ser observados a seguir.
Ana Freitas apresenta uma pintura sedutora pelo uso das cores que desde o primeiro momento pergunta pelo desenho. Pintura e desenho tensionados entre si se relacionam com o conhecimento científico, que é abstrato, trazendo-o de volta ao concreto, pela forma.
Diogo Nógue cria imagens que tematizam a representação do corpo, assim como práticas e tradições negras. Do corpo no espaço pictórico à mancha no pano de prato, o artista encontra meios de recuperar e inscrever elementos de matriz afro-brasileira em sínteses que associam medicina e religião, sensibilidade e ideia. Tais sínteses dão contorno ao corpo do próprio artista.
Eduardo Baltazar investiga a iluminação baixa para ralentar o tempo, criar um retardamento, por meio de massas de tinta que se acumulam nas bordas e insinuam a figura no centro, cujos valores de cores, com pequenas variações, instituem negativamente o contracampo do próprio olhar do pintor.
Texto dos curadores sobre meu trabalho
Dizer que corpo, práticas e tradições negras são temas da obra de Diogo Nógue seria pouco. É um pouco mais preciso dizer que corpo, práticas e tradições negras situam de um certo modo a experiência do artista no mundo. Esse deslocamento dos termos da arte à experiência cotidiana fornece um certo entendimento dos trabalhos de Diogo Nógue e os colocam em perspectiva política, que é o modo como encontrou para se inscrever nos sistemas das artes contemporâneas, incluindo a palavra literária e a palavra que educa como docente da rede pública do Estado de São Paulo.
Mobilizada de maneira material, simbólica e religiosa em diferentes obras, a representação do corpo negro dialoga criticamente com noções brancas tidas como dadas, apontando elementos da grave violência estrutural, como o encaixotamento do humano em um categoria abstrata, que rouba sua humanidade. A afirmação do corpo negro e do corpo negro como agente político está presente no corpo da pintura. Ela surge aparece em Corpo Encanto (2022) por meio da recuperação simbólica de elementos fragmentados e torna-se central no Tríptico – Corpo em Desencanto (2023-2024), em que uma massa de tinta opera como uma massa corpórea em espaço cúbico ideal. Ali, a categoria é explicitada como caricatura pictórica de uma existência segundo outra perspectiva que não aquela dela mesma.
Nesse sentido, a presença do corpo constitui-se no exercício político de cujos traços e tensões se fazem convidando a todos a olhar a realidade de outro modo. Ao inscrever o corpo negro no debate público, Diogo parece considerar a arte mais do que um conjunto de saberes técnicos estáveis, um instrumento político a que pergunta: para quê tais saberes são úteis? para quem eles falam? falam o quê? propondo um tensionamento político entre o útil e o agradável.
Na série Herbário do Cuidar, Vingar e Refazer (2023-2024), a representação do corpo assume o suporte – o pano de prato – como meio e (pelo menos parte da) mensagem, dando contornos nuançados para as tradições cotidianas. Ervas como erva-cidreira, guiné, anis relacionam não só os cuidados doméstico com o corpo, como também fazem ligação da arte com a medicina e a religiões de matriz afro-brasileiras. As manchas do suporte são índices de história, assim como o bordado alude ao cuidado e às tradições manuais que devem gozar do mesmo estatuto que a pintura. Assim, o artista produz uma genealogia de gestos, práticas, história, dando reconhecimento e contextualizando às suas próprias tradições, como em uma festa que não se extrai simplesmente um elemento como produto, mas se faz compreender no todo. Essa contextualização pode levar à cozinha onde as pessoas conversam e aos quintais onde as plantas vivem, de modo que não é o traço técnico ou a pequena sacada que interessa, mas um conjunto de sínteses de problemas brasileiros complexos que apontam o grupo e somente pelo grupo onde cada um é parte e toma parte é que podem indicar alguma cura.
Em suma, no trabalho de Diogo Nógue, corpo é afirmação de vida, de so- brevivência, não apenas pela cicatriz, mas pelo reconhecimento de práticas tradicionais e de grupo. E, ao dar dignidade à vida cotidiana, produz um movimento que procura por seus meios superar a naturalização da violência e encontrar na arte condições de pensar natureza como linguagem, trazendo consigo percursos históricos que são coletivos e sem o quais não há sentido possível de história.
