Recentemente um amigo, que gosto muito, enviou-me um vídeo de um cara fazendo um react. O objetivo deste vídeo era contestar um uma Youtube PHD em mecânica quântica que desmascarava um desse Coach golpistas que mistura espiritualismo e ciência. Para mim foi como um registro detalhado do arquétipo – O Homem branco burro empoderado.
Em cinco segundos desse cara falando, já dei risada e sabia que não ia levar a sério nada do que ele estava dizendo. Imagine você um cara branco, com bigodinho de Salvador Dali, barba por fazer, topete alto trabalhado no Gel e camisa com estampa xadrez! A pessoa que tem coragem de se vestir assim em frente a uma câmera já perde toda credibilidade. Mas piora.
Com uma estranha vontade de autopunição, continuei assistindo a fala desse ser. Cada frase dele me mostrava o tipo de pessoa que ele era, e eu sentia nojo. Em resumo, ele desmerecia as credenciais de uma cientista PHD por ela ser mulher e tentava validar a ideia de que não é preciso ter um diploma, certificado, nem nada, para poder falar com propriedade de assuntos complexos e nisso confundia Metafisica com a Física Quântica, misoginia com opinião e burrice com inteligência. Fazendo analogias esdruxulas em 3 minutos de vídeo ele já tinha sido misógino, machista, manipulador, passivo agressivo e…. Burro, muito burro. Era inacreditável, o discurso que ele expelia, na cabeça dele, tinha o objetivo de exaltar a própria inteligência, mas na verdade só deixava claro a limitação de interpretação e leitura de dados e fatos.
Parei de assistir, olhei o tempo de duração era mais de uma hora dele falando. Milhares de visualizações, vários comentários concordando. Procurei por algum indicio que ele era um personagem, que talvez tivesse um plot-twist no meio, e que estava sendo irônico com o tipo de pessoa que acha que é um gênio, mas é limitado. Mas não… não era um personagem, não era um ator.
E foi então que eu pensei… Isso tem que acabar…
O HBBE – Homem Branco Burro Empoderado
Você deve conhecer algum, talvez ele seja seu chefe, um colega de trabalho, motorista de aplicativo, professor, jornalista de opinião nas rádios e TVs. Ele está em todo lugar, politica, medicina, advocacia, gosta muito de ser empresário, e ter ar de autoridade, não é à toa tanto podcast, livros de autoajuda e coachs bravejando chorume como se fosse a mais alta filosofia.
Veja bem, não estou falando de pessoas com deficiência ou algum transtorno cognitivo. O HBBE é alguém comum, poderia ser alguém normal, porém a sociedade racista foi construída para beneficia-lo de tal modo que ele tem uma autoimagem inflada e distorcida. Sua vida é uma constante validação de suas ações e escolhas, mesmo que sejam erradas.
Primeiro por ser homem. Muitas vezes cresce em um ambiente machista, patriarcal. Esse arquétipo, muitas vezes é filho único, ou o mais velho, em alguns casos o caçula. Essas posições são aceitas com certa nobreza na organização familiar conservadora.
Segundo por ser branco. No brasil e alguns lugares do mundo isso é quase um super poder. Herança da colonização, crueldade e ganancia, existe o pacto narcisista da branquitude que sempre vai beneficiar, dar status e capital de influência e comando para pessoas brancas. E isso é tão enraizado na subjetividade da nossa sociedade, que é validado também pelas pessoas não brancas. Não por ingenuidade destes, mas porque essa ideia do poder das pessoas brancas é martelada e violentamente injetada na formação da nossa sociedade, desde pequenos. Está em filmes e novelas, nas crianças brincando na rua, nos comércios, escola e trabalho.
Ou seja, o empoderamento deles foi construindo sobretudo com uma manutenção violenta e orgânica no mundo que vivemos. Porém não confundam com natural.
Assim o HBBE se infiltra como um vírus social e ideológico. Ele é a causa das maiores atrocidades até de brincadeiras bobas…
Um vídeo no Youtube de um babaca falando merda por mais de uma hora, parece bobeira, mas é o mesmo sintoma que faz um idiota beber e sair com carro; um outro estuprar uma mulher em balada; um político ficar destilando ódio contra minorias; outro ser juiz e colocar centenas de inocente na cadeia e até um outro entrar em uma escola e matar crianças.
Está tudo relacionado… o Colonialismo + Capitalismo + Racismo + Machismo = HBBE.
O dilema do homem medíocre
Eu sou uma pessoa medíocre em vários aspectos da minha vida. Teve momentos que pensei que passaria essa linha, e até me considerei grande coisa, porém a vida, racismo, fracassos pessoais foram nivelando minha visão externa do “eu”. Não é crime, e talvez seja até natural para o ser humano se imaginar grandioso. Deve ser daí que criamos nossos mitos, crenças e deuses. Uma projeção desse desejo de não ser medíocre, no real sentido da palavra – mediano, comum.
Esta postagem mesmo, é uma exercício de escrita e desabafo mediano. Um aglomerado de leituras, estudos rasos e conceitos de ouvido que compilo de forma minimamente racional. Sei porém que se trata apenas de uma “conversa de bar” escrita. Mas que eu poderia ter transformado em livro, Podcast, artigo em jornal se fosse um HBB com o E vindo de dinheiro e contatos.
O filme “Clube da Luta” faz um registro muito bom desse homem medíocre, e por isso mesmo, muitas vezes esses que são criticados no livro e no filme acham que estão sendo exaltados nesses produtos culturais. O próprio Chuck Palahniuk, já revelou em entrevistas e até no prefácio de seu livro como achou irônico e assustador que o fracassado de classe média se espelhar em Tyler Durden.