Serviço
Fazer Faz Corpo
CURADORIA: @andreaureliano e @_renato_almeida_
ARTISTAS: @anafreitas_atelie, @diogonogueart e @_eduardo_baltazar_
Horários
Terça: 14h – 18h
Quarta: 10h – 22h
Quinta: 19h – 22h
Sexta: 10h – 18h
Sábado: 10h – 18h
Domingo e Segunda: Fechados
+ 55 11 91437-9720
Av Conselheiro Rodrigues Alves 722
Vila Mariana – São Paulo – SP
CEP: 04014-002
Mãos – 35 Anos da Mão afro-brasileira
Em 1988 a nova constituição do Brasil era promulgada, no centenário da suposta “abolição” da escravatura.
Saindo de vinte e quatro anos de regime ditatorial do golpe de 64. Um artista negro, curador e museólogo Emanuel Araújo promove a exposição “A mão afro-brasileira” no MAM para marcar o centenário da lei Aurea e principalmente, o trabalho de homens e mulheres negras que construíram este país.
Um marco icônico e histórico da diáspora africana nesse território. Emanuel mostrou, pelo viés artístico, como as mãos negras, construtoras forçadas dessa nação, resistiram e criaram uma leitura de mundo forte, inovadora, ancestral.
Reunindo artistas que, ao mesmo tempo que se alimentaram do que as diferentes etnias indígenas sabiam desta terra, desenvolveram as suas próprias. Elaborando estratégias e mecanismos de sobrevivência também com a cultura do opressor europeu. Uma delas, a ginga, permitiu transpassar por debaixo de violências e epistemicídios, uma filosofia, história, e tradições com resquícios de uma memória ancestral das nações raptadas e destruídas no continente antigo.
Registrando nomes e a produção intelectual de homens e mulheres negras que, de outra forma, seriam esquecidos e apagados da história deste território colonizado. Emanuel construiu um pedestal, um memorial, um altar para os que vieram antes de nós. Mesmo que ainda incompleta, e incapaz de reunir a grandeza de nossa gente e as diversas vidas e comunidades necessárias para cada um daqueles nomes integrar a exposição, nos deixou um legado firme para sabermos para onde seguir.
A importância dessa mostra é tamanha, que a partir dela, Emanuel criará o Museu Afro-Brasil. Recontando em seu acervo, como protagonistas de nossa história, a visão não do colonizador, genocidas que se proclamam heróis. Mas dos oprimidos, vilipendiados, roubados. Que sobre o projeto do estado brasileiro (de nos aniquilar em alguns séculos), seguiram firmes em busca da liberdade que ainda hoje não veio.
Apenas quatro gerações de afrodescendentes “livres” separavam o crime hediondo do regime escravocrata nessas terra, e mesmo assim, não vivíamos ainda enquanto cidadãos de direito nesse território. Sem terra, sem direito a educação. Com fome, nos alimentando apenas do sonho de nossos antepassados por viver, além da sobrevivência.
Mesmo diante de condições mais que inapropriadas, em diversas áreas, o protagonismo de nossas mãos propôs na pratica e na teoria, a construção de um pais de todos, e não apenas do europeu usurpador.
No anonimato dessa história, meus avós, meus pais, a exemplo de muitos outros negros, sonharam prosperar e serem melhores para o mundo. Provando a nós e a eles, nossa estirpe, fibra e valor. Se negando a cumprir o plano que traçaram para nós. Nunca sozinhos, sempre reflexos de uma comunidade e rede. Que inevitavelmente é atravessada pelas violências, contradições e traumas de nossos tempos. Sem clamar a pureza que a branquitude se diz portadora. Mas apenas a humanidade, que demonstra a filosofias Bantu, Yorubá e Fon, onde nem nossas divindades são perfeitas, nem sempre boas ou má, são o que são, no momento que lhe é pedido.
Herdeiro apenas desse sonho de liberdade, nascia eu em 1988. Junto de uma esperança de um país democrático, que colocasse o negro e o indígena como seu povo de fato, e não apenas intrusos e criminosos, gente de segunda categoria. Ao menos era o que a “Constituição cidadã” pregava em suas leis.
Longe de usufruir dos direitos propostos na constituição, a população negra ainda vive sobre genocídio, gentrificação e processo de apagamento. Porém, uma das conquistas mais importantes foi o acesso de negros e negras a universidade, ainda que na maioria, por um processo liberal que beneficiou os cursos privados. Grande numero de negros passaram a se inserir na academia e deixando de ser objeto de estudo para brancos de classe média e alta, trazendo as discussões sociais, econômicas e politicas para narrativas mais próximas do nosso povo. Resgatando conhecimentos e tecnologias que são de riqueza e inovação grandiosa, mas que era usurpada ou desvalorizada por forasteiros.
Nesse processo de produzir subjetividades e disputar narrativas e simbologias. Estamos nos contrapondo aos processos coloniais e hegemônicos da branquitude que até pouco tempo se denominavam os “normais”, “genéricos” exemplos categóricos da humanidade. Os escolhidos divinos para dominar todos os outros.
A arte então, poderosa por sua natureza de transformar a realidade ao analisá-la e suspende-la. Vive agora um boom, com grandes exposições acontecendo simultaneamente com destaque a produção de artistas negros.
Fazer parte desse momento, e contribuir com minha vida e minha pesquisa no caminho que tantos outros lutaram, foi o objetivo que sonhei aos quatorze anos, durante uma aula de história, buscando compreender qual o sentido da vida, e porque estamos aqui.
Sou testemunha e representante de um legado, dos que sonharam e lutaram antes de mim. E que lá em 1988, foram otimistas o suficiente para gerar uma vida, em busca de um mundo melhor.
Desconversando o Eu e Imagens Vestígio
Presente na mostra está uma montagem da série de desenhos “Desconversando o Eu” feitas em caneta nanquim, marcador sobre papel color set marfim. Pensados para serem apresentados juntos, os desenho “Transformação”, “Não Tente Correr”, Não verás país nenhum” e “Vai morrer Cedo” são resultado da minha pesquisa imagética chamada “Imagens Vestígio” onde através da acumulação de desenhos de observação, imaginação e texto em cadernos que utilizo enquanto me desloco pela cidade.
Por morar na Zona leste de São Paulo e sempre ter trabalhado e estudado em lugares distantes de no mínimo 1h30 de deslocamento por ônibus, metro e trem. Esses cadernos eram formas de continuar pensando em minha produção artística e exercitando o desenho pela observação. Esse processo foi se tornando uma acumulação de imagens fragmentadas, pois o inicio e fim do desenhos eram atravessados, desde o movimento do transporte, fim do percurso, ou a perda do objeto ou pessoa que estava sendo desenhada.
As escolhas de materiais foram decorrentes dessa necessidade de mobilidade e praticidade. Desenhando diretamente na caneta, sem esboços e utilizando depois as Hachuras e o vermelho do marcador para compor com manchas, camadas, ou definir pontos de foco na composição. Todos os desenhos dos cadernos estão de certa forma, nunca acabados, pois geralmente eu voltava sobre eles e adicionava algum elemento, e as vezes, a mesma página foi construída com dias, meses ou até anos de diferença entre as imagens retratadas.
Resgatando alguns desses desenhos para pensar sobre a subjetividade do artista, homem cis e negro em 2020, 2021. No contexto da pandemia, e pensando como o racismo estava escancarado e o genocídio negros e indígenas em andamento. Minha preocupação era de não produzir um trabalho que fosse apenas uma consequência do racismo estrutural do Brasil, mas que utilizasse a potência das imagens para encontrar e ressaltar a humanidade das pessoas negras e suas especificidades.
Utilizando as linhas de nanquim e a cor vermelha, ressalto essa violência das imagens, mas também recupero simbologias ancestrais. Busco também fazer referência a outros artistas negros que fizeram parte da minha formação. Como o Octávio Araújo e Sidney Amaral e Trenton Doyle Hancock nessas obras em específico.
O Presente de Claudinei
Fazer parte desse momento, que de certa forma, esta tão ligado ao meu ano de nascimento, e também a minha decisão de encerrar meu trabalho como professor do Ensino fundamental em Suzano e mergulhar inteiramente na arte e na literatura, foi extremamente importante para mim. Acredito que será um divisor de aguas em minha trajetória enquanto artista.
Uma oportunidade única que Claudinei Roberto me presenteou e serei sempre grato. Um outro presente foi de me colocar ao lado das obras de Octávio Araújo. Que como já comentei aqui diversas vezes, foi quem me fez ser um artista visual. E durante a adolescência ficava tardes tentando reproduzir suas litografias como forma de aperfeiçoar meu desenho.
Infelizmente não pude conhecer Araújo em vida, porém, me considero um discípulo de sua produção e um exemplo de excelência artística que desejo alcançar um dia.
Aos meus ancestrais
Por ultimo e o mais importante, chegar até aqui nessa exposição foi um trajeto difícil que só foi possível graça as forças ancestrais que guiaram e protegeram minha família, e meus pais Cicero e Regina que me apoiaram e incentivaram sempre com livros, materiais, mesmo que com poucos recursos. E que deram estabilidade para eu poder estudar e pesquisar minha arte.