Mais recentemente vemos esses sujeitos ganhando força e comunidade em fóruns na internet e criando conceitos burros como os de “macho Alfa”, “Red pill”, “Incel”, e por ai vai, o esgoto é fétido e profundo…
Esses fenômeno, segundo teóricos e estudiosos (que não vou citar aqui por preguiça) nasce dessa frustração sentida por esses homens que são ensinados que devem ser vencedores, alfas, inteligentes e dominantes, porém são incapazes na realidade. Eles não percebem que o fracasso se dá justamente porque o sistema que favorece alguns deles, os vencedores, necessita dessa multidão de fracassados para fazer sentido.
O resultado disso vemos de formas diversas, mas sempre violentas e excludentes para os não homens e não brancos. Para mim, por exemplo, vivo em um mundo surreal onde vejo e escuto pessoas burras e medíocres sendo aplaudidas por falar besteiras e violências contra os meus e contra outras minorias. E eles tornam minha vida pior de diversas formas em diferentes níveis. Seja um desconhecido na rua, olhando feio para meu cabelo; um dono de editora sem gosto estético algum que se acha especialista; O jurado do salão que julgará meu trabalho; O prefeito, governador ou presidente que aprovou políticas que fortalecem o genocídio de grupos que são tutelados pelo sistema opressor e capitalista que vivemos.
Vejam só, toda a sociedade, vidas são destruídas, sonhos incapacitados apenas por consequência do problema mental e frustração dos homens brancos medíocres, que não conseguem lhe dar com mundo que lhes diz não. E por outro lado os homens medíocres com poder, ditam o valor de cultura, formas de vida, religiões e etc. E até mesmo vidas com potência e possibilidade de ser grandiosas são sabotadas por esse sistema. E em última estância minam a chance de uma sociedade dignar e democrática.
Precisamos deter o HBBE, mas como?
Quantas vezes você não fez algo por pensar não ser capaz, não ser bom o bastante, por não se achar merecedor? Se você é negro, LGBTQIAP+, mulher, mulher negra, muito provavelmente já se sentiu assim. Parece que existe uma barreira, ou mãos invisíveis nos impedindo de atingir nosso maior potencial. São muitos nãos, muitas caras feias, as vezes socos, pauladas, físicas e reais nos impedindo.
Muitas vezes já me vi nessa situação, a autocensura e auto sabotagem é produto de uma sociedade doente, e também da hegemonia do homem branco burro. Já olhou para um desses idiotas, fazendo idiotice com cara confiante e pessoas aplaudindo e pensou “Queria ter a autoestima de um homem branco?”. Pois é, eu já… Imagina desde criança alguém te dizendo que você é o maior, te mimando aprovando suas atitudes. Imagine você ser recompensado simplesmente por existir, do jeito que esperam que você exista. Imaginem sorrirem e aplaudirem até mesmo seu menor feito como algo grandioso. Imagina, familiares e estranhos afirmando sua grandiosidade. Doentio não é?
Não tem como alguém ser saudável mentalmente a partir de uma experiência como essa. Nossos filtros do mundo são por natureza tendenciosos, e o ser humano é egoísta, portanto precisamos que nos digam não, é preciso estar aberto a percepção dos outros. É nessa conversa do que pensamos e sentimos com o outro que construímos de fato uma noção da realidade.
Queria sim que todos tivesse incentivo e uma boa autoestima para acreditar em si mesmo. Mas também é preciso equilibro. Temos que meter o Caetano as vezes, dizer “Não, isso que você falou é burrice!”. Às vezes as pessoas precisam desse choque. Dessa quebra de confiança. Pois em nossa mente, tudo é perfeito e possível. É importante que nos digam que estamos errados.
Como acabar com o HBBE?
Eu não sei… como acabar com essa estrutura que alimenta o ego de gente pequena, mesquinha, burra. Validando seus atos cruéis como forma de manutenção de um paradigma injusto?
No entanto tenho algumas sugestões.
- Primeiro, para nós pessoas não brancas: tenham a autoestima de um homem branco. É fácil escrever uma frase dessa, mas a atitude esbarra em vários problemas – monetário, sociocultural, psicológico, material – Para colocar em pratica de verdade, só sendo um bom ator, daqueles que incarnam um personagem perfeitamente. Mas no grau mais básico: Não se auto sabote, não se autocensure se tem algo positivo e construtivo para o mundo. Planeje e crie o que tem em mente, Jogue para o mundo de alguma forma. Compartilhe, nem que seja com apenas um amigo, irmão ou parente. Talvez quando tivermos mais pessoas potentes e inteligentes falando, os burros se calem e reconheçam seu lugar. Estudem e melhorem… deixem de ser burros empoderados.
- Segundo, Meter o Caetano – é preciso parar de bater palma pra maluco. Tem que pegar essa coragem e enfrentamento no meme do Caetano e dizer: Você é burro! Sim, diz isso pro seu chefe e depois da uma risada e fala “é meme, chefe… brincadeira hehehehe”
- Terceiro – criar um sistema para alimentar nossas intelectualidades, comunicadores, potencias culturais de base e conectar essas discussões com todo nosso povo nas periferias, academia, sindicatos, associações, terreiros, rodas de capoeira, bailes e etc. E sempre que surgir um HBBE, transformar a pauta sem dar palco. Não podemos deixar que os assuntos e discussões sejam peltadas por polemicas que essa gente cria.
E alguém ai, tem alguma sugestão? adoraria lê-las. De qualquer forma precisamos deter essa doença que faz nossas vidas diariamente mais difíceis e dolorosas.