Penso minha produção como uma retribuição as lutas das pessoas negras que morreram buscando nossa liberdade. E uma forma de buscar justiça, e ainda o mais importante, plantar sonhos para os que virão chegarem mais longe.
Exposição “Meu Corpo que te Abriga”
Meu Corpo que te abriga – No mês de novembro, dia 23, abri uma exposição de desenhos e pinturas na cidade de Santo André.
A princípio, o convite para a exposição no Centro de Formação de Professores Clarice Lispector foi uma ótima surpresa no fim do ano. Assim, fiquei muito feliz pelas mostras que pude participar ao longo de 2022. Duas coletivas cheias de ótimos artistas. Então, foi ótimo finalizar o ano com uma individual.
Tive total liberdade e o espaço para mostra foi bem generoso. Decidi por reunir algumas séries que tinham tudo a ver com a Decolonização (tema das palestras e eventos voltados a professores do EJA na rede).
Ano passado, eu fui convidado para participar de uma palestra em Santo André sobre o mesmo assunto. Porém por conta da pandemia, tivemos que fazer on-line. Desta vez, conseguimos nos encontrar presencialmente. Assim, levar para os professores e alunos da rede uma reflexão que passa pelo meu trabalho como professor no ensino fundamental e também como artista.
Descolonizando o Olhar
Desde o ano passado, e partindo das minhas pesquisas que culminaram na exposição “O que nunca vão apagar” (2020), revisitei minha produção da faculdade e pós formação. E pude ver, criticamente, como minhas referências visuais eram muito caucasianas. Fruto de um repertório visual construído a partir de livros de história da arte, críticos e um currículo eurocêntrico.
Logo, minhas preferências culturais também ficaram muito focadas em gostos brancos, tive que me “desintoxicar” desse meio, frequentando mais polos de cultura negra, ouvindo mais musica, literatura, culinária e arte negra.
Enfim, Foi uma volta as raízes e uma volta a mim mesmo. Deixar de tentar me encaixar em um padrão do que eu achava, era a única forma de parecer um “artista de verdade”.
O Corpo que me abriga
Primeiramente, a investigação da representação do corpo sempre esteve presente em minha arte. Muitos apontavam a questão da violência que as imagens invocavam por se tratar de corpos fragmentados, anatomias com músculos, ossos, e veias aparecendo. Porém, para um artista, assimilar o corpo como um objeto de estudo é algo muito natural, ver as figuras apenas como um motivo para exercitar o gráfico, luz, sombra, linhas e manchas.
Nos anos 90, enquanto crescia, essa violência gráfica era muito comum e muito consumida. Estava fácil na TV, filmes de terror, jogos de videogame, revistas e até em fotos de acidades. Portanto, em meu subconsciente era algo muito normal, algo que para outras pessoas era muito forte.
Dessa forma, quando emprego essa representação para tratar da violência contra o corpo negro, para um publico estruturalmente racista, vira uma arte indenitária. Já que para a branquitude, o homem branco é o genérico, eles não percebem que toda a arte deles é indenitária e, ainda mais, supremacista.
Em síntese, tive que expulsar esse conceito do branco como o genérico e padrão, para enfim, meu corpo me abrigar de forma confortável.
Veja como foi a mostra
Serviço
Meu corpo que te abriga – Diogo Nógue
C.F.P Clarice Lispector – Rua Tirol, 248 – Santo André
Visitas de Segunda à Sexta – Horário comercial
Até 10 de dezembro de 2022
Exposição “O Que Nunca Vão Apagar” -2020
A exposição é uma reunião de desenhos e um díptico em pintura que busca discutir o corpo do artista negro em relação a uma sociedade racista e eurocentrica que tenta esteriotipar e apagar a vida desse sujeito.
Diogo Nógue é artista visual, escritor e ilustrador. Como ilustrador e escritor lançou os livros “Trovinhas das cores e amores” de 2016, o de poesias “Pedra Polida” de 2019 e participou da coletânea “Pretos em Contos” em 2020.
Desde 2004 desenvolve sua pesquisa em pintura e desenho, tendo participado de exposições coletivas e individuais dentre elas a mostra “Entre o Real e o Sonho” de 2017 na Casa de Cultura Raul Seixas.
Retorna com a mostra virtual “O que nunca vão apagar”. Uma reunião de 8 desenhos da série “Quem matou Basquiat?” e o díptico em pintura óleo “Desconversando o Eu”
Utilizando de nanquim, lápis grafite, tinta guache, acrílica e marcadores o artista construindo imagens complexas e cheias de camadas que misturam silhuetas, escrita e a anatomia do corpo humano.
Reflexões de como o racismo estrutural e a cultura eurocêntrica apaga e impõe limites de quem pode ser artista, e de como tratar o legado desses, assim como a exclusão e as inseguranças que esse sistema causa aos homens negros são temas centrais das obras.
Assim como no díptico “Desconversando o Eu” autorretrato feitos à tinta à óleo em algodão preparado. O corpo de um homem negro é base para discussão dos estereótipos de força de trabalho e sexualização. Explorando a fragilidade e ressaltando um lado humano sentimental que é ignorado pela sociedade racista brasileira.
A mostra “O que nunca vão apagar” é uma reunião de desenhos e um díptico em pintura que busca discutir o corpo do homem negro, os desafios, medos, felicidades e tristezas que como a sociedade a sua volta o constrói e destrói.
A série de 8 desenhos chamada “Quem matou Basquiat?” feitos em papel canson na medida de 42×29,7 cm é a parte principal da exposição, onde utilizando de nanquim, lápis grafite, tinta guache, acrílica e marcadores vou construindo imagens complexas e cheias de camadas que misturam silhuetas, escrita e a anatomia do corpo humano. As temáticas destes desenhos partem como o nome diz da figura de Basquiat, um dos poucos artistas negros que são aceitos e reconhecidos em todo mundo como um “gênio-da-arte”, que porém morreu precocemente e não pode usufruir do seu legado. Essa reflexão de como o racismo estrutural e a cultura eurocêntrica apaga e impõe limites de quem pode ser artista, e de como tratar o legado desses, assim como a exclusão e as inseguranças que esse sistema causa aos homens negros são trabalhados nos desenhos.
Compondo essa montagem o díptico “Desconversando o Eu” são pinturas autorretrato feitos à tinta à óleo em algodão preparado. O corpo de um homem negro não padrão com rosto, mãos e pés pintados de preto e sem órgão sexual. Esta imagem apaga ou exclui os estereótipos impostos ao homem negro, tido apenas como força de trabalho manual e sexualizada. Nestas pinturas o homem negro que não consegue se comunicar consigo mesmo, se monstra em posição de fragilidade e busca levantar reflexões e ressaltar um lado humano sentimental que é ignorado pela sociedade em geral.
Quem matou Basquiat?
Tive um tempo para refletir minhas influências e a partir da obra de Basquiat desenvolver novos trabalhos em desenho misturando os meus processos e alguns pensamentos da figura do homem preto.
Exposição “Imagens Vestígio” – Desenhos das lembranças
A partir do dia 27 de abril, a mostra Imagens Vestígio vai estar aberta a visitação no Lobo Centro Criativo.
A abertura será as 19h horas desta sexta. Os desenhos estarão a venda pelo período da exposição que termina em 25 de maio.
Neste post vou falar como surgiu a pesquisa e como os trabalhos da mostra foram feitos.
Imagens Vestígio – A Pesquisa
Imagens vestígio surge inicialmente como processo de criação, pesquisa de desenhos e símbolos que eu pudesse usar em minhas pinturas. Ainda em 2009 costurei meu primeiro caderno para usar entre a inda e vinda da faculdade e do trabalho. Para esse caderno escolhi um papel de cor escurecida chamado de Marfim. Sua superfície lisa e sua gramatura média permitiam diferentes usos de materiais, desde o lápis grafite, passando por marcadores, canetinhas e até aguadas simples.
Outro fator determinante para o resultado dos desenhos seria o material: Deveria ser fácil de se carregar e registrar, sem que me preocupasse com secagens ou atravessamento do papel. O feliz encontro e descoberta do Marcador da Montana Colors se uniu as comuns canetas nanquim, (que já usava por ter paixão por hachuras). Deste encontro, nasceu a característica forte, expressiva e simbólica que os desenhos do caderno foram tomando.
As primeiras páginas desse caderno no entanto foram de pesquisa de materiais, usei lápis de cor laranja, aquarela, marcador branco e outros, porém no encontro do marfim, preto e vermelho, foi que achei maior força.
Então saia todos os dias com meu companheiro de viagem, desenhando ambiente, objetos, pessoas em metrô ônibus, fragmentos de obras de arte e desenhos de imaginação, poemas, reflexões sobre minha produção, nomes de artistas, e outras infinidades de coisas. Buscando sempre um desenho sem esboço, direto no nanquim e equilibrando a composição com massas vermelhas uniformes, um universo imagético construído de resquícios de lembranças e registro de esquecimentos, foram se formando, misturando motivos antigos em meu repertório e criando novos.
Consequência do erro, acaso e embate entre material, controle motor e ideia, cada folha do caderno tem uma história e ao revisitá-lo quase sempre sou transportados para o ambiente em que foram produzidas. As vezes a sala de aula, outras em um restaurante de comida barata, outras na mesa de bar de aniversário de amigos, bibliotecas, quartos, estradas, ou a beira do mar.
Toda essa pesquisa que continua até hoje passou por várias fases e meus pontos de interesse foram variando, entre Dali, Goya, Van Gogh, Octávio Araujo, Daniel Senis, Eva Hesse, e tantas outras referências. O meu olhar pelo mundo buscava a relação do corpo com objetos, espaços, com o outro, o real e o sonho.
É interessante pensar na dinâmica de criação dessas imagens, e a relação com o resultado final. Por serem desenhos rápidos, de registos de imagens, pessoas, lugares que estavam passageiras no meu cotidiano, os desenhos tem uma natureza fragmentada, inacabada. Pois muitas vezes o motivo de estudo era perdido, ou interrompido pelo trajeto que tinha que percorrer, uma aula que chegava ao fim, e etc. E as vezes esse desenho só seria “completado” ou finalizado, dias, meses depois. Após ter passado por diversas novas experiências, a revisitação de cada página do caderno era e é constante, A revisitação de memórias, a relembrança, e sobreposição de camadas que ficaram gravadas na feitura de cada página, são o coração desses cadernos.
O primeiro caderno foi finalizado por volta de março de 2010, o segundo foi iniciado em Julho de 2010 e foi nesse momento que as questões da fragmentação se tornaram um motivo consciente e uma busca do corpo recortado, rasgado, costurado, aberto, deformado, muculos, ossos, se tornaram frequentes, o que remetiam a uma violência, a morte e o terror para muitos que observavam o resultado final. Porém o interesse nesses motivos era o poder da linha expressiva, e o como ela potencializava essa violência. Em contra partida, deixei de usar o marcador vermelho em 80% dos estudos, buscando evitar o simbolismo do sangue, dando aos corpos um caráter menos carnal. Com palavras chaves, tiradas do trabalho de Leonilson (Numeros, mãos, cabeças, ramificações, tempo, passagem, corpo, a palavra) e ações (carregar nas costas, segurar junto ao peito, voar, cair, se perder) o segundo caderno se finaliza apenas em março de 2015.
O terceiro caderno iniciado em Maio de 2015 e que ainda estou usando vem me trazendo novas reflexões e busca por representações menos eurocêntricas. Uma visita aos símbolos e imagéticas negras vem sendo minha maior preocupação na criação das imagens no momento. Os fenótipos foram mudando, novas experimentações de materiais e estilos de desenho deixaram as paginas mais variadas.
A Exposição
Para a exposição, resolvi resgatar algumas páginas dos cadernos, desenvolvendo trabalhos maiores e que reconstroem acasos, acidentes, tornando escolhas conscientes processos que tiveram um outro tempo e natureza de nascimento. Além disso, procurei reunir dois grupos de imagens, com natureza distintas nos trabalhos da amostra. No primeiro temos imagens completas, com tons simbólicos e força dramática que conversa com a referência de cada expectador, porém com interpretações mais fechadas. O segundo grupo constrói simbolismos e desperta sensações e interpretações mais abertas, que produzem leituras mais românticas, violentas ou fantásticas de acordo com quem as vê.
Essa revisita as lembranças de 9, 7 anos passados, produziu resultados interessantes e pretendo continuar esses transporte e resignificação dos fragmentos das memórias registradas.
Além também de tornar publico essas pesquisas que ficavam confinadas em meus cadernos, possibilitando novas leituras, e enriquecendo minha poética para futuros trabalhos.
Quem quiser conferir pessoalmente esse trajeto está convidado a visitar a mostra tanto na abertura, como no decorrer do mês de maio.
Serviço:
Exposição Imagens Vestígio – Diogo Nogue
Local: r. capitão cavalcanti, 35A – vila mariana/sp
Visitação: Segunda a Sábado
Site: http://www.lobocc.com.br/
Abertura: 27/04 as 19h